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10 ESTUDO 2: RESULTADOS E DISCUSSÕES

10.1 Fase 1 Associação Livre

10.3.5 Como é ter um colega com deficiência na turma?

Não são apenas as crianças com deficiência mental que são vistas como um empecilho para a tranqüilidade das aulas. Alguns alunos com outros tipos de deficiência também são tidos como aqueles que atrapalham devido ao seu comportamento inadequado. As crianças, então, se engajam em contar as traquinagens e faltas de educação de um destes colegas:

MAS TU ACHA QUE ELE É MAL EDUCADO POR QUE ELE É DEFICIENTE?... TEM A VER COM ELE SER DEFICIENTE? Eu acho que sim, porque ele tem raiva de ser deficiente.

Apesar de que ele fica pegando as coisas das pessoas, ele diz eu sou ladrão e vou pegar, ai ele fica pegando as coisas dos outros. -MAS ELE FAZ ISSO POR QUE ELE É DEFICIENTE, OU NÃO? -Eu acho.

É interessante notar que muitas vezes a causa deste tipo de comportamento é atribuída à deficiência possuída, mesmo que não possua relação direta com a mesma. No entanto, este posicionamento não é unânime. Quando questionados, outros alunos concordam que qualquer criança pode se comportar mal, independente de ter uma deficiência, mas estes mesmos alunos não deixam de afirmar que X ou Y tem determinada deficiência antes de contar várias histórias sobre seus comportamentos inadequados. Desta forma, eles acabam associando estes comportamentos à deficiência, mesmo que de forma indireta. Há, ainda, quem construa o discurso contrário, afirmando que o fato da pessoa ter deficiência a torna menos passível de se comportar mal.

O QUE É QUE TU ACHA, QUE OS MENINOS QUE SÃO DEFICIENTES ELE APRONTAM MAIS PORQUE SÃO DEFICIENTES, OU NÃO, QUALQUER CRIANÇA PODE APRONTAR DO MESMO JEITO? -Qualquer criança. Porque minha irmã mesmo, tem vezes que eu tô com ela ai ela fica aperreando.

...OU VOCÊS ACHAM QUE QUALQUER MENINO PODERIA FAZER ISSO? Qualquer menino poderia fazer isso. Depende da educação da mãe, é o comportamento dele. Como esse menino, se a mãe desse uma educação melhor ele não ia fazer essas coisas, ele ia ser mais correto.

QUALQUER MENINO PODERIA FALAR, OU UM MENINO DEFICIENTE FALA MAIS, QUEBRA MAIS AS COISAS DO QUE UM QUE NÃO TEM DEFICIÊNCIA? -Eu acho que não, falar palavrão, não fala não. Eu acho que tem uns meninos por ai assim, uns meninos que são normal. Ai já o doente mental, ele é um pouquinho de nada cego, ai aquele menino, ele fica sem escutar as histórias. Ai ele

fala palavrão, dá chute, vai para o lado do mau. Já o doente não, o doente eu acho que ele se torna uma melhor pessoa.

Neste último discurso, o qual é um tanto confuso, a criança parece defender a idéia de que o fato de uma pessoa com deficiência não ver ou não ouvir impede que ela se relacione com pessoas erradas, escute histórias ou palavrões, ou assista comportamentos inadequados, evitando que ela os reproduza e, desta forma, ela se torna uma pessoa melhor. Além deste aluno confundir diferentes tipos de deficiência - como se ter uma deficiência mental implicasse ser cego, o que, por sua vez, implicasse não escutar - este discurso baseia-se numa concepção de que as deficiências sensoriais pressupõem que as pessoas ficarão num estado de isolamento, sem se comunicar com ninguém e sem apreender os estímulos do mundo. Este é um raciocínio perigoso na medida que poderia justificar que o melhor é isolar essas pessoas porque elas não apreendem nada mesmo e ainda se tornariam pessoas melhores por isso.

No entanto, a maioria das crianças não pensa assim, e concorda que seus colegas com deficiência participam das aulas mesmo que de formas diferentes, fazem tarefas e podem aprender, apesar das dificuldades que impõem ao ambiente educativo. No que se refere ao comportamento em sala de aula e à possibilidade das crianças com quaisquer deficiências se beneficiarem da educação formal, não existe consenso. Muitos concordam que os colegas com deficiência também fazem tarefas, mas estas são diferentes daquelas executadas pelos demais alunos não só na forma, como também no conteúdo, além de precisarem de uma maior assistência do professor ou de equipamentos especiais, como a reglete, utilizada para escrever em braile.

E ELE SENDO CEGO, SENDO SURDO, OU SENDO MUDO, ELE PODIA FAZER AS TAREFAS? -Podia... mas ele fazia com a ajuda da professora. -MAS ELE FARIA AS MESMAS TAREFAS QUE OS COLEGAS? -Não.

ENTÃO, ELES FAZEM TUDO DO MESMO JEITO? -Pode, mas ele não faz o alfabeto. -A gente não faz assim, é diferente. -ENTÃO, ELE FAZ DIFERENTE OU FAZ TUDO IGUAL? -Ele faz as tarefas diferentes da gente. Ele faz diferente, e o alfabeto... -É, ele fazia a tarefa diferente da nossa. A tia bota as letrinhas ai ele vai batendo, ele fica fazendo na reglete.

Já uma minoria dos alunos afirma que, dependendo da deficiência, o colega pode fazer as mesmas tarefas, sem qualquer diferença dos demais. É interessante observar aspectos já discutidos na fala seguinte, na qual evidencia-se uma forma diferente de tratar diferentes deficiências, podendo-se supor uma variação de grau ou nível em que a deficiência pode afetar a pessoa. Neste caso, as deficiências sensoriais são tidas como doenças e seriam impeditivas de uma participação igual nas aulas, enquanto uma deficiência motora não é doença e não impede que a criança execute as mesmas tarefas que outros.

ELA FAZ AS TAREFAS IGUAIS AS DOS COLEGAS DELA, OU NÃO? -Igual a dos colegas dela faz. -Eu acho que faz, porque ela não tem nenhuma doença assim, cega, surda, muda, ela só tem um problema nas pernas.

Um outro ponto de vista adotado por uma minoria dos alunos é que as atividades que os colegas com deficiência visual desenvolvem em sala de aula não são consideradas tarefas, mas sim brincadeiras, sem maiores propósitos.

MAS ELE PODE FAZER AS TAREFAS COMO JOÃO FEZ? -Não. ELE NÃO FAZ TAREFA? -Não. Ele só faz brincar.Ele só faz brincar de massinha, e de colocar um negócio em cima do outro. -ELE SÓ FAZ BRINCAR? ENTÃO QUER DIZER QUE SE O ALUNO FOR CEGO ELE NÃO FAZ TAREFA? -Não.

Estas diferentes formas de compreender a relação das crianças com deficiência com as atividades escolares repercute nas opiniões a respeito da possibilidade ou não de aprendizado consistente na escola e na aceitação ou não da proposta inclusiva.