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7.4 Procedimentos de análise

8.2.5 O não saber: será esta a maior dificuldade?

Outra dificuldade constantemente salientada pelas docentes é a escassez de informações sobre aquele aluno que chega para elas “como uma folha em branco”. As professoras sentem a necessidade de saber exatamente qual é a deficiência de seu aluno e as possíveis repercussões desta deficiência na sua cognição e no seu comportamento. Este aspecto é sempre comentado em termos do aluno com deficiência mental e espera-se que o diagnóstico seja revelado com exatidão por um profissional de saúde: psiquiatra, neurologista,

ou psicólogo. Acredita-se que apenas estes detêm o saber sobre este tipo especial de pessoa e devem ser capazes de prever a conduta e o desempenho delas.

Porquê ela veio pra mim assim, “olhe, ela é dm” sem nada assim: “A deficiência dela é essa, não é uma muito profunda, ela pode fazer isso”, sem assim, nada. Então para mim ela veio como uma folha em branco.

E de informação, porque eu não tenho. Eu não tenho um parecer psiquiátrico ou de um psicólogo. Eu não tenho, nunca tive e eu acho que deveria ter.

Como a deficiência mental tem contornos mal definidos, abrangendo uma variedade muito grande de manifestações e é impregnada pela sensação de imprevisibilidade e descontrole, os professores vêem no parecer médico uma forma de delimitar as expectativas que devem investir em seu aluno. O aluno com deficiência mental é um outro completamente diferente de mim e dos demais, por isso eu preciso que alguém me diga como é ele, o que eu posso fazer com ele e até onde ele pode chegar. Parece ser extremamente difícil para o professor o encontro com o aluno considerado deficiente mental, posto que este é sentido como dotado de uma diferença radical que torna este encontro algo completamente novo e imprevisível. No entanto, os professores não percebem que cada encontro é imprevisível e que eles também não sabem o que podem esperar dos demais alunos, tanto em termos de desempenho escolar, quanto em termos de comportamento. Os professores pensam como se soubessem exatamente como será cada um de seus alunos com exceção do aluno com deficiência, sobre o qual precisam receber esta definição das mãos de algum especialista, que o informe não só como o aluno é, como também como se deve trabalhar com ele.

E também saber qual é o distúrbio, né? Se vai deixar minha sala muito mais agitada, como é que eu vou lidar, se ele vai ser apático, como é que ele vai ser, a expectativa de como vai ser o comportamento daquele aluno.

É difícil por conta do conhecimento, por, além de eu não ter, as meninas também não têm. É muito complexo.

A sensação de não saber sobre o aluno, o remete a um domínio de especialistas, no qual o professor se considera leigo e, portanto, incapaz de realizar um bom trabalho. É construída uma concepção na qual o aluno com deficiência é um ser diferenciado, sobre o qual eu não conheço, logo não posso educá-lo. Esta tarefa caberia apenas aos especialistas capazes de prever como será essa estranha figura em sala de aula.

Esta proposição encontra-se ancorada na história de segregação sofrida pelas pessoas com deficiência e seu tradicional vínculo com as ciências da saúde, posto que foram por muito tempo consideradas doentes e como tal, submetidas ao domínio dos saberes médicos. Desta forma, era impensável educadores comuns se ocuparem deste tipo de pessoa, que eram

educadas em ambientes hospitalares, apenas para conseguirem realizar seus afazeres domésticos. Desta história, surge a concepção de que aquele que sabe sobre crianças com deficiência, principalmente mental, é o médico, enquanto os professores não são preparados para este tipo de aluno. É este desconhecimento, esta falta de capacitação, não só sobre o quadro específico do aluno que o professor estar a receber, mas sobre a pessoa com deficiência de uma forma geral, a maior dificuldade comentada pelos docentes diante do processo inclusivo.

