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Livro VII. Dos acabamentos para os edifícios privados.

5 Significando observação, experimentação, reflexão e/ ou juízo.

1.1. A VIRTUDE NOS TRATADOS

Cumpre antecipar que não se trata de uma tese sobre virtude, assim como virtude não é somente parte do título desta tese. Virtude, do grego ἀρετή (arete), assume aqui, definitivamente, o sinônimo grego de excelência em cada ação refletida, no fazer bem feito e na justa medida, sendo esta a ideia de virtude da filosofia ocidental que mais se associa a esta investigação. Além de qualidade, uirtus (virtus) poderia também se referir a potencialidade, particularidade, qualidade, determinação – definições de virtude traduzidas do latim que têm origem naquilo que é superior, elevado.

Como será mostrado mais adiante, este termo produz eco quando o assunto é discussão de valor em arquitetura. Assim, com base em referências filosóficas e na revisão dos tratados de Vitrúvio e Alberti, esta parte do capítulo debruça-se sobre o que é virtude e do que se ocupa.

Vitrúvio [I a.C] não coloca em evidência o termo virtude no tratado Da Arquitetura. Entretanto, há duas passagens onde cita o “Templo da Honra e da Virtude” – Aedes Honor et Virtutis, projetado por G. Mucius arquiteto romano anterior à Vitrúvio. Na primeira anotação do Livro III, Vitrúvio classifica-o como templo períptero (VITRÚVIO, 2009); já na segunda, aventa a necessidade de haver escritos sobre esse arquiteto que construiu segundo a tradição, aplicando um dos princípios fundamentais da “arte arquitetura”, a proporção [DA L VII, Pr. 17]:

17. Não é, porém, apenas de Cossúcio que desejaríamos possuir escritos sobre estas coisas, mas também de G. Múcio que com grande sabedoria construiu o templo da Honra e da Virtude, dedicado por Mário, onde aplicou as proporções da cela, colunas

e arquitraves segundo os genuínos princípios da Arte. Se, na realidade, se tratasse

de um templo de mármore, de tal modo que tivesse não só a subtileza artística como crédito da magnificiência e da sumptuosidade, seria considerado entre as primeiras e mais importantes obras (VITRÚVIO, 2009, p. 262, grifo nosso).

Há, sobretudo, uma ocorrência direta do termo virtus (virtù) para o latim na versão de Rose Et Strübing [DA L VIII; III-28]:

nulla enim ex omnibus rebus tantas habere videtur ad usum necessitates quantas aqua, ideo quod omnium animalium natura si frumenti fructu privata fuerit arbustive aut carne aut piscatu aut etiam qualibet ex his, reliquis rebus escarum utendo poterir tueri vitam, sine aqua vero nec corpus animalium nec ulla cibi virtus potest nasci nec tueri nec parari. quare magna diligentia industriaque quaerendi sunt et eliffendi fontes ad humanae vitae sakibritatem (VITRUVII, 1867,

p. 204, grifo nosso).

O correspondente de virtus no singular, para o português, na versão de Maciel, equivale à qualidade

do que é essencial, fundamental, alimento, material, substância [DA, L VIII; III-28]:

28. Com efeito, de entre todas as coisas, parece que nenhuma apresenta tanta utilidade quanto a água, pela simples razão de que, podendo a natureza de todos os seres vivos manter a sua vida se for privada do fruto do cereal, de vegetais, de carne ou de peixe, valendo-se do que lhe restar disto como alimento, sem água nem seres vivos, nem mesmo alguma substância alimentar poderá surgir, manter-se ou mesmo desenvolver- se. Por isso deverão procurar-se e escolher-se as fontes, com grande diligência e indústria, tendo em vista a saúde da vida humana (VITRÚVIO, 2009, p. 309).

Seguindo a mesma busca, quanto ao plural virtutibus, foram encontradas, no tratado, cinco ocorrências, assumindo significados equivalentes, a saber:

Primeira ocorrência: neste caso, referindo-se a um conjunto de qualidades, as potencialidades do

material [DA L I; VII-2]:

[...] De ipis auten aedibus sacris faciundis et de earum symmetriis in tertio et quarto volumine reddam rationes, quia in fecundo visum est mihi primum de materiae copiis quae in aedificis sunt parandae, quibus sint virtutibus et quem habeant usun exponere, deinde commensus aedificiorum et ordines et genera singula symmetriarum peragere et in singulis voluminibus explicare (VITRUVII,

1867, p.204).

