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Então Calímaco, que devido à elegância e a subtileza de sua arte de trabalhar o

Livro VII. Dos acabamentos para os edifícios privados.

10. Então Calímaco, que devido à elegância e a subtileza de sua arte de trabalhar o

mármore tinha recebido dos Atenienses o nome de Katatechnos, passando perto deste

túmulo e reparando neste cesto e na delicadeza viçosa das folhas em sua volta,

deleitado com o estilo e originalidade da forma, fez em Corinto colunas segundo este modelo e estabeleceu o sistema de medidas. Partindo daí para as aplicações

nos edifícios, estabeleceu os princípios da ordem coríntia (VITRÚVIO, 2009, p. 144, grifo nosso).

Nesta relação de causa e efeito, mesmo se tratando de uma inspiração ocasional, é ressalvada a importância dos referenciais (traditio) e da prática através da observação (per experimentum). O belo a partir do invulgar influenciou o papel ativo do intérprete Calímaco, reforçando a tese de que a arquitetura nasce da teoria (ratiocinatio) e da prática (fabrica). Contudo, para que o nível de excelência

seja alcançado, é necessária, ainda, uma interpretação transcendente, uma superinterpretação9. Explicando o termo a partir do fato, neste contexto, não havia uma coerência clara entre a circunstância e os detalhes complementares, requerendo do artista, além do uso distinto dado à interpretação, assimilação, transformação e materialização.

A superinterpretação também funciona para usos análogos. Veja o clássico exemplo da cúpula para a nova Catedral de Santa Maria Del Fiore. Filippo Brunelleschi, sabedor do concurso para conclusão da Catedral de Florença (projetada, ao final do séc. XIII, por Arnolfo di Cambio), e após ter perseverado por um longo período estudando as ruínas romanas, retorna à sua cidade natal e desenvolve uma proposta inspirada na rotunda do Panteão Romano para a cúpula da catedral.

Este edifício, que por treze séculos escapou da pilhagem ao converter-se na Igreja Santa Maria Della Rotonda, tinha a maior cúpula já construída: 43,4m de vão livre. Era constituída por uma abóbada hemisférica de concreto, formada por arcos e anéis superpostos de espessura mínima de 1,2m no ponto mais alto, onde se abriu um óculo de 9,1m de diâmetro. A partir do cume, a envolvente vai se tornando cada vez mais espessa e escalonada, à medida que o domo se aproxima da base, atingindo 6,4m, exatamente a mesma espessura do tambor, que sustenta 5.000 toneladas de concreto, peso aproximado da cúpula (ROTH, 1999).

Neste caso, foi a superinterpretação de um precedente histórico (traditio) que revelou a Brunelleschi a prova técnica necessária de que era possível cobrir, sem escoras, o grande vão 42,2m do cruzeiro da igreja inconclusa, com uma cúpula nervurada, pontiaguda e oca. Ao reconhecer naquele precedente a solução correta, o arquiteto florentino alcançou a forma ideal para o problema que precisava resolver  sua obra prima , ganhou o concurso e notabilizou-se.

Experiência. Dando continuação ao tema, se Sócrates associa virtude a conhecimento e se Platão a

percebe como existência de qualidades universais, como acabamos de ver, para Aristóteles, aprende- se a virtude pela experiência. Para seu argumento ético, o filósofo faz uma distinção crucial entre as virtudes morais e intelectuais: “basicamente, podemos dizer que as primeiras originam-se de nossas ações, enquanto as segundas podem ser aprendidas ou ensinadas” (ARISTÓTELES, 2015, p. 9-10). É de Tomás de Aquino a ideia sobre virtude intelectual que origina-se e desenvolve-se com experiência e com tempo. A experiência, por sua vez, é memória acumulada (VEIGA, 2017).

Também no tratado vitruviano a experiência está associada à tradição e à origem. Como visto na relação de origem entre o Panteão e a Cúpula de Florença, a acumulação e o diálogo de experiências cujo referencial é pioneiro indicam sua valorização no exercício de novas capacidades, a fim de atingir melhores resultados: “[...] passando, dos juízos vagos e incertos à certa racionalidade das comensurabilidades” (VITRÚVIO, 2009, p.73). E desenvolve [DA L II, I-2]:

9 Embora emprestado de Umberto Eco, o termo superinterpretação, na tese, não corresponde à uma interpretação equivocada; mas uma interpretação transcendente, conveniente, acertada e indiscutível, calcada na prática a partir da observação.

