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Ou officinator, significando artista, artífice, construtor ou técnico de construção.

Livro VII. Dos acabamentos para os edifícios privados.

14 Ou officinator, significando artista, artífice, construtor ou técnico de construção.

saber, o nous (espírito, entendimento [intuitivo], intelecto). E visto que se ocupa com os princípios e conceitos mais elevados (WOLF, 2010, p. 149-150, grifo nosso).

Saber. Provém do pensamento aristotélico da mediania, a abertura dos capítulos para o tratado Da

Arquitetura. Só que, neste caso, a arquitetura ganha, segundo Vitrúvio, status de conhecimento multidisciplinar que nasce da prática ou engenho (praxe, fabrica), que é o exercício real ou experimental, e da teoria ou disciplina (ratiocinatio). A primeira provém da experiência, e a segunda, da racionalidade (fundamento epistemológico). “Na arquitetura, como nas demais áreas operativas, o fim deve guiar os meios. O fim é construir bem”. (ROTH, 1999, p. 9). Nota-se que não se trata de uma dicotomia, mas de uma questão filosófica entre o ente e o ser, ou semântica, entre o significado e o significante [DA L VI; II-4]:

4. Como, portanto, as coisas que são verdadeiras podem parecer falsas e algumas são percepcionadas pelos olhos de um modo diferente da realidade, penso que não devemos duvidar da necessidade de se fazerem cortes ou aumentos, conforme a

natureza do lugar, e de tal maneira que nada falte nestas obras. Pois elas não se fazem apenas com a teoria, mas também com a acuidade do engenho (VITRÚVIO,

2009, p. 227, grifo nosso).

Virtuosismo. Tal como esclareceu Vitrúvio ao definir o architectus [DA L I; I-3]: “Convém que ele seja

engenhoso e hábil para a disciplina; de facto, nem o engenho sem a disciplina nem esta sem aquele podem criar um artista perfeito” (VITRÚVIO 2009, p. 30-31); embora esses sejam componentes inseparáveis, é necessário saber identificar nas divisões das artes (leiam-se arquitetura, gramática, escultura, pintura, música e inclusive a medicina), a obra (opus) e a teoria (ratiocinatio).

O arquiteto... deve ser considerado muito mais que um mero projetista de edifícios, por mais elegantes, fascinantes e eficientes que estes possam ser. Seu papel mais sublime é o de ser desenhador, definidor e gravador da história do seu tempo (RASQUIN,

apud ROTH, 1999, p. 109, tradução nossa, grifo nosso).

Se a definição de virtude que se aplica à arquitetura enquanto arte está na habilidade do arquiteto em elaborar com qualidade seus edifícios para resistir à fortuna, ela se alinha com o tratado de Vitrúvio, sendo perceptível através do edifício ordenado, legível, simétrico, proporcionado, decoroso e organizado.

Interessa-nos saber então qual é a visão de virtude do teórico, erudito e humanista que gravou a história de um tempo de intensa investigação intelectual e criação artística, Leon Battista Alberti, por meio da previsão de Aristóteles [EN I; 1097a; 15-20]:

Devemos agora retornar ao bem, objeto de nossa investigação, e ao que seria ele afinal, pois ele se mostra diferente em outra ação e arte. De fato, ele é diferente na medicina, na arte da guerra e do mesmo modo nas demais artes. O que é, então, o bem em cada

uma delas? Por um lado é a saúde na medicina, a vitória para um general, uma

construção para a arte, mas em toda ação e toda escolha ele é o fim; pois é por causa dele que perfazem todas as coisas restantes. Por consequência, se existe algo que é o fim de todas as coisas feitas pelo homem, este seria o bem prático, e se existem

Bem prático. Alberti abre seu Tratado assim [DAE 6º; Pr]: “Legaram-nos os nossos antepassados muitos e variados saberes procurados com diligência e empenho, os quais contribuem para que a

vida seja vivida de uma forma agradável e feliz” (ALBERTI, 2011, p. 137, grifo nosso).

A experiência, conhecimento adquirido com a prática, é a tônica em Da Arte Edificatória, e sua finalidade está em construir bem, melhorando o mundo para a espécie humana, uma virtude, tal como disse Alvar Aalto:

[...] a arquitetura não é como uma ciência exata. Segue sendo o mesmo grandioso processo sintético de combinar milhares de funções humanas definidas. Sua finalidade segue sendo a de harmonizar o mundo material com a vida humana. Humanizar a arquitetura equivale a fazer melhor a arquitetura [...] (ROTH, 1999, p. 529, tradução nossa).

“Edificar a partir de uma razão cívica, prudente e voltada para a permanência e para o bene beateque vivendum15 é um modo de conferir ao ser humano um instrumento para a virtù combater bem a fortuna”.