Educar uma criança com deficiência é compreendido como uma tarefa extremamente diferente de educar as demais crianças, logo, este trabalho exigiria uma formação específica. Conhecimentos peculiares se fazem necessários para o estabelecimento de uma relação de trabalho peculiar. Os professores são profissionais treinados para lidar com “pessoas normais”, no máximo com as dificuldades de aprendizagem cotidianamente encontradas, mas não estão preparados para receber pessoas com funcionamentos tão radicalmente diferentes. Desta forma, a formação profissional é considerada insuficiente e é imperativo que haja mais capacitações.

Eu acho que a questão é a formação. É, porque a gente na nossa formação não tem isso. Ele não tem isso de você vai trabalhar com a inclusão etc., não. Eu vou ser bem sincera, eu teria que saber, eu acho que eu teria que estudar mesmo. Se eu tivesse uma turma com sei lá, vinte crianças e que tivesse uma com uma deficiência, vamos dizer, uma deficiência mental, eu teria que ter algum... Porque a minha angústia como educadora é assim: se eu não tenho esse conhecimento, como eu vou ajudar essa criança a se desenvolver? Entendeu, se eu não tenho o conhecimento.

Eu acho que para o professor todos são difíceis porque a gente não é específico naquela área, então para a gente é difícil tudo.

A falta de conhecimento... É, de você não saber como lidar. De você estar ali com o problema e agora eu vou fazer o quê? Porque a gente sabe como é lidar com o aluno que tem problema de leitura de escrita.

É notável que as docentes não se considerem preparadas para receber a crianças com deficiência, visto que seus estudos não se aplicam a este tipo de público, posto que as deficiências requerem conhecimentos específicos, como o braile, a libras, ou adaptações materiais, didáticas e de espaço. Diante disto, a possibilidade de ter que trabalhar com esses alunos evoca imediatamente a constatação “eu não sei”, da qual deriva o medo de atrapalhar mais do que ajudar.

Este não saber é considerado a maior dificuldade enfrentada pelos professores no processo de inclusão, portanto, é preciso aprender. Mas como? As professoras encaram as capacitações como sua salvação. Existe a fantasia de que alguém será capaz de ensiná-las

exatamente como seus alunos vão funcionar e como elas deverão fazer seu trabalho, diminuindo a ansiedade diante do imprevisível, como se todo esse conhecimento fosse dominado a respeito dos alunos regulares. Apesar de admitirem que aprendem com a experiência, esta possibilidade não é substancialmente considerada para as docentes, que julgam imperativo que se realize uma formação específica anterior, para que elas não acabem “fazendo besteira”. No entanto o que se evidencia nesta sede por informação é que o encontro com o desconhecido mobiliza angústias difíceis de serem suportadas.

Porque a gente sabe que na formação inicial do professor, do pedagogo, no curso de pedagogia não tem inserido esses conteúdos. É, não tem. E deveria ter, depois da inclusão desse tipo de aluno, deveriam ter colocado. -Mas eu acho que agora já deve estar existindo.

Porque quando eu fiz pedagogia eu vi isso no curso, mas foi uma coisa pincelada, uma coisa rápida, entendeu, e não um aprofundamento. -É, não tem um aprofundamento. -Eu nem vi. -Eu também não vi nada. -Eu também não. E a gente precisa desse aprofundamento, é importantíssimo. Ou faz esse aprofundamento, ou quem tiver pensando que tá ajudando pode estar prejudicando. -Pode estar prejudicando, com certeza.

Vale destacar que não é qualquer capacitação que vai dar conta do problema. As docentes reivindicam por treinamentos no horário de seus trabalhos, posto que já são oferecidos cursos, como o de libras aos sábados, mas os funcionários não se dispõem a freqüentá-los porque já trabalham três expedientes e precisam dos fins de semana para descansar. Elas consideram, ainda, que é necessário um treinamento mais sério e intensivo e propõem que esta formação seja dada em formato de pós-graduação, com uma grande carga horária, numa boa universidade, e que os professores que quisessem fazê-la fossem dispensados do serviço para estudar.

