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É ISSO, PORÉM NÃO SÓ ISSO: CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO.

CONHECIMENTO E SOCIEDADE.

1.3. É ISSO, PORÉM NÃO SÓ ISSO: CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO.

Para finalizar, gostaria de chamar a atenção sobre três aspectos que considero centrais para o desenvolvimento da presente pesquisa, quais sejam: epistemológicos, educacionais e design.

Em relação à epistemologia como um dos elementos constitutivos da proposta educacional, seria necessário pôr em discussão a dimensão política nela inserida. Assim, surgem perguntas tais como: onde é produzido o conhecimento? Como e quem o valida? E para que este é produzido? Esses questionamentos têm relação direta com poder. Portanto, se reconhecemos que o museu de ciências é uma instituição cultural e por isso tem uma relação direta com o contexto no qual está inserido, teríamos que advogar por construir museus de ciências e tecnologias que tanto reconheçam outros conhecimentos quanto evitem sua transformação em não lugares no sentido proposto por Augé (2004); ou seja, espaços que muitas vezes carecem de identidade, logo, quando dentro deles, não se sabe em qual contexto cultural se está(PÉREZ- BUSTOS, 2010). Essa ideia de pôr em diálogo o museu e a comunidade não é nova. Por exemplo, o fundador e diretor do Museu de Newark27, John Cotton Dana, que trabalhou junto a Dewey impulsionando a educação progressivista nos EUA, defendia que os museus deviam estar baseados nas comunidades antes que nas disciplinas científicas (PENISTON, 1999).

Essas ideias também estavam presentes na Mesa-Redonda de Santiago, evento que aconteceu no Chile em 1972 organizado pelo ICOM e promovido pela UNESCO (FERNÁNDEZ-GUIDO, 1973), que lançou o desafio de pensar o museu como uma instituição ao serviço da sociedade – o museu integral –. O documento resultante desse encontro ressaltava a importância dos museus no mundo contemporâneo, sua contribuição para os planos educativos e de desenvolvimento social, configurando-se como um marco da Nova museologia28. Esta última

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Disponível em: <http://www.newarkmuseum.org/>. 28

As propostas associadas à nova museologia atualmente se reúnem em um movimento conhecido como MINOM (Movimento Internacional por uma Nova

surgiu na década de 1980 como um movimento que promovia uma museologia alternativa, pois reconhecia o museu como um lugar onde as pessoas poderiam discutir e debater sobre as suas realidades, isto é, o museu era compreendido como um meio educativo para a transformação da sociedade. Além disso, a Mesa-Redonda de Santiago converteu-se em referência para as políticas públicas na América Latina, marcando um importante avanço no campo dos museus na região em termos de institucionalização e de cooperação (VALENTE, 2008). Abordarei mais detalhes desse evento no Capítulo IV deste trabalho.

Com respeito às teorias educacionais, no caso dos museus, existiu um privilégio pela aprendizagem em detrimento do ensino. De fato, são numerosas as publicações que falam da “aprendizagem nos museus” e não da “educação nos museus”. Este uso da palavra "aprendizagem" indica um maior enfoque nesse processo e os resultados que teriam os diferentes públicos no museu. Isso também está articulado à influência que teve nos museus, tanto as ideias de desescolarização da sociedade quanto a virada de um ensino inspirado no professor para um ensino centrado nas crianças (HOOPER-GREENHILL, 2007).

Ainda que essa situação não seja exclusiva dos museus, a relação que esses espaços mantêm com a sociedade lhes obriga a projetar-se além de seus muros. Assim sendo, nas cidades da America Latina onde facilmente se ultrapassa o milhão de habitantes, seria consequente pensar um sentido mais amplo e distribuído de educação para o museu, pois é mais fácil que o museu se desloque e encontre um lugar nas diferentes comunidades do que levar ao museu um amplo setor da população que não o frequenta por razões socioeconômicas e de mobilidade. De fato, pesquisas realizadas no Brasil mostraram que os museus ainda estão no meio do caminho para atingir o objetivo de democratização dos conhecimentos científicos (CAZELLI, 2005; FALCÃO, COIMBRA ; CAZELLI, 2010). Situação que se explica por uma variedade de fatores, entre os quais estão: a falta de interesse nas temáticas do museu; desconhecimento da existência desses cenários; falta de museus e/ou concentração dos mesmos em cidades, ou partes da

Museologia), fundado em 1985 em Lisboa-Portugal, durante a Segunda Oficina Internacional de Nova Museologia (2nd International New Museology Workshop). Esta foi o resultado de uma primeira reunião internacional realizada em Québec-Canadá em 1984, quando os profissionais de 15 países aprovaram a Declaração de Québec como ponto de referência para o movimento. No entanto, as origens ideológicas podem ser rastreadas na declaração da Mesa-Redonda de Santiago do Chile em 1972. Disponível em: <http://www.minom-icom.net/>.

cidade, privilegiadas; alto custo (preço do transporte ou quando a entrada não é franca).

A situação proposta até aqui se relaciona com o sentido da educação e o papel que o museu desenvolve em relação a ela. Esta, com frequência, dilui-se na aplicação e concepção das teorias educacionais, habitualmente mais preocupadas com o “como” e o “para quem”. Portanto, defendo que não é suficiente reconhecer que o aprendiz é um participante ativo na educação e, por conseguinte, capaz de construir seu próprio conhecimento, já que a educação não é só o meio pelo qual a sociedade dissemina a cultura para que ela perdure por mais de uma geração. Esta é, simultaneamente, o processo pelo qual se socializam novos membros da sociedade. Ou seja, é um processo social com objetivo político. Assim, estaria também em jogo o que ensinar-aprender e para que fazê-lo.

