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7.4 Procedimentos de análise

8.2.13 Incluir sim, mas quem, como e por quê?

É unânime dentre as professoras a afirmação de que se concorda com inclusão de crianças com deficiência no ensino regular. Todas elas consideram que estes alunos se beneficiam quando estão incluídos e destacam a importância disto ser realizado com seriedade. No entanto, também é unânime a afirmação de que o processo não vem se realizando de forma adequada e de que algumas crianças se beneficiariam mais das salas ou escolas especiais, de modo que algumas professoras afirmam a impossibilidade de se educar crianças com determinados tipos de deficiência em sala regular.

O interessante, neste momento, é compreender os porquês destas opiniões. Por que a inclusão é boa? Para quem ela é boa? Por que o aluno com deficiência se beneficia dela? Por que alguns alunos não se beneficiariam? Por que ela não está sendo realizada de forma adequada? Como seria incluir com seriedade? Entre outras.

Inicialmente os professores concordam que incluir é necessário e que os princípios inclusivos são positivos, no entanto não se aplicam a todos os casos. Mas por que incluir é necessário? A maioria das professoras considera que a principal vantagem é possibilitar que as crianças com deficiência convivam no meio social comum e se desenvolvam afetiva e socialmente e, assim, não se sintam tão diferentes das demais.

Mas existe um desenvolvimento social, quando se inclui é assim, a criança vai conviver, vai brincar, ela vai ter um espaço. Mas não adianta nada fazer de conta. Pelo que o governo diz, a inclusão é necessária para que a criança não se sinta diferenciada das outras, não é isso?... a intenção dele era exatamente de que esses alunos, essas pessoas com deficiência não se sentissem tão inferiorizadas, tão diferentes daquelas criaturas que não têm a deficiência que eles têm. Não é? Que eles se tornassem um cidadão se achando normal, como as outras. Só por que ele não enxerga, só por que ele não escuta? Por que ele é diferente?

Porque ela faz parte de uma sociedade, ela é um ser humano como qualquer outro. -É, a criança faz parte da sociedade. -Ela tem que conviver no meio social. -É, a pessoa tem que viver num contexto social. -Dentro de suas limitações, ela precisa aprender a conviver socialmente.

Considerar apenas a possibilidade de interação e o desenvolvimento puramente social é a justificativa mais freqüente quando se pergunta por que as participantes consideram a inclusão necessária. Apenas duas delas se remeteram ao desenvolvimento compreendido de forma global e afirmaram que as crianças com deficiência possuem capacidades que podem ser potencializadas no convívio com os demais.

É importante a inclusão, é importante a gente receber, você sabe que são crianças que têm muito que dar e têm muito a desenvolver, mas tem que ter muito cuidado.

É que, eu acho assim, que é pela evolução da criança mesmo, porque assim, por exemplo, se a gente só convive com pessoas... Que nem o menino que não fala na selva, ou que não anda na selva, ele nunca viu ninguém falar e se ele só conviver com aquilo, ele não vai ter uma evolução diferente daquilo. Se ao redor dele só tem pessoas daquele jeito, entendeu? Eu acho que é na tentativa de ampliar essa capacidade que a gente sabe que o aluno tem. Por isso essa mistura, essa troca, essa experiência de colocar o aluno com deficiência na sala junto com o aluno regular. Eu acho que é necessário por isso, para atingir a capacidade máxima daquele aluno convivendo com pessoas diferentes. É essa troca diferenciada mesmo.

Importantes aspectos não são referidos pelas professoras, como o desenvolvimento cognitivo, a aprendizagem de conteúdos acadêmicos e a possibilidade de formar cidadãos críticos mais preparados para atuar no mercado de trabalho e na sociedade como um todo. Isto é importante, visto que mais uma vez as professoras se esquivam da importância de seu papel no processo inclusivo: a inclusão é boa somente pelo convívio com outras crianças, mas não pela função que o trabalho delas exerce na vida dessas pessoas.

Não se enxerga a educação como um meio para a ascensão social destas crianças nem como uma forma de ampliar suas possibilidades. Esta concepção se constrói como uma conseqüência direta da representação que se tem do aluno com deficiência e contribui para a perpetuação do lugar de inferioridade no qual eles são postos. Estas crianças não aprendem, logo jamais terão inserção social plena. Seguindo este raciocínio, a autorização da presença destas crianças nas escolas regulares serve simplesmente para que elas se sintam melhores e aprendam a conviver em sociedade, logo não vale a pena investir na construção de conhecimentos acadêmicos, nem no desenvolvimento cognitivo delas.

