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CONHECIMENTO E SOCIEDADE.

3. ENSAMBLAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA PARA A ANÁLISE DE MUSEUS DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIAS.

3.3. O PROCESSO DE ANÁLISE

A abordagem que propus para a análise dos museus e as exposições interativas se constrói mediante a integração de diferentes enfoques disciplinares, principalmente pelos estudos sociais da tecnologia, a perspectiva educacional freireana, e algumas reflexões feministas sobre a tecnologia. Adicionalmente me apoiei em reflexões críticas que situam tais enfoques nos contextos locais articulados com a educação. Essa abordagem foi feita sobre estudos de caso, os quais estão orientados por quatro componentes:

O primeiro identifica as condições que permitem a construção e o funcionamento do museu, e, portanto dos aparelhos interativos. O segundo problematiza as relações local-global de saber-poder identificando os processos de transformação e complexização presentes em dinâmicas de apropriação locais que se afastam das propostas originalmente copiadas ou replicadas. O terceiro compreende como é configurado o papel atribuído às práticas de PCT, e ao museu em si, na sociedade onde está inserido. O quarto busca identificar/analisar práticas

de PCT que poderiam se considerar alternativas (opostas às dominantes), as quais se configurariam em diferentes domínios (conceitual, espacial, social).

Para abordar o primeiro componente propõe-se analisar as condições de possibilidade que permitem o surgimento e funcionamento do museu. Isso implica reconhecer que os museus/exposições interativas são construções sociais, bem como, esses cenários interativos são configurações tecnológicas. Ou seja, as relações que se configuram tanto no interior quanto no exterior dos museus são mobilizadas por um conjunto de atores articulados, tanto internos como externos, que co- constroem (permitem) seu funcionamento(BIJKER; LAW, 1997; PINCH; BIJKER, 2001). Dessa maneira, os museus seriam como “um tecido sem costura” no sentido proposto pelos estudos sociais da ciência e da tecnologia (HUGHES, 1986), pois nesses cenários estariam inseridos, além dos conhecimentos científico-tecnológicos, aspectos políticos, econômicos, sociais, culturais, entre outros, uma vez que esses componentes são constitutivos do surgimento e posterior funcionamento educativo do museu.

Por conseguinte, os interesses inseridos no museu/exposição configuram imaginários e sentidos (subjetividades) entre os usuários diretos e indiretos, sobre o presente (o que é ciência e tecnologia) e o futuro (o que seria possível com os conhecimentos científicos e tecnológicos) (THERBORN, 1987). Porém, seguindo as reflexões de Philip e colaboradores (2012) e Suchman (2007), essas construções sociotécnicas têm inseridos componentes invisibilizados que circunscrevem as condições que possibilitam que o sistema funcione (atores, recursos, interesses, etc.). Em definitiva, este componente ajuda na pesquisa à compreensão das condições de possibilidade que permitiram o surgimento e o funcionamento do museu, incluindo aqui os componentes invisibilizados.

Para abordar o segundo componente, propõe-se identificar e analisar o Lugar de enunciação dos envolvidos no processo de design e construção das exposições/aparelhos, e do museu em si. Nesta direção, o museu /exposição, como resultado final de um processo de design e construção é uma produção de conhecimento que é parcial e posicionada (SUCHMAN, 2002), isto é, que inicia da subjetividade dos envolvidos no museu, mas está mediada pela cultura e o conhecimento tanto tácito quanto explícito com que se conta no momento da concepção e desenvolvimento(COLLINS, 2010). Isso implica que os aparatos construídos têm diferentes significados dependendo do contexto, o que significaria que os museus/exposições deveriam ser compreendidos

política e criticamente a partir do ponto de vista em que foram construídos (PHILIP; IRANI; DOURISH, 2012).

