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Tombamento da Igreja de São Francisco de Assis, da Pampulha

Livro VII. Dos acabamentos para os edifícios privados.

Superinterpretação 41 Ao retomar o mítico abrigo rústico, por certo, Lucio Costa aperfeiçoou o

3.2.1 Tombamento da Igreja de São Francisco de Assis, da Pampulha

Quadro 1. Movimentações do Processo Nº 373/T-47 na ordem dos autos.

IDENTIFICAÇÃO: Nº PROCESSO 373/T-47/ D.P.H.A.N/ D.E.T SEÇÃO DE HISTÓRIA

Proposta de Tombamento: Igreja São Francisco de Assis, da Pampulha Data: 08 de outubro de 1947

Parecerista: Lucio Costa. Diretor da D.E.T

Destinatário: Rodrigo Melo Franco de Andrade. Diretor Geral D.P.H.A.N Despacho Administrativo. “Expeçam-se as notificações para o tombamento” Local/ Data: Rio de Janeiro, 05 de novembro de 1947

Autoridade Administrativa: Rodrigo Melo Franco de Andrade. Diretor Geral D.P.H.A.N

Notificação Nº 538. Referente ao tombamento da Igreja de São Francisco de Assis, da Pampulha Data: 06 de novembro de 1947

Destinatário: João Franzen de Lima. Prefeito Municipal de Belo Horizonte

Autoridade Administrativa: Rodrigo Melo Franco de Andrade. Diretor Geral D.P.H.A.N Ofício de Comunicação do Recibo de Tombamento

Local/ Data: Belo Horizonte, 27 de novembro de 1947

Destinatário: Rodrigo Melo Franco de Andrade. Diretor Geral D.P.H.A.N

Autoridade Administrativa: La Lafayette A. de Pádua. Diretor do Departamento de Educação e Cultura Manuscrito. Despacho Administrativo. Inscreva-se no Livro Tombo Nº 03

Data: 1 de dezembro de 1947

Autoridade Administrativa: Rodrigo Melo Franco de Andrade. Diretor Geral D.P.H.A.N Manuscrito. Comprovante da Inscrição no Livro Nº 03: Tombo das Belas Artes Data: 1 de dezembro de 1947

Nº Inscrição: 312. Folha: 65

Registrador: Carlos Drummond de Andrade. Chefe da Seção de História Recibo de Notificação Nº 538

Local/ Data: Belo Horizonte, 10 de novembro de 1947

Autos do Processo de Tombamento Nº 373/T-47: Volume único. Nº total de Páginas: 6 p.

Juntada de Documentos: Capa; Parecer e despacho (1 e 2/6); Notificação Nº 358 (3 e 4/6); Ofício de Comunicação, Inscrição e Comprovante de Inscrição (5/6) e Recibo da Notificação Nº 538 (6/6).

Transcrição da proposta de tombamento escrita por Lucio Costa e endereçada à Rodrigo Melo Franco de Andrade:

Sr. Diretor Geral:

Considerando o estado de ruína precoce em que se encontra a Igreja de São Francisco de Assis, da Pampulha, em Belo Horizonte, devido a certos defeitos de construção e

ao abandono a que foi relegado êsse edifício pelas autoridades municipais e

eclesiásticas;

considerando que numerosas peças integrantes dêsse edifício destinado a capela tais como altar, órgão, bancos, via sacra, etc., foram irresponsàvelmente abandonados ou

utilizados em outras igrejas de modo incoveniente porque em desacôrdo com seu

estilo peculiar;

considerando o louvor unânime despertado por esta obra nos centros de maior

responsabilidade artística e cultural do mundo inteiro, particularmente da Europa e

dos Estados Unidos;

considerando, enfim, que o valor excepcional dêsse monumento o destina a ser inscrito, mais cedo ou mais tarde, nos Livros do Tombo, como monumento nacional, e que portanto seria criminoso vê-lo arruinar por falta de medidas oportunas de preservação, para se haver de interverir mais tarde no sentido de uma restauração difícil e onerosa,

tenho a honra de propor, de acôrdo com os itens I e III do art 9º do Decreto-lei Nº 25, de 30 de novembro de 1937, o tombamento preventivo da Igreja de São Francisco de