(BRANDÃO et al., 2013, p. 17, grifo e nota nossa). Repetidamente, no tratado Da Arte Edificatória [DAE], vê-se que algumas destas razões, séculos depois, sustentam a intenção de Leon Battista Alberti, que não era a de introduzir um saber original, mas a de tornar público e instruir sobre um conjunto de conhecimentos eminentemente reflexivos, comparativos e preexistentes acerca do edificar para a humanidade [DAE L 6º; III]:

Com efeito, tendo a arte edificatória encontrado acolhimento em Itália desde os tempos antigos, sobretudo entre os Etruscos, dos quais, além de maravilhas do labirinto e dos túmulos dos reis, que se lêem nos livros, nos restam os preceitos de que se servia a antiga Etrúria, transmitidos por escrito, antiquíssimos e inexcedíveis, sobre a construção dos templos; tendo, repito, encontrado acolhimento em Itália desde os tempos antigos e tendo compreendido que era desejada com tal veemência, viu-se esta arte empenhar-se com todas as suas forças em tornar o império do mundo, que todas as demais virtudes embelezavam ainda muito mais admirável com os seus ornamentos. Por isso ofereceu-

se para ser conhecida e utilizada, considerando indigno que a cidadela do mundo e

esplendor dos povos fosse igualada, em glória de construções, por aqueles que superava em todo o tipo de louvor merecido pela virtude (ALBERTI, 2011, p. 382, grifo nosso).

Humanismo. A intensa leitura dos escritos clássicos caracterizou um período cuja orientação estava

baseada na natureza humana, o humanismo, ambição intelectual com que o projeto albertiano flertava: “Humanismo era uma filosofia que ressaltava a importância dos valores e realizações humanas, distinguindo-as das doutrinas religiosas. O humanismo colocava em relevo a investigação objetiva à luz da razão humana” (ROTH, 1999, p. 344, tradução nossa).

Foi neste mesmo contexto que o tratado Da Arquitetura estava sendo posto à prova, a partir da redescoberta de um manuscrito de Vitrúvio, por Poggio Bracciolini e Cencio Rustici [1414-16]. O Tratado de Vitrúvio é um dos muitos escritos latinos que sobreviveram em razão do acervo do scriptoria, Palácio de Carlos Magno, no século IX. O interesse pela arte, filosofia e arquitetura da Antiguidade contribuiu para a procura dos textos originais em latim ou grego, sua interpretação, tradução em diversas línguas europeias, edição e divulgação. O humanismo oportunizou o renascimento do tratado vitruviano.

15 Significando “vida boa e feliz”.

Sobre este período, celebrado como Renascimento, Pierre Caye faz uma reflexão instigante sobre a arquitetura humanista, inerente à conservação de monumentos; considerou a técnica (disegno) uma aliada da arquitetura, por sua propriedade de traçar os lineamenta – construir o tempo por antecipação, nos mínimos detalhes, a partir da racionalidade da técnica; não para dominar o que está porvir, mas, mediante a delimitação espaço-temporal do mundo, efetivar o prolongamento do presente:

Não se trata de previdência, de domínio do porvir, de configuração do destino, mas simplesmente a capacidade de efetivar, através da delimitação espaço-temporal do mundo pela arquitetura, a dilatatio do tempo, o prolongamento do presente da duração, que se opõe ao que Sêneca chama de dilatatio do tempo ao tempo da agitação, da fuga do instante, o tempo dos atos sem amanhã, do prazo curto, do prazer consumista, ou ainda da contabilidade trimestral das empresas: tempo que não se permite o tempo de construir, mas simplesmente de explorar e destruir com a única finalidade de obter resultados imediatos (CAYE apud BRANDÃO et al., 2013, p. 78).

Virtù et Fortuna. Leon Battista Alberti [Gênova, 1404. Roma, 1472] foi, pois, um destes arquitetos

humanistas. Também deu ênfase à função de abrigo e proteção que a arquitetura oferece ao tempo, contribuindo para sua constituição e prolongamento. O prolongamento do tempo, sua presentificação, faculta à arquitetura uma existência atemporal, fazendo frente à fragilidade e fugacidade da existência humana. Antes de escrever a trilogia De Pictura [1435], De Re Aedificatória [1443-1452, impresso em 1485] e De Statua [1462], Alberti redigiu o tratado Della Famiglia [1433], momento em que reafirma um dos seus conceitos fundamentais: o exercício contínuo da virtude (virtus) e da razão (ratio), capaz de contrariar a ação imprevisível do destino (fortuna).

Conservar. A fim de minimizar os efeitos da fortuna sobre a fragilidade do ser humano, é que Alberti

estabelece a idiossincrasia do tratado Da Arte Edificatória, escrito em Roma no papado de Nicolau V: suprir as necessidades primárias do homem de proteção e segurança e encaminhar-se para uma eternidade que a vida individual não têm. “Nicolau era o humanista que se propunha uma restauratio capaz de fazer com que a Roma cristã ressurgisse das ruínas da Roma antiga” (ARGAN, 1998, p. 117).