2. [...] No que respeita à construção dos templos sagrados e às suas comensurabilidades, apresentarei no terceiro e quarto volumes as respectivas metodologias, uma vez que no segundo me pareceu tratar, antes de tudo, das

disponibilidades de materiais que deverão ser preparados para os edifícios, quais as suas potencialidades e utilidade, expondo, seguidamente, as medidas desses

edifícios enunciando as ordens e os gêneros dos sistemas de medidas de cada uma delas, tratando disso em volumes singulares (VITRÚVIO, 2009, p. 54, grifo nosso).

Segunda ocorrência: ainda se referindo a material, o termo assume o significado de padrão, o que

difere uma coisa de outra, particularidade, característica, origem [DA L II; VII-1]:

De calce et harena quibus varietatibus sint et quas habeant virtutes dixi. sequitur ordo de lapidicinis explicare, de quibus et quadrata saxa et caementorum ad edificia eximuntur copiae et comparantur, haec auntem inveniuntur esse disparibus et dissimilibus virtutibus. sunt eim aliae molles, uti sunt circa urbem Rubrae Pallenses Fidenates Albanae, aliae temperatae, uti Tiburtinae Amiterninae Soractinae et quae sunt his generibus, nonnullae durae, uti in Campania ruber et

niger tofua, in Umbria et Piceno et in Venetia albus, qui etiam serra dentata uti lignum secatus (VITRUVII, 1867, p.44).

1. Referi a cal e a areia, quais as suas variedades e características. Segue-se o momento próprio de tratar as pedreiras, das quais extraem e aprontam as pedras esquadraiadas e os fornecimentos de alvenaria para os edifícios. Com efeito, estes materiais apresentam características variadas e diferentes. Uns são macios, como os provenientes das pedreiras, perto de Roma, de Pedras Rubras, do Pália, de Fidenas e de Alba; outros, de dureza temperada, como as de Tibur, de Amiterno, de Socrate e de pedreiras semelhantes; alguns são duros, como os silicosos. Há-os ainda de outras variadas espécies, como os tufos vermelho e negro, na Campânia, o branco, na Úmbria, Piceno e Venécia, que se corta mesmo com uma serra dentada como se fosse madeira (VITRÚVIO, 2009, p. 81, grifo nosso).

Terceira ocorrência: considerando o mesmo Livro II, que aborda os recursos materiais, o vocábulo se

aproxima de atributo, o que designa uma característica boa de algo, a virtude propriamente dita, suas

qualidades [DA LII; VIII-20]:

[...] De parietibus et apparatione generatim materiae corum, quibus sint virtutibus et vitiis, quemadmodum potui exposui, de contignationibus autem et copiis carum, quibus comparentur ut ad vetustatem non sint infirmae, uti natura rerum monstrat explicabo (VITRUVII, 1867, p.54).

20. [...] Tratei, como pude, das paredes, das características de cada um dos tipos de material, das suas qualidades e defeitos. Falarei agora dos vigamentos e das madeiras a partir das quais eles deverão ser preparados, a fim de que não fiquem deteriorados com o tempo, como mostra a natureza (VITRÚVIO, 2009, p. 90, grifo nosso).

Quarta ocorrência: no Livro III, mas referindo-se ainda ao Livro II, especificamente, sobre as

propriedades da matéria, atributos especiais, particularidades, qualidades [DA L III; Pr. 4]:

Itaque, imperator, in primo volumine tibi de arte et quas habeat ea virtutes quibusque disciplinis oporteat esse auctum architectum exposui, et subicci causas quid ita earum oporteat eum esse peritum, rationesque summae architecturac partitione distribui finitionibusque terminavi. Deinde quod erat primum et necessarium, de moenibus quemadmodum eligantir loci salubres ratiocinationibus explicui ventique qui sint et e quibus singuli spirent deformationibus grammicis ostendi, platearumque et vicorum uti emendate fiant distributiones in moenibus docui et ita finitionem primo volumini constitui. Item in secundo de materia quas habeat in operibus utilitates et quibus virtutibus e natura rerum sit comparata peregi [...] (VITRUVII, 1867, p.64).

4. No primeiro livro, Ó Imperador, expus e submeti à tua consideração as causas da arte e as suas características, bem como em que disciplinas deverá ser educado o arquitecto e em que áreas convém que ele seja especialista. Expliquei as razões da divisão em partes do conjunto da arquitectura e apresentei definições. Seguidamente, porque deveria vir em primeiro lugar e é necessário, tratarei dos recintos das cidades, referi a melhor forma de escolher lugares salubres, mostrei através de esquemas geométricos quais são e de que regiões sopram cada um dos ventos, ensinei a maneira de distribuir correctamente dentro das cidades as praças e as ruas, tendo desse modo constituído o conjunto do meu primeiro livro. No que respeita ao segundo, falei dos materiais utilizados na construção e das qualidades que a natureza lhes atribuiu. [...] (VITRÚVIO, 2009, p. 108, grifo nosso).

