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O caso da mala de Astronomia: “Una mirada al universo” A mala de astronomia – Una mirada al universo – desenvolvida

projetos Nesse sentido, esses comitês seriam os embriões dos grandes projetos curriculares nas áreas de ciências que

5. MUSEO DE LA CIENCIA Y EL JUEGO: EMPREENDER A

5.2. OS SUJEITOS QUE ESTÃO POR TRÁS DO MUSEU: O LUGAR DE ENUNCIAÇÃO

5.4.2. O caso da mala de Astronomia: “Una mirada al universo” A mala de astronomia – Una mirada al universo – desenvolvida

pelo MCJ fez parte de uma sala de aula móvel de astronomia99 (ver figura 9), no âmbito de um programa maior chamado – Colombia vive la ciencia, vive la Astronomía–. Esse programa surgiu motivado pelo ano internacional da astronomia em 2009, com o apoio de Colciencias. O objetivo que animou essa sala de aula móvel era o de se contribuir à construção, à apropriação e à comunicação do conhecimento na Colômbia por meio do fortalecimento dos espaços educativos formais através de estratégias não formais e informais de educação (MCJ, 2009).

Figura 9 - Sala de aula móvel de astronomia (Disponível em http://www.cienciayjuego.com)

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A sala de aula móvel é um caminhão adaptado, que permite que se administrem os cursos porque conta com uma área de 25m2 e uma infraestrutura de recursos técnicos (mobiliário, iluminação, e acondicionamento climático).

Para o desenvolvimento do projeto, Colciencias, sob a liderança do então vice-diretor, configurou uma rede de atores constituída pelo Serviço Nacional de Aprendizagem (SENA)100, que era responsável por prover a sala de aula móvel e os recursos para o uso e manutenção101; pela UN que, através do Observatório Astronômico Nacional da Colômbia, era encarregada da assessoria científica e responsável pela realização de um concurso-curso para professores; e pelo MCJ, que assumiria o design e desenvolvimento dos conteúdos. Configurar essa rede de atores implicou inúmeras reuniões de negociação entre o SENA e Colciencias, entre o observatório astronômico e Colciencias, entre o MCJ e Colciencias, e, obviamente, reuniões de todas as instituições envolvidas. Em relação às negociações com o SENA, Colciencias teve que “seduzir” essa instituição (interessar), pois o SENA não reconhecia na astronomia uma temática que correspondesse aos seus objetivos. No entanto, essa instituição havia se proposto a aumentar sua cobertura no ano 2010, e, para isso, a sala de aula móvel poderia funcionar como uma estratégia de publicidade para este tipo de ambiente de aprendizagem. Assim, a sua articulação ao projeto de astronomia esteve animada pela intenção de fazer promoção das suas salas de aula móveis e, consequentemente, conseguir, em futuras oportunidades, maiores inscrições para os cursos de curta duração que oferecesse (COLÔMBIA, 2010).

Esse olhar da sala de aula móvel como estratégia de visibilidade não era exclusivo do SENA, pois Colciencias também queria divulgar as suas atividades em lugares do interior da Colômbia, onde sua atuação era quase nula. Desse modo, as negociações igualmente abordaram as dimensões da imagem institucional, as metas de cobertura e a presença na mídia tanto local quanto nacional (Entrevista Minerva, Bogotá, Janeiro de 2012). Além da negociação da sala de aula, propriamente dita, era necessário despertar o interesse de atores capazes de desenvolver conteúdo. Desse modo, o Observatório Astronômico Nacional adjunto da UN parecia o sócio natural para esta empreitada, e por isso, Colciencias fez aproximações com essa instituição com o objetivo de que a mesma se interessasse no projeto. Como resultado

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Instituição responsável na Colômbia pela formação profissional orientada à incorporação das pessoas em atividades produtivas.

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O SENA na Colômbia tem um programa de salas de aula móveis para as regiões do interior que, por razões de infraestrutura, não podem aceder aos programas regulares que a instituição oferece.

dessa aproximação, o Observatório envolveu-se e aceitou participar da iniciativa de Colciencias dada a articulação direta entre a natureza do projeto e seus objetivos institucionais. No entanto, essa instituição reconhecia que não contava com a experiência nem com os conhecimentos necessários para o desenvolvimento de materiais educativos exigidos pelo projeto. Portanto, o Observatório propôs a participação do MCJ que tinha o conhecimento e infraestrutura para esse tipo de atividade e que, além disso, facilitaria os trâmites jurídicos porque também pertencia à UN (somente seria preciso realizar um convênio entre a UN e Colciencias).