Fortuna. Apesar desta mudança de paradigma, Alberti reconhecia que as construções também eram

suscetíveis ao ataque do tempo, das intempéries e do próprio homem. “Mais do que servir como defesa diante de nossa fragilidade, o edificar se faz arte diante de nossa natureza trágica” (BRANDÃO et al., 2013, p. 341). Nossa natureza trágica, nossa finitude, predispõe-nos a destruir tudo em favor de uma mania compulsiva de construir – o vício, oposição à virtude; portanto, sem limites e sem prudência [DAE L 9º, IX]:

Por conseguinte, um arquitecto prudente procederá da forma seguinte. Depois de se preparar, dará início à obra com diligência: informar-se-á das propriedades e natureza do terreno onde vai situar o edifício; e aprenderá pelos velhos edifícios e pelos usos

e costumes dos habitantes, o que é que, naquele clima em que deve edificar, valem

contra as intempéries a pedra, a areia, a cal, a madeira da região ou mesmo a importada de outros lugares (ALBERTI, 2011, p. 613, grifo nosso).

Cabe aqui mais uma comparação sobre o emprego da virtude cardeal prudência nos dois tratados estudados. Vitrúvio associa prudência ao princípio aristotélico de inteligência, com base em realidades circunstanciais, tendo em vista uma decisão de ação, ou deliberação. Já para Alberti, além da atenção dada ao contexto histórico e espacial e à conservação dos edifícios úteis ao bene beateque vivendum que nos foram deixados pelos antepassados, a prudência está relacionada à reflexão sobre a libide

aedificandi, ou mania de construir que, segundo Brandão, está dominada: “[...] pelo interesse particular, a desarticulação em relação ao contexto, a fragmentação e a sedução pelo espetacular” (ALBERTI, 2011, p. 8). Brandão, complementa:

Construir não é ato solitário de um gênio inspirado, mas uma interpelação e ragionare contínuos, desde a pretensão de edificar-se algo até a avaliação posterior da obra. O processo de projeto tem, por exemplo, a função primordial de construir relações entre homens e saberes em torno do objeto a ser construído, e não apenas desenhar este objeto (BRANDÃO et al., 2013, p. 343).

Daí a importância de desenredar um pouco mais o conteúdo dos Tratados frente ao assunto estudado, destacando-se, inclusive, o posicionamento nem sempre igual dos tratadistas em relação a quem se destina a leitura de seus tratados e ao modo como abordam o mesmo tema. Segundo Brandão:

Vitrúvio dirige-se a um imperador ao qual dedica a obra. Alberti se dirige a um leitor anônimo e universal. [...] Vitrúvio dirige-se para o passado, relata uma experiência arquitetônica já constituída e a qual descreve de forma aleatória e descontínua. Alberti

ao contrário, dirige-se para frente (BRANDÃO, 2000, p. 86, grifo nosso).

Anônimo, universal, e atualizado segundo Krüger: “Considerações como essas fazem De Re Aedificatória – se lido com atenção e com um olho situado no presente, tal como fizera Alberti ao ler Vitrúvio – a melhor pauta crítica para a produção arquitetônica e urbanística contemporânea” (ALBERTI, 2011, p. 8), ratificando que suas prescrições são ainda válidas [DAE L 9º; X]:

Em relação à arte edificatória, o primeiro de todos os méritos é ajuizar bem o que é conveniente. Com efeito, edificar é próprio da necessidade; edificar para haver comodidade derivou tanto da necessidade como da utilidade; mas edificar de modo que os amigos da sumptuosidade aprovem e os da sobriedade não rejeitem não procederá senão da perícia de um artífice douto, reflectido e muito ponderado (ALBERTI, 2011, p. 616).

Autoridade. Essa passagem corrobora com a argumentação de Calovi Pereira, sobre a necessidade

de construir convenientemente: “Alberti afirma que a satisfação dos requerimentos funcionais é desejável e necessária, mas insuficiente como objetivo supremo da arquitetura. Este objetivo relaciona- se com “receber o louvor dos homens de glória, o que implica na satisfação de padrões críticos por parte de apreciadores qualificados” (PEREIRA, 2000, p. 2). A escrita albertiana também se torna interessante porque indica que o autor se pôs a investigar não somente o objetivo arquitetura  mas o seu sentido, especialmente o sentido de seus monumentos, que não tem um fim em si mesmos, mas são capazes de contribuir para a construção de uma vida melhor16, da memória:

Alberti descreve, traduz em palavras, dá uma versão literária dos monumentos, preocupa-se sobretudo, com os significados que eles transmitem e não tem em mente apenas os monumentos ou as soluções específicas de construção dentro desses, mas a cidade como forma expressiva de um conteúdo histórico que assume, para os modernos, valor de ideologia (ARGAN, 1998, p. 118, grifo nosso).

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