Agente tem até vontade de fazer, mas eu não vou. A gente trabalha a semana inteira, e não vou sair no sábado à tarde, não vou. Se for nível de pós-graduação... -Eu também acho melhor, porque a gente pode fazer uma pós-graduação. -Pois é, deveria ser nível de pós-graduação, uma coisa bem fechada, sendo numa universidade de qualidade E aí, poderiam procurar saber, nas escolas, os professores que gostariam de fazer, fazer seleção e colocar essas pessoas para estudar.

Isso é um trabalho, estudar é trabalho. É investimento que o governo faz. A rede devia oferecer um curso de pós-graduação nessa área. -Pois é, você não quer? É como especialização em medicina, para ser um bom médico de saúde pública, para ser um especialista em... tem que investir nisso.

Por trás desta proposta existe a convicção de que a educação especial é algo marcadamente diferente e a parte da educação comum. Mantém-se a noção de que se deve formar especialistas que tenham uma disponibilidade pessoal para trabalhar com estas crianças, as quais continuam sendo pensadas como impossíveis de se educar por qualquer

profissional, em qualquer escola. É uma idéia perigosa que a preparação do pedagogo deve ser separada e específica para cada tipo de criança, como se faz com as partes do corpo humano na medicina. Formar alguns professores para “crianças normais”, outros para “crianças deficintes”, outros para as “superdotadas”, só pode aumentar a segregação e a diferenciação social. Manter as crianças com deficiência no reino privado de especialistas em nada ajuda a se realizar a “educação para todos” dentro de uma proposta inclusiva, segundo a qual devemos formar professores especialistas no aluno em geral (Carvalho, 2000).

Foram feitas poucas referências à importância de se incluir na grade curricular básica de pedagogia disciplinas ou ementas voltadas ao ensino de alunos com deficiência na escola regular. Esta idéia de fato está subjacente à proposta inclusiva, a qual pressupõe que todos os professores e todas as escolas estejam preparados para atender as especificidades de todos os seus alunos, com deficiência ou não, educando-os de forma diferenciada a fim de garantir a eqüidade de oportunidades. Isto não significa que não deve haver profissionais especializados nesta área, mas sim que todos os professores devem ser formados de modo a sentirem-se capazes de promover o desenvolvimento de todos os seus alunos.

Independente da discussão sobre a forma como a informação sobre a pessoa com deficiência deve ser transmitida e o alcance que deve adquirir esta transmissão, é de comum acordo que o acesso à informação traz importantes vantagens. Segundo as docentes, além de amenizar o medo e despertar o desejo de receber estas crianças, a informação possibilitaria que o processo inclusivo fosse realizado com maior responsabilidade, diminuindo as possibilidades de erros graves por parte delas.

Então assim, foi tanta informação e ela passou de uma forma tão legal, que... Aquele pouco de conhecimento deu vontade de vivenciar a experiência, entendeu?

A gente precisa de ter conhecimento na área, porque assim a gente vai até sentir vontade de fazer. -E se sentir segura.

É realmente um grande problema os professores serem formados para alunos padronizados e ideais e depois terem que lidar com uma realidade extremamente diferente daquela desenhada nos livros. É preciso que haja uma formação que leve em consideração a diversidade, seja ela religiosa, física, racial, de gênero, cultural, de classe social, qualquer que seja. No entanto, enquanto isto não se dá de forma plena, é preciso que haja meios em que se possa discutir tanto a diversidade em geral como as especificidades dos diferentes alunos e para isso as capacitações e os cursos específicos podem ser de grande utilidade. Eles teriam a função de informar, aproximando os professores das pessoas com deficiência, possibilitando a quebra de fantasias, a redução do medo e a aquisição da sensação de segurança.

Além destes momentos específicos, outra forma de troca de informação e experiência deve se dar dentro da própria escola entre os professores, coordenadores e diretores e também com os professores itinerantes. Este tipo de apoio oferecido pelos demais profissionais é considerado necessário, mas escasso.