Assis, da Pampulha, promovendo-se logo as necessárias gestões junto à Prefeitura, ao

arquiteto autor do projeto e aos engenheiros responsáveis pelo cálculo da estrutura e pela empreitada da obra, com o propósito de sanar da melhor forma os defeitos assinalados, e, também, junto às autoridades eclesiásticas, para fim de integrar de novo no monumento as alfaias e demais peças do seu equipamento indevidamente removidas, ou, ainda, aquelas que, muito embora concluidas e pagas, não foram sequer instaladas.

Saudações atenciosas. Em 8.10.1947 Lucio Costa

Diretor D.E.T (MEC, Nº 373/ T-47, p. 1, grifo nosso).

A proposta de tombamento da Igreja São Francisco de Assis foi de ofício, conforme previa o art. 9º, II, a do Decreto Nº 20.303, de 2 de janeiro de 1946. No entanto, a preocupação e perícia de Lucio Costa esclareceram-se por meio do tom de advertência do pedido de tombamento preventivo (assim sublinhado), bem como na forma com que o amarrou aos parágrafos 1º e 3º do art. 9º, do Decreto-lei Nº 25/37– que fundamentam o tombamento compulsório, devendo estar em conformidade com o atendimento aos prazos em relação à anuência ou impugnação. Atendidos os prazos e instâncias, fez- se deliberar sobre, sem a possibilidade de recurso.

De acordo com o art. 5º do Decreto-lei Nº 25/37, efetuadas as notificações, aos 06 de novembro de 1947, o Prefeito Municipal de Belo Horizonte, João Franzen de Lima, recebeu e assinou o recibo da notificação Nº 538, expedida por Rodrigo Melo Franco de Andrade, onde ficou determinada a execução do tombamento, seguida da determinação da inscrição no Livro Tombo a que se refere o Art. 4º, alínea 3 da obra de arquitetura religiosa constituída: Igreja São Francisco de Assis, localizada à beira do lago Pampulha, em Belo Horizonte, Estado de Minas Gerias, incluindo-se, no tombamento, as obras de arte integradas do referido edifício. O bem foi inscrito em 1º de dezembro de 1947, sob Nº 312, no Livro

Tombo de Belas Artes, fl. 65.

A obra foi iniciada em 1942, inaugurada em 1943, concluída em 1945, tombada em 1947, denunciada por abandono em 1948, atingida por sinistro em 1954, doada à Cúria Metropolitana em 1956 e consagrada templo católico, finalmente, em 11 de abril 1959. A primeira cerimônia eucarística no local foi realizada com a presença do então Presidente da República, Juscelino Kubitschek de Oliveira, do Governador Bias Fortes e do Prefeito de Belo Horizonte Amintas de Barros. Devido ao desprezo pelo edifício durante todo este tempo, à degradação de sua estrutura e utilização imprópria de seu mobiliário e equipamentos, como condiz o parecer do relator, exigia-se uma atitude emergencial frente às

circunstâncias. Se o arruinamento era uma contingência (CAVALCANTI, 2006), o tombamento era uma solução.

Contrariando o conceito de autenticidade, na filosofia de Heidegger, viu-se que no hiato de 14 anos – desde a conclusão da obra, a Igreja teve uma existência sem sentido. O tombamento fora executado preventivamente, e, mesmo assim, no ano seguinte, os jornais denunciavam o abandono não só da Igrejinha, mas de todo o conjunto da Pampulha, reivindicando sua preservação e propagando o desperdício do investimento público. A Prefeitura, proprietária dos imóveis, refutava as denúncias, justificando-se por meio das finalidades de cada edifício e seus respectivos estados de conservação, dividindo a responsabilidade da Igrejinha com o SPHAN.