Quinta ocorrência: diferentemente das anteriores, nesta passagem, o termo virtutibus é empregado

com o significado de vigor moral, segurança, determinação no desenvolvimento de algo, energia [DA L VI; I-10]:

cum sint autem meridianae nationes animis acutissimis infinitaque solleria consiliorum, simul ad fortitudinem ingrediuntur ibi succumbunt, quod habent exsuetas ab sole animorum virtutes. qui vero refrigeratis nascuntur regionibus ad armorum vehementiam paratiores sunt magnis virtutibus sine timore, sed tardidate amini sine consideratia inruentes sine sollertia suis consiliis refragantur. cum ergo haee ita sint ab natura rerum in mundo conlocata et omnues nationes inmoderatis mixtionibus disparate, veros inter spatium totius orbis terrarum regionesque medio mundi populus Romanus possidet fines. (VITRUVII, 1867, p.64).

10. Sendo, pois, as nações do Sul de agudíssimos ânimos e de infinita esperteza e engenho, elas sucumbem no momento em que é necessária a força, porque têm exauridas dos ânimos, pelo sol, as suas energias; aqueles, porém, que nascem nas regiões frias, encontram-se mais preparados para a violência das armas; são de grande

energia e sem medo; todavia, devido, à lentidão de ânimo, precipitam-se sem

considerarem e são ludibriados pelos seus ardis, desprovidos de inteligência. Estando estas coisas dispostas no mundo pela natureza e sendo todas as nações diferentes perante as diversificadas misturas, o povo romano tem, na verdade, o seu território no centro do mundo e de todas as regiões da Terra (VITRÚVIO, 2009, p. 225).

Destacam-se ainda, outras expressões, como: virtutis, virtutem, virtutes, que aparecem no decorrer texto vitruviano significando força, energia, vitalidade e potência, atributos ligados ao sujeito, vir virtutis (o humano do homem), e não ao objeto, foco deste estudo.

Renomeando virtude. Todavia, nos preâmbulos aos Dez Livros que compõem o tratado Da

Arquitetura [DA], entendemos que o autor deu à virtude diferentes nomes e significados complementares, o fazendo com certa facilidade, porque transita, segundo Maciel: “como um homem de letras, filósofo, historiador da arte, e até teórico de uma deontologia, sublinhando direta ou indiretamente as virtudes romanas” (VITRÚVIO, 2009, p. 10).

Analisando em paralelo o tratado vitruviano e a base filosófica citada, consideram-se algumas razões que poderão vir a contribuir para a excelência em arquitetura, ou em como fazê-la bem. Tais motivações não devem ser lidas em separado. A virtude, por exemplo, para ser reconhecida como sinônimo de excelência, precisa surgir em determinado momento, em combinações específicas. Obras- primas não são acontecimentos ocasionais, conforme já mencionado.

Talvez por isso que Vitrúvio tenha integrado a virtude, gradual e indiretamente, por meio da filosofia, às discussões sobre arquitetura. Tendo-se a definição do que é virtude, ampliam-se as chances de compreendermos, de forma sistemática, os edifícios que nos encantam intuitivamente, além de decidirmos sobre eles. Esta foi a oportunidade encontrada para ressignificar virtude nesta pesquisa, colocando o tratado Da Arquitetura face a face com os principais filósofos que o antecederam.

Segundo o filósofo Will Buckingham, o precursor Sócrates, ao defender que “a vida irrefletida não vale a pena ser vivida” (BUCKINGHAM, 2011, p. 48), foi condenado à morte. O filósofo do mundo antigo salientava a importância de se questionarem os significados de conceitos essenciais, partes do cotidiano, sobre os quais pouco sabemos ou nada pensamos. Não questionar, para Sócrates, era o mesmo que fazer parte de uma vida irrefletida, portanto, ausente de virtude.

Conhecimento. Virtude, então, passa a ter status de conhecimento, “o mais valioso dos bens”,

contrariando a ignorância, que para ele era um mal. Assim como Sócrates, Vitrúvio, nos primeiros capítulos de seu tratado, sublinha a importância do conhecimento geral na formação do arquiteto. Por exemplo, se fossem interrogados sobre o porquê da escolha dos ornamentos nos edifícios que projetavam, os arquitetos deveriam saber explicar corretamente a origem histórica de suas referências [DA L I; I-5]:

5. [...] Por esta razão, arquitectos que então viveram desenharam para edifícios públicos as imagines7 delas a suportar peso, a fim de que também dos vindouros fossem

conhecidos o erro e o castigo dos Cariátides, e assim fosse transmitido às memórias futuras (VITRÚVIO, 2009, p. 32).