No que se refere às vantagens do processo inclusivo, as professoras se restringem ao discurso acima explicitado sobre os benefícios obtidos pela própria criança com deficiência. Não é referida nenhuma vantagem para os demais alunos nem para os próprios professores. Elas não consideram importante o fato delas mesmas e de seus alunos terem a oportunidade de conviver com pessoas diferentes e assim trabalhar seus preconceitos e tornarem-se cidadãos mais solidários e menos excludentes e as importantes mudanças sociais que podem ser engendradas por esta nova prática. A vantagem da inclusão é atribuída exclusivamente ao

aluno com deficiência e todos estão sofrendo e se esforçando enormemente para aceitá-los, ficando apenas com as desvantagens.

Ao justificarem a importância da inclusão, as professoras acabam derrubando seus princípios e invalidando suas vantagens. Como é, então, possível incluir desta forma? Ou melhor, como as professoras consideram que deve se dar a inclusão?

Uma opinião fundamentada na representação do aluno com deficiência é que nem todas estas crianças devem ser incluídas em ensino regular, posto que algumas deficiências, principalmente as mentais, impossibilitam sua aprendizagem e seu convívio com as outras pessoas. Desta forma, alguns alunos devem permanecer em instituições ou classes especiais, nas quais elas se beneficiariam mais.

Eu acho que vai depender muito da deficiência que essa criança tenha. Se é uma deficiência que não... Que ele possa estar incluso numa turma regular é uma coisa, mas tem, vamos dizer, DM que, assim, o trabalho eu acredito que tem que ser muito específico com aquela criança... Então assim, vai depender que deficiência é essa que a criança tem para que ela possa ser inserida numa turma de ensino regular e que a professora vá dar condições, ou vai ter condições de realmente ver como vai ser o retorno dessa criança na aprendizagem. Porque senão ela vai ficar frustrada, o menino não vai aprender absolutamente, quer dizer, ele não vai se desenvolver em nada, não vai haver avanço nenhum para essa criança, e ele poderia estar numa turma de DM ou de DA, ou seja lá qual for a deficiência, e que a professora está fazendo um trabalho ali.

Outro aspecto que implica a preferência por salas especiais é a forma como vem se dando a inserção de crianças com deficiência nas escolas públicas atuais. Desta forma, as docentes comumente afirmam a importância da inclusão, acompanhando-a de uma ressalva a respeito das condições oferecidas aos atores do processo inclusivo. Algumas delas chegam a afirmar que nas condições atuais das escolas públicas é impossível de se realizar a inclusão.

Eu até sou a favor da inclusão de crianças deficientes em salas regulares, mas desde que haja um... uma preparação dos profissionais, uma estrutura que favoreça isso. É POSSÍVEL SE TRABALHAR EM SALA DE AULA JUNTO COM OS OUTROS ALUNOS? -É difícil, mas eu acho que não é impossível. -Não, impossível também não é. Agora se tiver as condições, é isso que eu digo. Agora tem o rendimento, você não pode esperar dela o rendimento dos outros alunos. Mas você pode desenvolver a capacidade que ela tem... - Mas eu acho que nessa realidade de escola pública, eu já acho que não é possível. É completamente impossível trabalhar com uma criança dessa. Ou você trabalha com uma criança dessa e vai faltar para as outras, eu acho. Porque ela exige muito. É, exige muito assim, do professor, numa sala de quarenta alunos é uma loucura.

Se tiver que optar se uma criança com deficiência auditiva fica numa sala de ensino regular, e essa professora não tiver o conhecimento de libras. Essa criança, coitada, não vai ficar lendo o lábio dela o tempo todo não, minha gente, não vai, não existe. Aí quer dizer, como é que essa professora vai trabalhar com essa criança?

As professoras deixam claro que, para elas, simplesmente autorizar a presença da criança na escola regular não é suficiente. Não adianta fingir, incluir exige adaptações tanto humanas, como materiais e se estas não são realizadas, pode haver graves conseqüências para os envolvidos. Este discurso tem sido bastante difundido no meio científico e nas formações profissionais. No processo de construção da representação, os atores se utilizam de seus afetos, valores e conhecimentos prévios para manejar a forma como eles se apropriam seletivamente e reconstroem o discurso científico, dando sentido às difíceis e fracassadas experiências vivenciadas.

