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7.4 Procedimentos de análise

8.2.7 As famílias: parceiros ou rivais?

Além da participação dos demais profissionais da escola e dos especialistas, a inserção do aluno com deficiência no ensino regular requer a colaboração das famílias. Inicialmente, as famílias das outras crianças são vistas como um grande obstáculo à inclusão, posto que estas costumam reclamar que a presença da criança com deficiência atrapalha o ritmo da aula e que o professor dá mais atenção a este aluno do que aos seus filhos.

...as outras mães ficavam enciumadas porque ele tinha que ter mais atenção.

São as outras mães, que não têm conhecimento, que não tem noção e diz: Olha para aí, só dá atenção a fulano, e o meu filho e tá aí!

As professoras consideram que esta cobrança ocorre por ignorância dos familiares e por desconhecimento sobre a proposta da inclusão, no entanto nada se faz para informar estas mães e para discutir a respeito do trabalho desenvolvido na escola com estas crianças. Assim, além das demais crianças, que já se apresentam como um empecilho por não compreenderem a situação e se sentirem enciumadas em relação ao aluno com deficiência, as famílias também são tratadas como um obstáculo a ser vencido.

Além das famílias das demais crianças, os pais, ou melhor, a mãe da criança com deficiência também é considerada constantemente um grande problema. Por vezes é a própria família considerada responsável pela deficiência da criança, devido ao estilo de vida que leva, com já foi dito. Os ideais morais e o padrão da família burguesa composta por pai, mãe e filhos vivendo sob o mesmo teto, ainda marcam um referencial cujo distanciamento pode trazer graves conseqüências para as crianças, chegando a produzir deficiências. Famílias distantes do padrão, mesmo que não tenham gerado a deficiência são pouco capazes de lidar com ela e atuam como dificultador do trabalho dos professores, que tentam educar a criança, mas não conseguem porque a família desfaz todo o seu trabalho.

Hoje em dia você sabe que a família está desestruturada. Na maioria a realidade é essa mesmo. Crianças que estão adultas demais para a idade. Pais separados, mora com avó, mora com padrasto, mora com tios. Assim, problemas mil.

Mas aí ela tem um problema grave, que é a família. Então eu acho que todo o trabalho que a gente faz aqui é desfeito lá. A família é um problema, então não é só a criança que tem que ser trabalhada, a família também tem que ser trabalhada e a família dela é muito difícil.

As famílias são comumente vistas como um problema, ou pela mãe ser superprotetora e não deixar a criança se desenvolver, ou por ser omissa e não dar a devida atenção ao filho e não investir na sua educação. Outras vezes, apesar de terem boa vontade, as mães são

consideradas desinformadas e ignorantes demais para ajudar seus filhos, ou ainda pobres demais para isso.

A mãe dele tratava ele com muito mimo, entendeu? Ele ainda fazia cocô na fralda, ta entendendo? Essas coisas.

E a mãe superprotetora queria que ele fosse o centro das atenções, entendeu?

E ela é uma pessoa que quer ir a luta, ela quer investir no filho, né? Só que não tem condição. -É, ela se preocupa. -E isso é raro, viu, encontrar um comprometimento assim. Porque quando você pega uma que não tem condições e que é leiga no assunto, aí o trabalho é dobrado. Mas essa, só o fato de não ter condição já dificulta.

No primeiro caso, as mães atrapalham por exigirem demais dos professores, por estarem sempre por perto e por querem que os filhos sejam priorizados em função dos demais colegas. Outras vezes, estas mães são consideradas um obstáculo por fazerem tudo pelos filhos e nada exigirem deles, por não estimulá-los e sim os protegê-los demais, retardando assim o desenvolvimento dos mesmos. Por outro lado, existem as mães que apesar de quererem investir no desenvolvimento dos filhos, não o fazem porque não tem condições financeiras, ou conhecimento para isso.

Independente do porquê a mãe não consegue ajudar o filho, a presença ou ausência desta é vista como definitiva no desenvolvimento da criança. A família é entendida como aquela que deveria ser uma importante parceira da escola, por ter a função de buscar atendimento especializado para o aluno, além de informar os professores sobre ele. A importância da família é tão grande que, quando a criança se desenvolve bem e consegue uma razoável inserção social, é a mãe e os trabalhos dos especialistas por ela procurados que recebem total mérito por isso. Assim como, quando a criança vai mal, a família também acaba sendo responsabilizada pelo fracasso.

Mas isso também tem a questão do trabalho, e assim, eu acho que da família, entendeu? Se a família não tiver uma orientação, ou buscar essa orientação, ou esse conhecimento... para estimular essa criança, se não ela fica sem nenhum desenvolvimento, para estimular seu filho, seja ele com síndrome de down ou com qualquer outra síndrome.

Agora assim, houve um investimento. Além dele estar numa escola normal, a mãe procurou as orientações, porque se não tivesse essas orientações, talvez eles não... - Exatamente, a mãe foi fundamental, tanto uma como a outra, para que eles chegassem a isso.

...a família também vai procurando outras coisas, entendeu, a própria família ajuda a escola. -Auxilia a escola, auxilia o professor. Por exemplo, o menino chegou à oitava série porquê? Não foi à toa.

Esta parceria da escola com a família é realmente algo fundamental para a criança quando da sua inserção na escola regular, na medida em que isto se faz num

compartilhamento de responsabilidade e não como um jogo de culpabilização pelos problemas enfrentadas com a criança. É importante notar que, na maioria das vezes, os professores referem-se às famílias de seus alunos como dificultadores e não como colaboradores. As referências às pessoas com deficiência “bem sucedidas” cujo sucesso é atribuído ao trabalho dos pais se tratam de casos de filhos de vizinhas ou colegas. A impressão que os professores transmitem é a seguinte: a família dos “nossos alunos” não fazem sua parte, por isso é tão difícil trabalhar com eles e se eles não derem certo, será por essa falta deste investimento familiar.

As professoras parecem utilizar as faltas da família como forma de encobrir as suas próprias faltas e como forma de se isentarem do peso da responsabilidade pelos resultados futuros daquela criança. Além disso, demonstram um certo preconceito contra as famílias pobres, as quais, por mais que queiram e que sofram com isso, não têm condições de ajudar seus filhos, os quais encontram-se, portanto, fadados ao fracasso, não havendo muito o que fazer por eles.

É importante que as professoras denunciem as dificuldades de acesso a serviços de reabilitação, de acompanhamento psicológico e psiquiátrico, os quais sem dúvida são mais disponíveis para quem possui dinheiro. No entanto, afirmar que por falta de dinheiro as mães não têm como ajudar seus filhos e por isso estes não poderão se desenvolver satisfatoriamente parece uma lógica desenvolvida em função da defesa identitária, além de servir para justificar condutas de abandono ou desistência dos alunos, visto que eles não possuiriam mesmo muitas possibilidades. Assim, os professores parecem se sentir “dando murro em ponta de faca”, fazendo a parte deles, cumprindo sua obrigação e insistindo, mesmo sabendo que aquele investimento não vai surtir grandes efeitos. Isto porque vai faltar o papel da família, qual seja, estimular a criança em casa e buscar os profissionais adequados para trabalhá-la, ampliando suas potencialidades. É essa diferenciação entre as possibilidades oferecidas às crianças com e sem dinheiro uma das conseqüências das diferenças tão discutidas entre as escolas particulares e as públicas.