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10 ESTUDO 2: RESULTADOS E DISCUSSÕES

10.1 Fase 1 Associação Livre

10.1.3 Aluno deficiente

TABELA 11: Aluno deficiente na perspectiva dos alunos, em função da freqüência e ordem média de evocação (N=39).

ORDEM MÉDIA DE EVOCAÇÃO

Inferior a 4,0 Superior ou igual a 4,0

>=7 25- Visual 11- Auditivo 10- Mudo 09- Cadeira de Rodas 09- Membro quebrado 2,64 3,38 2,20 2,00 3,22 21- Partes do corpo 15- Brincar

09- O quê não faz 08- Vestuário 6,33 4,67 5,00 4,50 F R E Q Ü Ê N C I A <7 >=3 05- Estudar 05- Problemas 04- Ajudado 04- Tarefa 03- Nomes 03- Muleta 03- Aleijado 03- Amigo 03- Conversar 2,20 3,00 2,75 3,50 3,00 3,00 3,33 3,67 3,67

06- Sem algum membro 04- Não saber 04- Óculos 03- Família 03- Bengala 4,00 4,25 4,50 4,00 3,00

Nota: Nº total de evocações = 232; Nº total de palavras diferentes = 80

O aluno com deficiência é caracterizado, na associação livre, com foco principalmente na deficiência em si. A noção de aluno se torna bastante secundária diante do termo

deficiente. Isto pode ser observado através da análise dos possíveis elementos nucleares da estrutura, posto que todos eles remetem a algum tipo de deficiência.

A palavra cadeira-de-rodas (f=9, ome=2,00) pode ser considerada um ícone, um símbolo da deficiência, posto que a representa. É uma marca que pode ser encontrada numa variedade de situações, como estacionamento, filas de banco e mercados, além de ser algo que concretiza a imagem da pessoa com deficiência servindo para distingui-la entre as demais. As demais palavras encontradas neste quadrante referem-se a algum tipo de deficiência: visual (f=26, ome=2,64), mudo (f=10, ome=2,20), surdo (f=11, ome=3,38), membro quebrado (f=9, ome=3,22). O termo visual abrange uma variedade de termos relativos à deficiência visual, (cego, não-enxerga, baixa-visão, visual) e é a expressão mais evocada. Isto se deve ao fato de ser a deficiência possuída por dois alunos da turma da maioria dos sujeitos, ou seja, é aquela deficiência com a qual as crianças têm mais contato. Outro tipo de deficiência bastante referido é a surdez (surdo, falta audição), seguida da mudez (mudo, não fala), as quais também são possuídas por crianças da outra turma abordada.

Um dado interessante é que o termo membro-quebrado (braço quebrado, perna quebrada) também surge como um dos tipos de deficiência mais lembrados. As crianças incluem este estado passageiro como uma deficiência, o que nos indica como este conceito pode ser mais amplo para as crianças do que para os adultos. Parece que o termo passa a incluir qualquer estado que, mesmo momentaneamente, impeça a pessoa de executar suas atividades da mesma forma que as demais pessoas ou que ela mesma em outros momentos, ou ainda que as diferencie fisicamente das demais, como acontece no uso do gesso. Isto seria um indício de que o grupo compartilha representações próprias a respeito do objeto pesquisado, posto que se observam os processos por meio dos quais as crianças reconstroem as informações recebidas a partir de alguns de seus valores e conhecimentos prévios atribuindo novos sentidos a esta informação.

Os prováveis elementos nucleares são, então, marcadamente descritivos e servem a uma definição do que é uma pessoa com deficiência, em qualquer situação e não remete em momento algum à noção de aluno. Alguns dos primeiros elementos periféricos também parecem descrever concretamente a imagem da pessoa com deficiência por meio dos termos evocados nas demais associações estudadas, como as roupas (f=8, ome=4,50) (blusa, short, sapato, farda) e as partes do corpo (f=21, ome=6,33) (dedo, mão, olhos, orelhas, perna, braço, boca, bochecha, cabelo). Neste caso, além de descreverem a imagem do aluno com deficiência, as partes do corpo também podem estar a serviço de descrever algum tipo de deficiência, como deficiente da mão, ou dos olhos. No entanto, como este foi um tipo de

conteúdo freqüente também no que se refere a aluno e colega, acredita-se que sua evocação possa ser explicada pelo mesmo mecanismo.

Já as outras expressões encontradas neste mesmo quadrante parecem referir-se à relação com a criança com deficiência e o que se deduz a respeito delas nesse contato. Isto se configura principalmente pela expressão brincar (f=15, ome=4,67) (esconde-esconde, futebol, pega, pintar, brinca direito), a qual denota uma das atividades que os alunos realizam na escola e que, devido a seu lugar na estrutura, parece ser a principal desenvolvida pelo aluno com deficiência no contexto escolar, ao passo que o estudo é a principal atividade que caracteriza os demais alunos. Ainda no mesmo quadrante encontra-se a expressão o quê não faz (f=9, ome=5,00), a qual se refere a uma porção de nãos que são vinculados à pessoa com deficiência e evidencia que estas também são pensadas pelas crianças em termos de suas limitações e daquilo que não conseguem realizar (não brinca, não escreve, não ler, não passeia, não trabalha, não faz tarefa).