2. Tendo pois assim nascido, devido à descoberta do fogo, o encontro, a reunião e a sociedade entre os homens, [...] começaram uns nesse ajuntamento a construir habitações cobertas de folhagens, outros a escavar cavernas sob os montes, e alguns, imitando os ninhos de andorinha e o seu modo de construir, a fazer moradas com lama e pequenos ramos para onde pudessem ir. Observando então as habitações alheias

e juntando coisas novas aos seus projectos, cada dia melhoravam a forma das choupanas (VITRÚVIO, 2009, p. 71, grifo nosso).

Com efeito, Vitrúvio dá conta da simples observação das práticas construtivas precedentes, seu aperfeiçoamento e transmissão, ao mencionar: “Também a choupana de Rómulo do Capitólio e as cobertas dos templos com colunas na parte mais alta da cidade podem lembrar e mostrar os costumes do passado” (VITRÚVIO, 2009, p. 73). O uso do referencial como ponto crucial para se atingir a excelência construtiva através do aperfeiçoamento, eleva o abrigo ao status de arquitetura, complementando [DA L II, I-2]:

2. É-nos, assim, possível ajuizar, mediante vestígios, das antigas criações dos edifícios, imaginando como eles eram. Como, entretanto, operando no dia-a-dia, fossem

aperfeiçoando as suas mãos no acto de edificar e, exercitando com sagacidade os seus talentos, alcançassem a prática das artes, [...] os homens passaram de uma vida selvagem e inculta à civilizada humanidade (VITRÚVIO, 2009, p. 73 grifo

nosso).

Habilmente, Vitrúvio vai recorrendo à inclusão da virtude entre as disciplinas e saberes técnicos no Da Arquitetura, como por exemplo, quando prescreve as normas de conduta de um arquiteto que poderia ser considerado virtuoso: “para que não seja arrogante, mas e sobretudo prestável, equitativo, digno de confiança e sem avareza o que é fundamental” (VITRÚVIO, 2009, p. 32).

Embora, como já mencionado, o tratado Da Arquitetura como um todo sugira um contributo mais técnico, nesta passagem ele põe virtude à termo, e faz uma deferência especial a Sócrates, em razão de sua autoridade, conhecimento e experiência [DA L III; Pr. 1]:

1. Apolo Délfico, através dos oráculos de Pítia, proclamou que Sócrates era o mais sábio de todos os homens. Diz-se que este filósofo havia afirmado, de modo hábil e sapientíssimo, que seria bom que os corações dos homens estivessem visíveis e

patentes, para que não houvesse sentimentos ocultos, podendo assim estar expostos à

observação. Oxalá que a natureza aceitasse esta sugestão de Sócrates e a tornasse possível e presente. Se com efeito, assim acontecesse, não só as virtudes e os vícios

da alma seriam examinados imediatamente, como também os dados científicos sujeitos à observação dos olhos seriam provados por juízos verdadeiros, além de

que uma autoridade egrégia e estável acompanharia entre os doutos e os sábios. Como,

porém, estas coisas não estão assim ordenadas, mas sim como a natureza

determinou, não é possível que os homens possam julgar o valor das

manifestações da arte que surgem no íntimo sob a escondida natureza dos corações. (VITRÚVIO, 2009, p. 107, grifo nosso).

O raciocínio do filósofo considera que o juízo da arte não é completamente racional. Este embaraço encontra-se nos ajuizamentos que se chamam estéticos relativos ao belo e ao sublime da natureza ou da arte. Assim, para que a subjetivação seja mínima, Vitrúvio dá relevo à virtude propriamente dita e sua justa razão, dando conta da capacidade cognitiva de ver o real e enxergar a verdade, sendo esta a principal característica da virtude intelectual prudência, a ser lida na sequência, ao complementar [DA L III, Pr. 3]:

3. E se já não nos admiramos quando a ignorância obscurece as virtudes da arte,

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