Neste caso é importante compreender criticamente como são projetadas as subjetividades dos promotores no museu, pois esse espaço é configurado a partir do lugar de enunciação dos promotores/construtores, os quais estão inseridos em relações socioculturais e político-ideológicas, que modelam as compreensões das situações/problemas que se procuram resolver/transformar, ou não, com a construção do museu (SUCHMAN, 2007 ; WAJCMAN 2006). A partir desse olhar existiriam marcas que localizam o museu e seus aparelhos, que embarcam ideias educativas sobre ele e sobre o contexto do qual faz parte56, por isso, copiar, reproduzir e adaptar poderia implicar processos de apropriação e transformação. Em consequência, seria importante entender, como e por que mudam os museus/aparelhos em processos de réplica e cópia, e qual é a influência que tem isso sobre seu funcionamento educativo, além de compreender como os recursos locais modelam e configuram o museu. Em definitiva, este componente permitiria problematizar as relações local-global, identificando os processos de transformação e reconfiguração presentes nas propostas da PCT nos museus que usam aparelhos interativos.

O terceiro componente aborda-se a partir da Flexibilidade interpretativa. Este reconhece que o museu é uma codificação de ideias e sentidos que se materializam através de signos materiais (BARTHES, 1993). Então, a flexibilidade interpretativa é o resultado de leituras diferenciadas sobre a função do museu e das exposições/aparelhos em uma sociedade, animadas pela racionalidade de múltiplas relações de problema-solução entre os grupos articulados que fazem possível o cenário, mas que apresentam controvérsias frente a seu funcionamento e uso. Portanto, existiria uma tensão entre uma dimensão parafrástica, que pretende, de um lado, uma correspondência entre a função atribuída ao museu pelos promotores e as práticas de PCT em si, que aplicaria também entre o fenômeno científico estabilizado e o aparato interativo e, do outro lado, uma dimensão polissêmica que aceita um deslocamento

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É importante assinalar que existe uma assimetria espaço-tempo, pois o aparelho é construído sob a ideia de um papel educativo que cumpriria no futuro em um espaço-tempo específico. No entanto, esses aparatos mudam de espaço- tempo por causa dos múltiplos usos em diferentes contextos (Exposições itinerantes, venda para outros cenários, etc.). Isso está em concordância com as discussões que faz Delizoicov e Auler (2011), sobre as características dos fenômenos educativos.

do sentido atribuído. Essa tensão entre a correspondência e não correspondência do papel do museu e/ou o conceito inserido no aparelho aumenta devido ao alto grau de criatividade no momento da concepção e design (PINCH & BIJKER, 2001), pois a maioria de aparelhos é fabricada somente uma vez.

Isso faz evidente a existência de diferentes compreensões sobre um problema e as possíveis soluções para resolvê-lo, pois existe uma diversidade de entendimentos do papel do museu na sociedade entre os grupos interessados pelo cenário (financiadores, cientistas, projetistas, administradores do museu, visitantes, etc.), que configuram várias noções sobre seu funcionamento educativo(BIJKER; HUGHES; PINCH, 2001; BIJKER; LAW, 1997). Nessa perspectiva, este componente ajudaria a evidenciar a flexibilidade interpretativa frente ao papel social do museu em uma sociedade específica.

Finalmente, para o quarto componente, propõe-se o conceito de Resistência-Transformação57. Este se articula ao terceiro componente na medida em que os indivíduos que fazem parte do museu (um coletivo que realiza e mantém exposições interativas) têm um nível de consciência de suas vivências e de sua existência, as quais são transformadas por processos de co-educação ao interior do grupo e pelo posicionamento ético frente ao fazer que desenvolvem (DUSSEL, 2011; FREIRE, 1977; GIROUX, 2001). Nessa direção, existem inicialmente algumas dinâmicas de apropriação, produto do confronto de situações limite (problemas ou situações desafiantes relevantes para um sujeito coletivo) que aumentariam o nível de consciência dos indivíduos(FREIRE, 1979, 2005, 2011) e, consequentemente, isso daria o substrato para o nascimento de práticas diferenciadas que procurem transformar as situações limite presentes em uma sociedade. Assim, este componente permite analisar como essas práticas, que puderam considerar alternativas frente ao modelo dominante de PCT, são configuradas nos museus.

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Refiro-me a Resistência-Transformação porque reconheço que um ato de oposição não necessariamente implica transformação. Por isso ao juntar essas duas palavras procuro enfatizar naquelas ações implícitas ou explícitas, nas que se expressa uma crítica/autorreflexão derivada da conscientização sobre formas dominantes de poder com um interesse de transformação (GIROUX, 2011).

CAPÍTULO IV

4. A POPULARIZAÇÃO DA CIÊNCIA E A TECNOLOGIA NA