Porém, ele admite que, frente à tanta variedade de conhecimento que envolve a ciência do arquiteto, é dispensável querer atingir o domínio sobre tudo. Todavia, faz uma reflexão sobre a necessidade do conhecimento equilibrado de diversas áreas, especialmente quando se trata de juízos de valor em arquitetura, principal assunto em questão [DA L I, I-16]:

16. [...] Por isso, parece ter actuado bastante bem aquele que, em cada um dos ramos do saber, possui um conhecimento médio das partes e teorias necessárias à

arquitectura, a fim de que não lhe falhe se tiver que julgar e aprovar uma obra sobre

estas coisas e estas artes (VITRÚVIO, 2009, p. 36, grifo nosso).

Vitrúvio oferece sua gratidão aos pais e aos mestres, reconhecido pelo abundante conhecimento que lhe foi transmitido, adotando uma postura altruísta, como deixa claro no parágrafo que segue [DA L VI; Pr. 4]:

4. [...] Como, pois, pelo cuidado de seus projenitores e pelos sentimentos dos meus mestres eu obtivesse abundante cópia de conhecimentos, deleitando-me nos temas literários e artísticos, bem como sobre obras em forma de comentários, adquiri conhecimentos para o espírito, a ponto de concluir como norma de vida: Não há necessidade de possuir o supérfluo, ou, por outras palavras, o mais alto grau de riqueza consiste em não desejar ser dono de nada (VITRÚVIO, 2009, p. 220).

Somente após argumentar detidamente sobre a necessidade do conhecimento generalista envolvendo o ofício da arquitetura é que Vitrúvio apresenta-se como arquiteto escritor, preservando quaisquer problemas de expressão e dando relevo à importância da transmissão do conhecimento, seja a partir do tratado por ele escrito, quanto aos escritos que lhe serviram de fundamentação [DA L VII; Pr. 1]:

1. Sábia e utilmente procuraram os nossos maiores, através dos escritos, transmitir os seus conhecimentos às gerações futuras, a fim de que não se perdessem mas chegassem, no decorrer dos tempos, à máxima subtileza do entendimento, sendo publicados em livros progressivamente enriquecidos em cada época. A eles, efetivamente, devem ser prestados não poucos mas muitíssimos agradecimentos,

porque não deixaram passar egoisticamente em silêncio os seu conhecimentos, em todos os campos, mas procuraram transmiti-los por escrito (VITRÚVIO, 2009,

p. 257, grifo nosso).

7 Significando o mesmo que cariátide, estátua.

Como já visto, uma vez que as primeiras palavras da filosofia foram dadas a Sócrates, cuja doutrina foi transmitida oralmente a seus discípulos, chegando até os nossos dias, na arquitetura, Vitrúvio é quem introduz o texto de seus Dez Livros, justificando, ao imperador romano Octavio Cesar Augusto, a necessidade do registro escrito dos princípios da arquitetura e do urbanismo ocidental, a fim de que fossem reconhecidos ainda hoje [DA L I, Pr. 3]:

3. Como, pois, eu estivesse obrigado por este benefício, sem receio da pobreza no fim da vida, comecei a escrever estas coisas para ti, porque verifiquei que edificaste e edificas no momento presente muitos monumentos e no futuro te preocuparás com os edifícios públicos e privados para que sejam entregues à memória dos vindouros como testemunho dos feitos notáveis. Redigi normas pormenorizadas, de modo que, tendo- as presentes, possas por ti ter conhecimento perante obras já construídas ou futuras, quaisquer que sejam. Com efeito, nestes livros expliquei todos os princípios da Arquitetura (VITRÚVIO, 2009, p. 30, grifo nosso).

No que se refere à Roma antiga, sabe-se que nenhum outro tratado de arquitetura precedeu Vitrúvio. Marco Terêncio Varrão [I e II a. C], escreveu um livro sobre arquitetura no seu tratado sobre as Nove Artes Liberais, que não chegou até nós, exceto alguns fragmentos. Mesmo assim, Vitrúvio, que, segundo Maciel, era partidário de uma cultura baseada na virtus romana – autoctoritas, dignitas, fides, gloria, grauitas, honor, humanitas, labor, pietas, honestitas, austerits, sapientia, virtus8 –, fez questão de

citar e outorgar mérito aos autores que o antecederam. Assim, Vitrúvio faz novamente referência aos predecessores, informando o que já existia, e sublinhando a honestidade como uma das virtudes no desempenho da função do arquiteto [DA L VI; Pr. 5]:

5. Eu porém, ó Cesar, não me dediquei ao estudo da Arte para ganhar dinheiro, pois descobri que mais vale a pobreza com boa fama do que a abundância com infâmia. Daí que eu tenha conseguido pouca celebridade. Todavia, publicados estes livros, espero vir a ser também conhecido da posteridade (VITRÚVIO, 2009, p. 220).