Ainda que o processo de interessamento houvesse aparentemente conseguido configurar as condições que permitiam o começo do projeto da sala de aula móvel, as pressões externas de outro ator desejoso em se articular à rede, o Centro Interativo Maloka, foram muito fortes e geraram dificuldades na estabilidade do projeto, porque este cenário tem conseguido um amplo reconhecimento na Colômbia tanto por sua auto- referenciação como epicentro da apropriação social quanto pelo apoio recebido especialmente de Colciencias na primeira década de 2000(DAZA et al., 2006). Maloka apresentou para Colciencias uma ideia que propunha um desenvolvimento conjunto do projeto com o MCJ (realização de atividades, desenvolvimento de material, etc.), proposta que seria apoiada inicialmente pelo Observatório Astronômico Nacional e Colciencias, que viam a Maloka como um bom sócio para o projeto. Contudo, a proposta foi fortemente recusada pelo MCJ, pois pela hipervisibilidade da Maloka na Colômbia argumentou que cooptaria o projeto e, portanto, o grande público terminaria identificando o projeto como mais uma atividade dessa instituição102. Assim, com a possibilidade de retiro do MCJ, a decisão final foi a de deixar de fora a Maloka tanto pela aceitação do argumento da cooptação quanto pela vantagem que oferecia o MCJ de aproveitar a infraestrutura instalada da rede Liliput de pequenos museus.

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De fato, a visibilidade de Maloka fez-se evidente na enquete de percepção pública da ciência feita na Colômbia em 2004 (COLCIENCIAS, 2005). A mesma mostra como Maloka é o lugar mais reconhecido pelos docentes como cenário propício para a aprendizagem lúdica e, também, é identificada por estes (docentes de educação fundamental e média) e pelos empresários como a instituição que liderou na Colômbia a geração de conhecimento científico e tecnológico, classificando-se acima de universidades, tais como Univalle, Uniandes, PUJ, entre outras instituições que fazem pesquisa.

O panorama até aqui apresentado mostra uma variedade de leituras sobre o papel que cumpriria a sala de aula móvel onde a mesma seria usada, o que evidência a flexibilidade interpretativa frente a seu funcionamento (publicidade, visibilidade institucional, motivação para a aprendizagem da astronomia, etc.). Além disso, existiram noções diferenciadas do problema que a sala de aula enfrentaria (presença do estado, inclusão social, aumento da demanda de cursos, divulgação de conhecimentos astronômicos), os quais estavam articulados aos interesses de cada ator envolvido (BIJKER; HUGHES; PINCH, 2001). Dessa maneira, a dimensão educativa do projeto estaria mediada pelos entendimentos do papel que desempenharia tanto a sala de aula móvel quanto a mala nos diferentes contextos de uso, e, consequentemente, pelo conjunto de interesses articulados que deram as condições para o funcionamento do projeto.

Estas negociações estenderam-se por quase todo o primeiro semestre de 2009, ano da celebração da astronomia. Por tal razão, o MCJ teve que fazer um processo de design e produção em tempo recorde103, aproximadamente dois meses, para conseguir iniciar o percurso no segundo semestre. A estratégia usada foi a de aproveitarem- se designs e desenvolvimentos anteriores do MCJ104, procurando-se diminuir o número de aparelhos e atividades novas que implicariam um maior tempo de produção. Não obstante, o uso de designs anteriores para a realização de novas exposições tem sido uma prática frequente do MCJ, que se suporta conceitualmente a partir da re-contextualização. Esse processo de re-contextualizar entende-se como uma conjugação de elementos provenientes de contextos do conhecimento formal: disciplinar, históricos, profissionais, etc., que se articulam com componentes de tipo sociocultural, econômico e de certos saberes provenientes de contextos para os quais se dirige a ação comunicativa (BETANCOURT et al., 2011). Por isso, a re-contextualização tem sido

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Essas dinâmicas não são específicas deste projeto, pois, com frequência, na administração pública, os processos de negociação-decisão são longos e lentos, ao passo que os tempos de execução são curtos e rápidos.

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Alguns dos designs adaptados foram: o telescópio de Galileu, que aproveita lentes dos kits didáticos Re-Creo; os quebra-cabeças do sol e do observatório astronômico, estratégia presente em várias malas; De Ptolomeo a Einstein, o qual usa um jogo com epiciclos que foi inicialmente copiado do Cientista Amador de Scientific American; As constelações, que usa uma estrutura parecida à câmara escura; Armar sua constelação, que usa um geoplano; Curva- se o espaço, que usa o efeito de dois espelhos plano-paralelos.

um processo frequente que o museu usa conforme as temáticas e os visitantes.

