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Cabe-nos resgatar as definições de excelência e excepcionalidade, facultadas neste capítulo Retomando a sugestão de Summerson, ao entender academicamente o que significa ‘valor de excelência’ na moderna arquitetura brasileira, será possível compreender também

Livro VII. Dos acabamentos para os edifícios privados.

34 Cabe-nos resgatar as definições de excelência e excepcionalidade, facultadas neste capítulo Retomando a sugestão de Summerson, ao entender academicamente o que significa ‘valor de excelência’ na moderna arquitetura brasileira, será possível compreender também

o emprego do termo ‘excepcional valor’, expresso no DL Nº 25/37. Segundo o vocabulário da língua portuguesa, excepcional, enquanto diferente e incomum, não é sinônimo de excelência. Entretanto, quando excepcional se refere à qualidade do que é superior, neste caso, está correto afirmar que é sinônimo de excelente. Vergílio António Ferreira (1916-1996), escritor português, observa: “O que é difícil não é demonstrar que uma obra de arte é excepcional. O que é difícil é ela sê-lo”.

tradição colonial – pela funcionalidade e singeleza –, sistematizou o novo programa de ensino da ENBA, num esforço de chamar os estudos superiores à razão:

Os clássicos serão estudados como disciplina; os estilos históricos como orientação crítica e não para aplicação direta. Acho indispensável que nossos

arquitetos deixem a escola conhecendo perfeitamente a nossa arquitetura da época colonial – não com o intuito da transposição ridícula dos seus motivos [...], mas de aprender as boas lições que ela nos dá de simplicidade, perfeita adaptação ao meio e

à função, e consequentemente beleza (COSTA, 1995, p. 68, grifo nosso).

Segundo Mindlin, “a reforma de Lucio Costa, na verdade não saiu do papel. [...] seguiu-se de uma greve que durou seis meses e que ao retornar às aulas, os estudantes tinham obtido uma vitória contra o academicismo e em favor do progresso nas artes” (MINDLIN, 1999, p. 26). A greve repercutiu em razão do apoio de ninguém menos que Frank Lloyd Wright, em viagem pelo Brasil.

Entretanto, só a ascendência à tradição já demonstrava que não havia razões para menosprezar o ensino da nova arquitetura no decurso de sua consolidação. Todavia, pelo desconhecimento da existência de seus princípios fundamentais e pela depreciação de sua finalidade, rotulou-se: “Moderno quer dizer livre. [...] moderno não é estilo! [...] Se uma arquitetura for livre, se ela não estiver obedecendo a uma regra ou tratado, ela é moderna” (CAMPOFIORITO, 2012, p. 29-30).

Sabendo-se da identificação com a tradição clássica, e portanto, com suas regras e tratados, a sentença não passa de perjúrio. Aliás, desqualificar o novo, só expõe o temor do abandono do neocolonial e sua substituição pelo moderno, como estilo nacional e acadêmico. Como era de se esperar, Lucio Costa foi afastado da direção da escola.

Passados alguns anos, o médico, escritor, crítico de arte e arquitetura, diretor destituído da ENBA, José Mariano Carneiro da Cunha Filho, pivô dos ataques à produção moderna e seus autores, publicou um de seus desagravos no jornal a Gazeta de São Paulo, relatando sobre a Exposição de Edifícios Públicos, evento promovido pelo Departamento Admistrativo do Serviço Público (DSP), realizado no segundo semestre do mesmo ano, nos salões do Ministério da Educação e Saúde (MES) – que já estava pronto mas não inaugurado. Segundo Hugo Segawa, Mariano Filho esbravejou:

A impressão geral colhida pelos visitantes é que os ediícios públicos recém-construídos

não obedecem a determinado estilo, o que prova que hoje, como ontem, a nação

ainda não se deu ao trabalho de definir suas simpatias por esta ou aquela expressão arquitetônica. Assim, ao lado do estapafúrdio edifício do Ministério da Educação, montado sobre estacas de cimento revestidos de aduelas de pedra polida, vê-se o edifício do Ministério da Fazenda, também de estrutura metálica mas cujo pórtico é copiado do Partenon. [...] Ora, se é a esse conjunto heterogênio de composições

arquitetônicas que se dá o rótulo de “estilo estatal”, havemos de reconhecer que não se lhe podem definir características fundamentais e específicas. As palavras

“estilo” para nós outros significa uma norma, um sistema, um código de expressões plásticas e aquilo que se convencionou chamar de “arquitetura estatal” é uma espécie de feira arquitetônica, ou mostruário de estilos díspares, que luta desesperadamente entre si, procurando cada qual abrir caminho para se colocar diante dos outros (PESSÔA, 2006, p. 94-95, grifo nosso).