O jornal Estado de Minas, insistente, cobrava a consagração oficial por parte da Igreja, que argumentava sobre a obra, através de seu arcebispo Dom Antônio Santos Cabral: “inteiramente particular, na qual o clero não teve a mínima participação” acrescentando, que a construção da Igrejinha: “não dependeu da opinião das autoridades eclesiásticas, não foi feita a doação do terreno à paróquia nem foram apresentados planos para a aprovação prévia” (FABRIS, 2000, p. 186). Ambos “lavaram as mãos”106.

É certo que nenhuma instituição envolvida desejava a ruína de tão comentado empreendimento. Antes da execução do tombamento, por exemplo, a Cúria havia sugerido que fosse criado no local um Museu de Arte Moderna, sugestão que agradou inicialmente ao prefeito. Na sequência, veio a proposta do Departamento do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB MG) de receber em doação o edifício da Igrejinha, a título precário e, em contrapartida, conservar o imóvel do pretenso Museu. Foi quando a Prefeitura recuou. A proposta de alteração de finalidade desagradou intelectuais, como Eduardo Frieiro, que respondeu ao Estado de Minas:

O primeiro ato de sabotagem a que me refiro foi o que tentou desnaturar o caráter da

igreja da Pampulha, tornando-a museu de arte moderna. Compreende-se que muitos

católicos estranhem a nova arquitetura concebida pelo talento superior de Niemeyer. Mas é simples relutância, como acontece tão frequentemente em face do novo e nunca visto. O povo se habituará com o correr do tempo. A igreja da Pampulha será igreja ou não será nada (FABRIS, 2000, p. 190, grifo nosso).

Autenticidade em risco. Em 1947, sob governo municipal de João Franzen de Lima, tramita no

SPHAN a proposta de tombamento, vindo a se efetivar no último mês do mesmo ano. Igreja pronta, tombada, mas ameaçada. Em 20 de abril de 1954, um rompimento da barragem da Lagoa da Pampulha, alagando o bairro, afetou a estrutura da Igrejinha já avariada por infiltrações no teto, rompendo seus vidros.

A arte integrada de Portinari não foi atingida. Não bastassem a polêmica com o clero, o abandono pelas autoridades e os danos materiais decorrentes do sinistro, a disputa política e ideológica, com seus interesses escusos, impedia, inclusive, que a destinação de verbas para reparos no Conjunto se efetivassem.

Não se pode negar que o tombamento movimentou a já desinteressante matéria, ajudando a reverter o descrédito inicial da obra pelos locais, porque a nível internacional, a Igrejinha já era reconhecida na bibliografia técnica especializada, como “[...] o mais famoso monumento da arte moderna no Brasil”

(FABRIS, 2000, p. 194), credenciando profissionalmente seu criador. Soma-se a isso, a perspicácia do Prefeito Celso Melo de Azevedo ao propor, pelo Projeto de Lei na Câmara Municipal, a doação da Igrejinha e da área adjacente à Curia Metropolitana – que a aceitou em definitivo –, inclusive sua arte integrada, anteriormente avaliada como imprópria. Nas palavras de Dom Cabral, a crítica à obra de Portinari:

Fantasias de artistas. Extravagâncias que podem ficar muito bem nos salões de arte; motivos para estudos polêmicos e discussões entre artistas, jornalistas e escritores. Acredito que tanto os adeptos do modernismo como os defensores da arte antiga, do chamado academicismo, estão com razão, pois todos lutam pela evolução artítica. Mas, para um templo, aquilo não fica bem.; não podemos desvirtuar a obra do Senhor nem a igreja é lugar para experiências materialistas, embora artísticas (FABRIS, 2000, p. 187).

Embora o tombamento não tenha revertido na recuperação imediata em relação dos danos construtivos107, ao menos ampliou a discussão sobre a preservação da autenticidade funcional, jurídica, material e documental da obra, não isentando, naturalmente, da reflexão a respeito de outro conceito que se compatibiliza muito bem com autenticidade. Recuperada sua autenticidade, era necessário ainda que fosse recuperada sua identidade. Perduram as mesmas questões sobre este tema: O que é? De quem é? Para quem é?

