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10 ESTUDO 2: RESULTADOS E DISCUSSÕES

10.1 Fase 1 Associação Livre

10.3.8 Como se comportar com o “colega deficiente”?

A maioria dos alunos considera que o colega com deficiência merece um tratamento diferenciado, o qual muitas vezes não se justifica pelas características particulares deste. No entanto, outras crianças consideram que a forma como elas devem agir com o colega depende do tipo de deficiência que ele tem. Neste caso, as diferenças no comportamento apenas estariam a serviço de contornar as características que determinada deficiência proporcionaria.

VOCÊS ACHAM QUE VOCÊS SE COMPORTAM COM ELES DO MESMO JEITO QUE SE COMPORTAM COM AS OUTRAS PESSOAS? -Não. -Como assim? VOCÊS BRINCAM DO MESMO JEITO, CONVERSAM... FAZ OUTRAS COISAS DO MESMO JEITO? -Não. -Não. -Eu acho que só com os surdos e mudos, que eu sei falar.

COM DEFICIENTE MENTAL É DIFERENTE? -É -PORQUE? VOCÊ TEM QUE FAZER COMO? AGIR DIFERENTE COM ELE, É? -É. -O QUE VOCÊ FAZ DIFERENTE? -Fala mudo com ele. -Tem que falar igual a ele, tem que falar alto. Se falar baixo ele fica hãããã. -Mas se ele for cego, a gente tem que falar normal.

As falas acima exemplificam as opiniões do grupo que considera que a diferença na forma de tratar uma criança com deficiência deve-se propriamente à deficiência específica. No caso do colega surdo, esta diferença estaria na linguagem, se o outro é capaz de falar Libras logo não há maiores diferenças na relação estabelecida. No segundo caso, a criança parece ter confundido a deficiência mental com a auditiva, ou ela julga que as pessoas com deficiência mental são ao mesmo tempo surdas. Mas, assim como a primeira, a diferença que se impõe à relação se resume a como se comunicar oralmente ou gestualmente com o colega.

Já outro grupo maior de alunos considera que o fato do colega ser considerado com alguma deficiência, seja ela qual for, isto já implica a necessidade de um tratamento diferenciado:

VOCÊS BRINCAM COM ELES, VOCÊS CONVERSAM COM ELES? -Eu converso. -DO MESMO JEITO QUE COM AS OUTRAS PESSOAS OU É DIFERENTE? COMO É QUE VOCÊ DEVE SE COMPORTAR COM ELES? -Sem bater neles, sem chutar eles, sem empurrar eles. -Respeitar eles, ajudar eles, assim, um monte de coisas. -E O QUE É QUE TU ACHA, R? -Eu brinco com eles... É diferente. -E COMO VOCÊ AGE DIFERENTE COM ELES? POR QUE? -Não pode brincar de brigar, como brinca com os outros. -Vê só, assim, futebol, quando os meninos da minha sala vão jogar bola, ai tia disse que eles não podem, porque no jogo dos meninos tem muita violência, chute, empurrando, chutando, aí tem muita briga. MAS ENTÃO POR QUE É QUE É DIFERENTE? -Porque tem que respeitar. -MAS RESPEITAR DIFERENTE DOS OUTROS? -Não. ENTÃO POR QUE É DIFERENTE, ENTÃO? -Porque os outros tem que respeitar de outro jeito, agora esses tem que respeitar mais. -AH, ENTÃO QUANDO É DEFICIENTE TEM QUE RESPEITAR MAIS QUE OS OUTROS? -É. –É, tem que ajudar na sala. Na fila tem pessoas que tem que deixar passar na frente.

M, ele quer brincar com os colegas, só que a tia não deixa.

Percebe-se, então, que os alunos recebem uma série de prescrições dos adultos as quais visam proteger os alunos com deficiência. No entanto, estas condutas supostamente desejáveis acabam aumentando a distância entre os alunos com e sem deficiência na medida em que impõem limites que vão muito além daqueles impostos pelas características do aluno em si. Há comportamentos que seriam desejáveis em qualquer relação, como respeitar, ajudar e não bater, mas as crianças consideram como se estas fossem recomendações específicas para o trato com o aluno com deficiência. Além disso, há atividades que, dependendo da deficiência que o aluno possua, ele poderia participar normalmente junto com os demais colegas, no entanto eles são impedidos de executá-las pelo simples motivo de terem uma deficiência. Isto acarreta uma diferenciação forçada com a imposição de barreiras que não existiriam caso as pessoas lidassem com menos preconceitos. Estas barreiras, além de aumentar a diferenciação entre grupos, repercutem negativamente também no desenvolvimento da criança com deficiência, visto que ela fica impedida de alargar suas possibilidades e desenvolver habilidades que as ajudem a estar no mundo de forma mais ativa e com menos restrições.

Mais restritiva ainda é a concepção de um dos alunos, que considera os colegas com deficiência como bebês e julga que eles devem ser tratados como tal.

SE TIVER UM ALUNO CEGO, VOCÊ TRATA ELE DO MESMO JEITO QUE OS OUTROS? -Não. -O QUE É QUE VOCÊ FAZ DIFERENTE? -Brinco com ele, mas mesmo assim igual a um bebezinho. -TRATA ELE FEITO UM BEBEZINHO? -É. – POR QUE? -Igual a uma boneca. -A DISSE QUE UM ALUNO CEGO DEVE-SE TRATAR IGUAL A UMA BONECA, IGUAL A UM BEBEZINHO, VOCÊS CONCORDAM? -É, concordo.

Esta concepção expressa de forma mais radical a premissa que está por trás das prescrições de que se deve tratar marcadamente diferente os colegas com deficiência. A noção

compartilhada por adultos, e também pelas crianças, de que a pessoa com deficiência possui incapacidades que vão além das limitações provocadas por suas característica e isto faz dela uma pessoa mais frágil, que precisa ser superprotegida. Desta forma, estas crianças muitas vezes se tornam alvos de piedade e de comportamentos compensatórios que tanto as beneficiam quanto prejudicam.

Percebe-se, então, que a forma de se relacionar com os colegas com deficiência não seguem padrões consensuais, nem se justificam por concepções compartilhadas e protegidas pelo grupo, como se observa na forma de tratamento oferecida pelos professores a seus alunos. As respostas às indagações referentes ao tema consistem na expressão de opiniões individuais, bem como na reprodução de um discurso prescritivo transmitido pelos adultos. Parece não se encontrar neste caso as complexas relações entre as práticas e as representações sociais. Ou melhor, é questionável se o grupo estudado constrói e compartilha representações a respeito do colega com deficiência.