Mesmo admitindo sua pouca celebridade, enseja o reconhecimento póstumo, subescrevendo como arquiteto o tema da arquitetura [DA L I, I-18]:

18. Mas eu comprometo-me com estes livros, como espero, a disponibilizar, não só aos que edificam como também a todos os eruditos, sem qualquer dúvida, e com a máxima autoridade, os conhecimentos acerca das potencialidades da arte e dos raciocínios

que lhe são inerentes (VITRÚVIO, 2009, p. 37, grifo nosso). Instrui, ainda, sobre a especificidade de seu Tratado [DA L V; Pr. 1-3]:

1. Aqueles que explicaram, ó Imperador, em obras mais amplas, os preceitos e os pensamentos da sua sabedoria, acrescentaram aos seus escritos uma máxima e egrégia autoridade. Oxalá que o mesmo se verifique nos nossos próprios estudos: que um maior aprofundamento nestes comentários corresponda também uma maior autoridade. Todavia, isto não é tão fácil como à primeira vista poderá julgar-se.

Escrever sobre arquitetura não é a mesma coisa que escrever história ou poesia.

2. [...] porque os vocábulos, concebidos pela própria especificidade da arte, trazem obscuridade à linguagem, por não serem de uso comum. [...] Nestas circunstâncias, brevemente exporei os difíceis termos técnicos e as proporções das partes dos edifícios, para que sejam entregues à memória.

3. Até porque, vendo a cidade ocupada com os negócios públicos e privados, julguei que deveria escrever em poucas palavras, para que os que recorrem a este tratado, pudessem rapidamente consultá-lo no pouco tempo livre que dispõem (VITRÚVIO, 2009, p. 175, grifo nosso).

Embora justifique que um dos maiores objetivos do seu tratado Da Arquitetura seja a contribuição técnica sobre construção e urbanismo, ordenando o corpus da disciplina de forma equilibrada e pragmática, nos Preâmbulos, o autor aproxima o leitor de sutilezas literárias que, de tão sublimes, causam prazer.

Recorrendo-se aos conceitos filosóficos a fim de ampliarmos as significações do termo virtude, é sabido que Sócrates teve como discípulo Platão, responsável por eternizar a defesa do Mestre em seu julgamento na obra Apologia de Sócrates. Mas foi em República, que Platão apresentou Sócrates formulando perguntas a respeito da virtude e de que maneira poderíamos reconhecer, por meio da razão, a forma correta ou perfeita  qualidades universais  de qualquer coisa.

Beleza. Esta questão remete a uma forma ideal, aplicada tanto a conceitos morais quanto a objetos

físicos. Indo além do conhecimento, Platão aproxima virtude da condição de beleza.

Por exemplo, ao abordar a base da estrutura dos edifícios da antiguidade, a coluna, de onde deriva todo o sistema de proporções, Vitrúvio descreve o gênero coríntio usando uma narrativa poética. Além combinar virtude com conhecimento e beleza, são referidas, no mesmo parágrafo, tradição e experiência – esta última, no rol das virtudes pertinentes, será apresentada a seguir [DA L IV; I-9 e 10]:

9. Recorda-se que a primeira feitura do capitel desta ordem aconteceu da seguinte maneira: uma jovem cidadã de Corinto, já em idade núbil, atingida por doença, morreu. Depois de sepultada, a sua ama recolheu e dispôs num cátalo, aqueles bibelôs com as quais a jovem se comprazia enquanto viva, levou-os ao sepulcro e colocou-os em cima dele, cobrindo-os com uma tégula, para que pudessem permanecer muito tempo ao ar livre. Casualmente, este cátalo fora colocado sobre uma raiz de acanto. Entretanto, por altura da primavera, esta raiz, que se encontrava comprimida pelo peso do cesto centrado sobre ela, estendeu as suas folhas e caulículos em volta, que cresceram pelos lados do cesto e produziram curvaturas na direcção das extremidades dos ângulos da tégula, sendo obrigados, pelo peso desta, a enrolar-se em voluta.

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