Em conformidade com o assinalado, em comunidades injustas tanto no plano sociocultural quanto no econômico, as discussões sobre essas questões educativas conduzem à necessidade de uma educação como meio de transformação. Por tal razão os processos de ensino- aprendizagem deveriam permitir a reflexividade dos sujeitos envolvidos no processo, bem como possibilitar dinâmicas crítico-transformadoras frente às circunstâncias em que estão imersos. Isso significa uma compreensão das contradições (decodificação) e uma problematização da realidade orientada à superação de uma situação limite (problema) mediada por certo nível de consciência (FREIRE, 2005). Por isso, a função educativa do museu deveria visar a transformação antes de contribuir na perpetuação das injustiças.

Finalmente, em respeito ao design, este é um elemento central na configuração do aparelho interativo do museu. Nesse sentido, vários autores reconhecem que o museu configura-se por meio da relação entre os aparelhos/exposições e o público, ainda que atualmente exista um reconhecimento importante dos visitantes(ALDEROQUI; PEDERSOLI, 2011; GARCÍA-BLANCO, 1999; PASTOR-HOMS, 2004). De fato, os trabalhos de Leontiev (2004) identificam como a mediação de instrumentos (aparelhos) altera por completo o fluxo e a dinâmica de uma atividade que antes era realizada sem mediação ou com outro instrumento de mediação, seja técnico ou psicológico29. Assim, por

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Leontiev (2004) usa os trabalhos de Vygotsky (2001), o qual distingue dois tipos de instrumentos: os técnicos, artefatos que fazem parte de nosso contexto, e os psicológicos, principalmente a linguagem. Segundo Vygotski, os instrumentos são artefatos produzidos culturalmente e por isso carregam

exemplo, Betancourt (2009) propõe a ideia do design de “caixa branca” nas exposições do museu30 (no capítulo V, abordo com detalhes esta proposta); isso insinuaria a relação entre posturas epistemológicas, aprendizagem e o design nos museus.

Além disso, estaria a discussão associada à noção de interatividade, que se converteu na coluna vertebral dos atuais museus de ciências e tecnologias. Em relação a essa discussão é possível verificar ao menos duas perspectivas. De um lado, uma noção que reconhece o aparelho/exposição como interativa em si mesma e em diferentes caminhos. Essa ideia é compreendida por Wagensberg (2005) como o fundamento da “interatividade total” e a concebe de três formas: interatividade manual (hands on) baseada no experimento. Interatividade mental (minds on) baseada no desafio, o questionamento e a reflexão. E a interatividade cultural (heart on) que seria a conexão produzida entre a exposição e os públicos por meio de elementos emotivos relacionados com aspectos socioculturais.

A outra noção de interatividade estaria relacionada à computação (CRAWFORD, 2003; MANOVICH, 2002), onde existe uma interação humano-computador. Desse modo, os desenvolvimentos conhecidos como realidade virtual e realidade aumentada são exemplos dos usos desta perspectiva em vários museus. No primeiro caso, o participante está totalmente imerso e é capaz de interagir com um mundo completamente sintético (virtual). No segundo, a realidade aumentada enriquece o mundo real com elementos virtuais (conteúdo, imagens, etc.). Estes são gerados mediante o computador e coexistem em um mesmo espaço com os aparelhos.

Em consequência disso, parece evidente que o design está relacionado com o caráter educativo do museu. Não obstante, não é claro como são configuradas as agências educativas destes dispositivos interativos, nem como são socialmente configurados por grupos de atores tanto no interior quanto no exterior dos museus e centros de ciências e tecnologias. Então, parecesse existir a ideia de que a dimensão educativa é totalmente imposta sobre o objeto, desvalorizando o fato que o artefato é também um produto cultural (COLE, 1999; LEONTIEV, 2004). Deste modo, existe o pressuposto que esta

consigo marcas culturais que remetem às relações existentes em relação à produção e ao significado destes.

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Essa ideia propõe que os visitantes do museu deveriam ter a possibilidade de compreender como os artefatos são construídos e, consequentemente, poder reproduzi-los.

dimensão seria um elemento externo ao aparelho, configurada só na interação com o público do museu. Essa situação implica uma aparente neutralidade dos artefatos (em si, como em seu uso), que deixa de lado as intencionalidades e negociações políticas, socioculturais, econômicas, entre outras, inseridas em sua construção31. Nessa perspectiva, seria necessário identificar tanto a maneira como estes são lidos, dependendo do contexto sociocultural, quando compreendê-los política e criticamente a partir do ponto de vista em que foram construídos (PHILIP, IRANI; DOURISH, 2012).

A reflexão apresentada até aqui sugere um novo campo na pesquisa educativa nos museus, que procuraria analisar a maneira como a dimensão educativa é configurada no processo de realização das exposições, o qual implicaria compreender o papel outorgado ao museu na sociedade e consequentemente reconhecer o lugar de enunciação dos atores envolvidos. Nessa perspectiva o artefato, como resultado final de um processo de design e construção, é uma produção de conhecimento que é parcial e posicionada (SUCHMAN, 2002). Ou seja, situa-se na subjetividade dos envolvidos no processo, nas agências configuradas nos artefatos, que estão mediadas pela cultura e o conhecimento tanto tácito quanto explícito com os quais se conta no momento da sua concepção e desenvolvimento (COLLINS, 2010).

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Esses componentes têm sido assinalados e viabilizados pelos estudos sociais da tecnologia (BIJKER, HUGHES ; PINCH, 2001; BIJKER ; LAW, 1997).

CAPÍTULO II

2. PERSPECTIVAS TEÓRICAS PARA ANALISAR OS MUSEUS