O resultado final do processo de desenvolvimento e adequação entregou uma mala com 29 jogos interativos com seus respectivos textos explicativos. Além disso, a mala continha 18 cartazes com histórias em quadrinhos que apresentavam informações sobre o espaço e o universo, e um livro de aprofundamento sobre temáticas relacionadas à mala chamado “El libro del repilo105”. Esse projeto conseguiu, em quatro meses, de agosto a dezembro de 2009, percorrer 73 cidades do território colombiano, atendendo aproximadamente 25.000 pessoas (ver figura 10).

Em relação aos objetos, existiam três scripts no design dessas exposições emaladas. Primeiro, as restrições do tamanho e peso, neste caso espera-se que todos os componentes da exposição coubessem em uma mala de turista de 70 x 45 x 30 cm3 com peso máximo de 40 Kg, o que implicava, na maioria das vezes, a construção de paralelepípedos retangulares de pouca altura(planos). No segundo script, os aparelhos deviam ser mantidos e instalados in situ pelos usuários da mala, sendo indispensável, portanto o uso de materiais de fácil aquisição e a utilização de processos simples de fabricação, além de serem deixadas sob responsabilidade dos usuários a adequação e distribuição da exposição no espaço. No terceiro, os aparelhos não tinham estruturas para se sustentar de pé, ou seja, para poder usá-los, era preciso pegá-los com a mão.

Depois da descrição anterior, a pergunta que surge é: onde está a resistência-transformação? Antes de abordar a resposta, entendo, de um lado, que a resistência seria a oposição direta ou indireta às dinâmicas de distribuição, manutenção, e transferência do poder, razão pela qual, o poder se exerce quando se atua sobre as ações de outros ou delimita-se seu campo de possibilidade (FOUCAULT, 1991). Assim, o poder está mediado tanto pelo controle de recursos que fazem possível o projeto (econômicos, infraestrutura, pessoas formadas) quanto pelo controle sobre as decisões sobre a sala de aula móvel de astronomia (percurso, tempo de cada atividade, público alvo, etc.). Por outro lado, a transformação seria uma prática de reflexão-ação sobre uma situação- problema presente em uma realidade específica; por isso, a transformação se performaria quando se gerassem alternativas para

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Repilo é uma expressão coloquial usada na Colômbia, na região central, para se referir a uma pessoa inteligente e dedicada com aos estudos. Esta seria equivalente à CDF usada no Brasil.

superar essa situação-problema compartilhada por um coletivo (FREIRE, 2005).

Figura 10 - Mapa do percurso percorrido pela sala de aula móvel de astronomia (Disponível em: http://www.cienciayjuego.com)

Nesse sentido, ainda que o MCJ estivesse condicionado pela solução estabilizada que permitiu que o conjunto de atores envolvidos apoiasse o projeto, este assumiu uma postura para evitar o afastamento dos seus princípios e o papel social predefinido. Dessa forma, o MCJ se opôs a levar a sala de aula móvel pelas grandes cidades e procurou permanentemente regiões com a maior quantidade possível de cidades pequenas que contavam com pouca ou nenhuma infraestrutura cultural (Entrevista Ulisses, Bogotá, Julho de 2011). Porém, percebo que não

existe uma oposição à noção dominante de PCT, tampouco à noção estabilizada de ciência e tecnologia (visão empirista).

No entanto, a decisão do MCJ de levar a sala de aula móvel para cidades com pouca infraestrutura cultural, configurar dinâmicas coletivas de conceitualização e autoaprendizagem –tanto no interior quanto no exterior do cenário–, e desenvolver materiais de baixo custo para ser replicados e eventualmente adaptados para enfrentar necessidades específicas, são escolhas de ações que poderiam ser compreendidas como o substrato que fornece as condições para construir propostas de resistência-transformação mais explícitas. Nesse sentido, os envolvidos nas atividades de PCT teriam um aumento de consciência e, consequentemente, esses sujeitos configurariam compreensões sobre as práticas, os processos e o contexto, que iriam além de superar as situações de subsistência e sobrevivência. Isso seria o inédito viável, seguindo a perspectiva de Freire (1977, 2005).

5.4.3. Muito além das estratégias de sobrevivência e subsistência