Primeiro, o que é? O clero e os fiés, através do seu representante maior, arcebispo D. Cabral, não compreendiam seu valor nem tampouco significado, tanto que o mesmo D. Cabral dizia que a obra modernista ia de encontro ao aceitável pela Igreja, instituição onde os valores tradicionais são preponderantes (FABRIS, 2000). Segundo, de quem é? A história nos mostra que nem a Prefeitura, enquanto proprietária, nem a Igreja, beneficiária, se sentiam reponsáveis pelo edifício, negligenciando- o. Esqueceu-se a Prefeitura, que a chancela do tombamento é um instrumento de preservação que impõe a conservação e reparação da coisa tombada108. Terceiro, para quem é? Se nem a proprietária, nem a beneficiária se posicionavam quanto à tutela e finalidade do edifício, quem dera a sociedade que assitia a tudo de longe, sem entender exatamente o que fazer.

Se o Decreto-lei Nº 25/37 apontou uma direção, foi na de que “Igrejinha” passaria, enfim, a ter valor reconhecido porque era tombada. Hoje, entretanto, poucos desconhecem sua importância. Em 2012, a Prefeitura de Belo Horizonte lançou a candidatura do Conjunto Arquitetônico da Pampulha ao título de Patrimônio da Humanidade, pela UNESCO. A outorga foi concedida em julho de 2016. Quanto aos princípios da nova arquitetura: fizeram-se ou não presentes na justificativa do tombamento preventivo da Igreja São Francisco? Em parte.

Mas fez-se presente o postulado de Riegl sobre valor artístico essencial, que opera a partir da qualidade intrínseca de toda arte, independente do período. Essa é uma interpretação da tese sobre a prerrogativa que consta no parecer: “considerando o louvor unânime despertado por esta obra nos centros de maior responsabilidade artística e cultural do mundo inteiro, particularmente da Europa e dos Estados Unidos”.

Na última ordem de consideração incluída junto ao parecer de Lucio Costa, realça-se o valor excepcional do monumento, atributo que consta na Lei de Tombamento, mas que poderia ser melhor

107 Embora previstas pelo calculista de Niemeyer, Prof. Eng. Joaquim Cardozo, três juntas de dilatação não foram cosntruídas. Foi realizado uma importante obra de reparos, em 1980, para a implementação de duas juntas, e uma outra obra, maior, entre 2004 e 2005, quando se implementou a terceira junta de dilatação prevista em projeto. Atulamente, a Igrejinha encontra-se novamente em reforma. 108 Artigo 17º Decreto-lei nº 25/37.

esclarecido ao exaltar, por exemplo: a relação do edifício com a paisagem; a identificação do edifício com a arte integrada – herança do barroco brasileiro; a adequação da estrutura às possibilidades do concreto armado, rompendo “com as convenções mais cartesianas da arquitetura moderna” (MINDLIN, 1999, p. 182).

Embora dispensem apresentações, não consta nos autos a personificação dos arquitetos brasileiros, formados no Brasil, exercendo influências no seu território e principalmente fora dele. Esta observação vai de encontro com o que disse Vitrúvio [DA LVI, VIII-9]: “mas, quando se apresentar esteticamente como modelo nas suas proporções e sistemas de medidas, então a glória será do arquiteto” (VITRUVIO, 2009, p. 241).

Corrigindo esta lacuna, Paul Clemence ajuíza:

Brasília foi o projeto que deu à arquitetura moderna brasileira uma projeção internacional em uma escala até então não vista. E, claro, consequentemente ao arquiteto de seus principais edifícios, Oscar Niemeyer. Mas antes de Brasília, houve a Pampulha, o complexo arquitetônico à beira da lagoa de mesmo nome, ao norte de Belo Horizonte. Foi ali que a famosa curva criou força e partiu em sua longa e bela trajetória (ARCHDAILY, 25/01/ 2012).

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