O próximo quadrante parece seguir o mesmo padrão do anterior, entretanto possui maior aproximação com a representação do aluno em geral. Estudar (f=5, ome=2,20) é uma das expressões encontradas e que é nuclear na estrutura de aluno. Além desta atividade, o aluno com deficiência também faz tarefa (f=4, ome=3,50) e conversa (f=3, ome=3,67), posto que ele também é amigo (f=3 ome=3,67) e por isso ele é, ou deve ser, ajudado (f=4, ome=2,75). Estes aspectos parecem se fundamentar na convivência com o colega com deficiência no cotidiano escolar. Esta hipótese é fortalecida pelas referências, ainda neste quadrante, aos nomes (f=3, ome=3,00) dos colegas de turma com deficiência.

Apresentando a noção da deficiência como algo negativo, um obstáculo de difícil transposição tem-se a expressão problema (f=5, ome=3,00) para designar diferentes tipos deficiência (problema na língua, problema na vista, problema na perna, problema no corpo todo, e com problemas). Consta também, neste mesmo quadrante, outro tipo de deficiência menos comum na escola em questão, aleijado (f=3, ome=3,33) e o objeto ícone deste tipo de deficiência, a muleta (f=3, ome=3,00).

Dentre os últimos elementos periféricos, encontra-se mais um tipo de deficiência, sem algum membro (f=6, ome=4,00) (cotó, não tem braço, não tem perna, braço cortado) e dois objetos que concretizam e servem para distinguir a deficiência visual, presente dentre os elementos nucleares, os óculos (f=4, ome=4,50) e a bengala (f=3, ome=3,00).

Além destas expressões, também se encontra o não-saber (f=4, ome=4,25) (não entende, não sabe das coisas, não sabe o que faz, não sabe o caminho, não sabe ir ao banheiro). Mais uma vez vê-se o aluno com deficiência é referido pela negatividade, desta

vez, a cognitiva. É interessante notar que apenas um dos sujeitos que fizeram referência a esse não saber teve contato com um aluno com deficiência mental em algum momento da vida escolar, então parece que os alunos associam o não-saber às deficiências em geral.

Por fim, a última expressão encontrada na estrutura é família (f=3, ome=4,00), que engloba avó e avô. Esta pode ter aparecido devido ao fato destes avós serem considerados deficientes, ou deles acompanharem freqüentemente os alunos com deficiência, sendo, portanto, associados a eles.

O foco na deficiência em si é, então, evidente, tanto que a noção de aluno deficiente se objetiva fundamentalmente nos diferentes tipos de deficiência visíveis no corpo e em objetos icônicos que, além de compor a imagem, servem para distinguir a pessoa com deficiência entre as demais, como a cadeira de rodas, óculos e bengala. Outro aspecto enfatizado é aquilo que não conseguem fazer ou o que não sabem.

No que se refere às relações evocadas, estas são apenas periféricas se resumem a amigo e família, ficando o professor de fora da estrutura referente ao aluno com deficiência, a qual é mais semelhante à de colega do que propriamente de aluno, posto que o aluno com deficiência é visto como um amigo que deve ser ajudado, mas que também brinca, conversa e estuda. Salta aos olhos a reduzida atenção dada ao termo aluno, o que demonstra que a ênfase não recai no papel que as crianças exercem na escola. Pode-se, então, dizer que a criança deixa de ser aluno para ser apenas alguém com deficiência. Isto se torna claro na medida em que as crianças priorizam o termo brincar em detrimento ao estudar, o oposto do que acontece quando se pensa nos alunos sem deficiência. Outro dado que evidencia a pouca importância dada à noção de aluno é que após as crianças responderem a associação a respeito do termo aluno deficiente, quando se sugeria a expressão colega deficiente a grande maioria delas, por negligenciarem o termo aluno quando este se encontra acompanhado do significante deficiente, afirmava que eu já havia perguntado essa palavra.

Este aspecto evidencia um mecanismo comumente observado nos estudos sobre a representação da alteridade. A ênfase recai justamente naquilo que marca a diferença, o que se destaca é o ponto em que o outro se diferencia do eu, o que o distingue e que serve de justificativa para mantê-lo num lugar de inferioridade, como o destaque naquilo que eles não sabem ou não fazem. Este destaque evitaria a confusão entre o eu e o outro, o que acarretaria a perda de prestígio para o grupo. Por isso, os sentidos que aproximam a criança com deficiência, tornando-a passível de ser membro do grupo, surgem apenas perifericamente.