Em parte, Mariano Filho tinha razão. Bem diferente do Salão de 3135, onde foram convocados os artistas paulistas da Semana de 22, fundamentais para abertura e atualização do ensino das Belas Artes, a exposição referida, de propósito governista, só colocou em evidência a incapacidade da Era Vargas em articular o padrão moderno de governo pretendido, inclusive, através de sua arquitetura oficial, o que seria visivelmente oportuno.

Segundo Segre: “[...] nunca se produziu um documento oficial estabelecendo os parâmetros obrigatórios de uma arquitetura de Estado (SEGRE, 2013, p. 105). No reverso do lógico, para um Estado que se queria novo, enquanto variavam as demandas arquitetônicas, variavam na mesma intensidade os estilos, fragilizando a hegemonia e a unidade pretensa e, sobretudo, induzindo à críticas desproporcionais e despropositadas.

Em vista disso, quanto ao ataque público ao edifício do Ministério da Educação e Saúde, a resposta surpreendia, senão a Mariano Filho e seus seguidores, à crítica especializada: seja pela persistência canônica e teoria consagrada – cujos aportes eram a garantia contra o arbitrário; seja pela contribuição disciplinar ou, simplesmente, pela consistência da obra já construída. Pelo sim ou pelo não, o fato é que, mesmo ainda não sendo uma unanimidade, a vinculação da nova arquitetura e dos modernos com o governo central, favoreceu a ocorrência de alguns milagres: no ensino, na produção, na consolidação e na preservação da nova arquitetura que principiava.

O financiamento do Estado, que propiciou a vinda de Le Corbusier como consultor do edifício do MES e da cidade universitária, é um destes milagres. A arquitetura fazendo parte das questões sociais, econômicas e políticas já esteve assinalada no tratado vitruviano através do mecenatismo, uma vez que o conceito está diretamente ligado ao prestígio de quem constrói (MACIEL, 2009).

As Razões da Nova Arquitetura. Mesmo antes de estar documentada a história do MES, Lucio Costa escrevia seu proficiente manifesto: “transcrevo este longo texto como um documento de época que revela o clima de ‘guerra santa’ profissional que marcou aqui o início da revolução arquitetônica” (COSTA, 1995, p. 108).

Revolução que só seria possível ao vencer a inveja com a glória. Talvez tenha sido esta a suprema lição da nova arquitetura. A menção que Alberti fez da razão de Demóstenes reverberou, séculos depois, através de Lucio Costa, em Razões da Nova Arquitetura (1934), fundamental ensaio sobre a nova arquitetura moderna brasileira:

Ela caracteriza-se, aos olhos do leigo, pelo aspecto industrial e ausência de ornamentação. É nessa uniformidade que se esconde, com efeito, a sua grande

força e beleza: casas de moradia, palácios, fábricas, apesar das diferenças e

particularidades de cada um, têm entre si um certo ar de parentesco, de família que – conquanto possa aborrecer aquele gosto (quase mania) de variedade a que se acostumou o ecletismo diletante do século passado – é um sintoma inequívoco de vitalidade e vigor, a maior prova de não estarmos diante de experiências caprichosas e inconsistentes como aquela que a precederam, porém, de um todo orgânico,

subordinado a uma disciplina, um ritmo – diante de um verdadeiro estilo enfim, no melhor sentido da palavra (COSTA, 1995, p. 114, grifo nosso).

Como antecipa o título do ensaio, as múltiplas razões deslindadas no longo texto, sem ilustrações – a exemplo dos tratados –, escrito para o curso de pós-graduação do Instituto de Artes da Universidade

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