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De Aloïs Riegl, do texto: O Culto Moderno aos Monumentos: A Sua Essência e a Sua Origem (1903).

Livro VII. Dos acabamentos para os edifícios privados.

Superinterpretação 41 Ao retomar o mítico abrigo rústico, por certo, Lucio Costa aperfeiçoou o

42 De Aloïs Riegl, do texto: O Culto Moderno aos Monumentos: A Sua Essência e a Sua Origem (1903).

partes. O primeiro conceito é logo verificado na relação de equivalência e equilíbrio entre ruína e museu-casa do zelador, tanto em virtude do distanciamento necessário entre os edifícios e do desalinhamento proposital, quanto em razão da legitimidade do edifício introduzido, fazendo referência à Lâmpada do Poder de Ruskin: “é caracterizada por uma prodigiosa delicadeza, provocando um sentimento de zelosa surpresa” (RUSKIN, 1996, p. 67).

Com relação ao segundo conceito, Costa faz referência ao arranjo espacial, a partir da inserção binária museu-casa do zelador, que conforma virtualmente a praça original e intensifica a confrontação harmônica das partes entre si (passeio alpendrado) e destas com o sítio (enquadramento visual), promovendo uma perfeita simbiose entre antigo e moderno; erudito e popular; simbólico e coletivo. Por fim, e não menos importante, tem-se a modenatura – modo como a edificação foi tratada plasticamente em relação ao preexistente. Em se tratando de uma intervenção em sítio histórico único, e tendo à disposição elementos remanescentes da ruína, evidenciou-se o parentesco entre as partes, seja pela utilização da pedra grês nas empenas cegas, quanto pela introdução do passeio alpendrado ao redor do recinto museológico, o que, associado ao vidro nos fechamentos translúcidos, ampliaram a vinculação entre cheios e vazios; fundo e figura; preexistência e inserção, enquadrados disciplinarmente.

Popular pela via erudita (Guilherme Wisnik).

Muito mais do que “um simples abrigo”. O artigo de Ricardo Rocha para Vitruvius: “De museus e ruínas. Os liames entre o novo e o antigo”, faz justiça à obra de Lucio Costa ao vincular-lhe, indiretamente, a Vitrúvio e sua tríade – utilidade, beleza e solidez, quando descreve: “[...] é reconhecido como solução pioneira e exemplar de inserção de construção moderna em sítio histórico importante, integrando o novo ao antigo pela implantação estudada, pela reinterpretação inteligente de soluções consagradas e pela sábia escolha e utilização dos materiais” (ROCHA, 2001, p. 2).

Alpendrado, o simples abrigo reproduz o módulo, o ritmo e as dimensões que estão na origem do conjunto missioneiro, acrescentando-lhe o vidro como fechamento moderno, forte indicador da evolução inconteste da técnica, de forma também à reverenciar o precedente monumental, por conta da solução transparente. A inserção silenciosa da construção moderna no sitío histórico importante atenuou os atributos transformadores do Museu, enquanto arquétipo moderno brasileiro.

Será o templo a solução escolhida por Lucio Costa para o Museu das Missões? Avarandado, envolto praticamente só por colunas de seção quadrada, ele reproduziu, segundo a descrição vitruviana, a tipologia de um templo períptero – a exemplo do Templo da Honra e da Virtude –, do qual nada restou, apostando ainda num intercolúnio aeróstilo, de onde se avista francamente a galeria das exposições. De forma mais simplificada, Alberti diria que o edifício do Museu, à exemplo do templo, consta de duas partes: o pórtico espaçado (alpendre) e, dentro dele, a cela (galeria) – de planta poligonal. Também segundo recomendou Alberti, o pórtico do templo deveria ter colunas em número par e intercolúnios em número ímpar. Com relação às colunas, ao carecerem de uma maior altura, deveriam ser adicionados pedestais, soluções que se confirmam no Museu projetado por Costa. Não é possível confirmar, mas o 43 Le Corbusier, em Vers une Architecture, cita a modenatura como um termo introduzido, na literatura técnica em língua portuguesa, pelo professor arquiteto Lucio Costa, referindo-se à pedra de toque do arquiteto: “A modenatura é uma pura criação do espírito; ela exige o plástico” (CORBUSIER, 2011, p. 143).

fato é que, a partir destas constatações, fica fácil compreender o que confere à estrutura do Museu, o caráter nobre, a forma sublime, a ordem e a harmonia. Pelo menos até quando esta harmonia é abalada.

Virtù et fortuna44. Já dizia Alberti, que o bom uso do tempo e sua dilatação, estão em capacitar a obra

para durar e resistir à devastação a que tudo está sujeito. A redução jesuítica não resistiu, na íntegra, à guerra Guaranítica, sendo incendiada e saqueada, em 1756. Após a expulsão dos jesuítas sobreviveu a mais uma ocupação, por um período curto de tempo, sendo completamente abandonada à própria sorte. Somente no início do século XX voltou a ser reanimada, com estudos arqueológicos e restauração de seu acervo. Como visto, contribui com este período de recuperação e valorização do monumento, o Museu das Missões, tutelado oficialmente mais tarde.

Segundo o documento oficial da UNESCO, sob Ordem Nº 275, que outorga às Ruínas de São Miguel das Missões a chancela de Patrimônio Cultural da Humanidade – declaração com datas de 5 a 9 de dezembro de 1983 –, o Museu, que até meados da década de 1980 permanecia descoberto pela tutela do tombamento, passou definitivamente a ser incluído no conjunto, dois anos depois da Declaração. Entretanto, mesmo antes da salvaguarda e depois, o Museu foi parcialmente destruído por dois episódios de sinistro que abalaram suas estruturas afetando inclusive sua identificação com o sítio.

É justamente quando a perplexidade atinge seu clímax que, por efeito do que talvez se pudesse chamar Teoria das Resultantes Convergentes, novas perspectivas se abrem de repente em meio à configuração intrincada e ilógica dos acontecimentos, e tudo parece, de novo, fácil e claro45 (Lucio Costa).

Lamentavelmente, em 24 de abril de 2016, uma forte tempestade com tornado atingiu o sítio arqueológico de São Miguel das Missões. Segundo episódio, conforme ofício encaminhado ao SPHAN, aos 07 de julho de 1950, que registrou danos no museu-casa do zelador46. Quase 66 anos depois, a chamada da notícia, feita pelo Portal G1 RS, anunciava: “Chuva destelha casas e deixa feridos em São Miguel das Missões, RS: cerca de 80 casas foram destruídas na cidade do Noroeste gaúcho. Foram registrados danos em escolas e no museu em frente às ruínas” (PORTAL G1 RS, 2016, grifo nosso). Um dia após o sinistro, pelo portal Gaúcha ZH, foi noticiado: “Não há informações oficiais da velocidade a que chegaram as rajadas de vento que destelharam cerca de 70 casas, um CTG, um hospital e um museu arqueológico de São Miguel das Missões” (GAÚCHA ZH, 2016, grifo nosso). De acordo com O Bonde, portal de notícias do Paraná, o tornado que se formou no município:

44 Emprestado de Alberti, do tratado Della Famiglia.

45 Alcunhas Patéticas. Artigo de Tristão de Athayde (1970) sobre texto de Lucio Costa acerca do desenvolvimento científico e tecnológico,

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