Incluir é tirar uma criança e colocar no meio dos outros, sem ela ter uma estrutura para... Eu não concordo com isso. Botar ele no meio, feito essa história, né? Ele estava no meio dos regular, cinco alunos no meio dos alunos regular, mas eles estavam excluídos, eles não estavam incluídos ali.

Essa coisa de a criança no ensino regular, eu acho que ela tem que ter a inclusão mesmo, tem que conviver com outras crianças e tudo. Mas o professor, ele tem que ter essa consciência de que ele precisa buscar o conhecimento, porque senão ele pode não estar ajudando em absolutamente nada essa criança. -É, pode até chegar a traumatizar.

Fazer só para dizer que está fazendo, não vale a pena fazer. Dizer que está fazendo só por dizer, para dizer que é moderno, dizer que aceita... É melhor ficar em casa, entendeu? ... Quer dizer, ele estava numa sala incluso, mas na verdade ele estava sendo excluído. Só no nome, mas está contando, está contando para o governo. A forma como a inserção vem se dando está longe de ser a ideal, isso é uma opinião unânime. No entanto, uma das professoras considera que esta é a única forma possível de se iniciar o processo. Todos estão sofrendo por estarem diante da novidade ainda mal conduzida, no entanto, não se poderia esperar mais tempo por maiores preparações e há esperanças de que este quadro melhore com o tempo.

Mas as vezes eu fico pensando se fosse esperar antes de tudo acontecer, o governo capacitar todo mundo, eu acho que a inclusão ia ser coisa de milhões de anos para frente, entendeu? Eu acho que teve que ser jogado assim, jogaram porque não vem outra alternativa, como as coisas demoram no Brasil. Se fosse pensar, se fosse tentar fazer tudo direitinho como manda o figurino eu acho que nunca ia acontecer isso, entendeu? A gente está sofrendo, os alunos estão sofrendo, mas eu acho que futuramente, num futuro mais próximo isso pode se resolver. Mas se fosse esperar todo mundo se capacitar para fazer tudo perfeito, eu acho que não ia acontecer. Este discurso, no entanto, é uma exceção, posto que a maioria das professoras concorda que seria necessária a realização anterior de uma série de adaptações e, principalmente capacitações profissionais, para depois receber as crianças de forma mais responsável e menos sofrida nas escolas. Além disso, se destaca a necessidade da sociedade como um todo ser modificada e a importância da acessibilidade em qualquer ambiente social.

Mas na verdade era, essa inclusão era para só acontecer depois que houvesse toda essa preparação, no meu ver, meu ponto de vista é isso. Eu acho que só deveria acontecer assim.

Você vê isso não só na questão da educação, mas você vê no meio da rua, o quê? As calçadas, o transporte, a própria escola que não tem muitas vezes, o aluno chega e não tem rampa, não teve adaptação no banheiro, o banheiro não tem o banheiro específico para atender uma criança que vai entrar lá com a cadeira. Então quer dizer, a inclusão ela tem que ser, ela tem que incluir tudo né? É, tem que ser da questão do espaço físico, entendeu, do trabalho pedagógico, de tudo.

Porque o ideal seria, a escola ideal seria aquela em que eles fossem inclusos na sala com os normais e com pessoas especializadas, que desse oportunidade para o professor estudar e ele se sentir seguro. -Que as escolas tivessem especialistas, psicólogos... -na sala de aula o professor com conhecimento, sendo preparado. Investir nisso, investir.

As professoras falam sobre como seria o processo ideal: a criança com deficiência ser inserida não só numa escola, mas num mundo preparado para recebê-la, onde as pessoas soubessem respeitar as diferenças e os governantes priorizassem a igualdade de oportunidade e de acessibilidade para todos. Um mundo no qual não só os professores, mas todos as conhecessem e fossem acostumados com suas presenças, não de forma a negar suas diferenças, mas a ponto de dar conta destas diferenças da melhor forma possível. É esse mundo que as professoras querem, mas será que elas estão trabalhando de forma a construí- lo? Os passos são lentos e ainda há muito por fazer, mas quem sabe um dia chegaremos lá.