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Pátio da escola Dr Dátis Lima de Oliva na hora do intervalo

(Fonte: Zair Henrique Santos)

A diretora me falou que, naquele momento, a Escola não desenvolvia um projeto es- pecífico de leitura para os alunos do 6º ao 9º anos, ficando a cargo de cada professor trabalhar com textos para ensinar e incentivar o hábito de ler, já no Ensino no Fundamental, os profes- sores trabalhavam com a leitura de livros do PNAIC.

Essas palavras foram motivo de preocupação, principalmente porque os alunos do Fundamental Maior não tinham mais o Cantão da leitura para descobrir, escutar ou adquirir o conhecimento novo que estava nos livros de literatura. Não que os professores dessas séries não ensinem leitura – os docentes de História, Geografia, Biologia e outras disciplinas- afi- nal, desenvolvem atividades de leitura quando propõem aos dicentes que respondam a um questionário, elaborem uma síntese de um texto, estabeleçam comparações entre textos, etc, porém não se dá ênfase àquilo que Lajolo (2004, p. 7) expressa na introdução de Do mundo

da leitura para a leitura do mundo:

Ninguém nasce sabendo ler: aprende-se a ler à medida que se vive. Se ler li- vros geralmente se aprende nos bancos da escola, outras leituras se apren- dem por aí, na escola da vida: a leitura do voo das arribações que indicam a seca – como sabe quem lê vidas secas de Graciliano Ramos – independe da aprendizagem formal e se perfaz na interação cotidiana com o mundo das coisas e dos outros.

Ora, a ausência de livros de literatura para ler nos bancos da escola usurpa a vida dos indivíduos, pois não ocorrerá “a leitura do voo das arribações”, não haverá um possível en- tendimento do que a violência desferida pelo soldado amarelo no romance Vidas secas pode

ser a representatividade metafórica da polícia violenta da ditadura Vargas, assim como de outras leituras possíveis desse romance e de milhares de outros que são negados às pessoas.

Segundo Bértolo (2014), quando exercita a leitura literária, a pessoa está aumentando sua forma de relação com a cultural, já que “enquanto lê, cada leitor projeta a leitura da narra- ção textual e concreta sobre aquelas outras leituras literárias que acumula e que formam o que podemos chamar de sua biografia literária” (p. 53). Por isso é que afirmamos que negar o di- reito fundamental de ler literatura é como negar o direito à vida.

Outra triste constatação foi verificar que parte dos livros que constituía o acervo do Cantão da leitura está em uma sala de dispensa, misturada com material esportivo, apetrechos da fanfarra, produtos de limpeza, livros obsoletos, material didático, etc. Ou seja, os alunos estão sendo excluídos de um dos maiores bens culturais da humanidade que é ler literatura e que deveria ser do domínio público.

Ao contrário da Comunidade anterior analisada, os alunos desta Escola parecem não sentir falta dos livros, afinal de contas, estes não lhes foram apresentados, ainda não provaram o efeito que a leitura literária pode causar em suas vidas. Os professores não elegeram a leitu- ra dos livros daquela sala abandonada como ato imprescindível para o complemento de suas lições de sala de aula.

O desaparecimento de um projeto que se propõe a levar a ler ocorre constantemente nas iniciativas de promoção de leitura, mesmo quando a comunidade está convencida da sua necessidade, basta lembrar que os professores da Escola foram unânimes na pesquisa ao reco- nhecerem a necessidade de um espaço de ler, entretanto, não foram capazes de preservar o lugar nem de continuar com as atividades.

A leitura literária está sendo exercitada de forma rarefeita nas salas do PNAIC do edu- candário, já que não existe cooperação entre os professores, primeiro porque estas salas estão localizadas em prédio anexo, o que diminui contato entre os professores com o restante da comunidade escolar, além disso, não tinha ocorrido na Escola momentos de culminâncias das leituras desenvolvidas em sala de aula, cada professor é dono da sua caixa de livros e de suas atividades de práticas de leitura e guarda a sete chaves no seu armário. Não existe aí a ciranda de livros ou de leitura. Ademais os livros são tratados como propriedade dos professores, que fazem um esforço grande para que os alunos não os amassem, não sujem ou risquem suas páginas, há pouco esforço criativo para levar a ler de forma democrática e que empolgue a toda a comunidade.

Enfim, o sumiço do Cantão da leitura não aconteceu por irresponsabilidade dos agen- tes ou da Escola, mas mostra que a leitura no ambiente escolar de textos literários é uma inici- ativa que precisa de perseverança e determinação local e institucional. A cultura da leitura literária sem fins avaliativos, promocionais, comemorativos é de existência tênue, os saraus de poemas, crônicas, fábulas, contos, quando ocorrem são em datas comemorativas ou visitas de autoridades. Parece que o literário não educa, deixa uma sensação que é uma arte descom- prometida com a realidade social.

No conjunto, as três instalações de lugares de ler mostram que na região Oeste do Pará estamos na infância da formação de leitores, seja pela compreensão pragmática de leitura ou pelo conceito predominante no seio escolar de que leitura é simplesmente decifrar signos e não a construção de sentidos pelo leitor.

O sociólogo da educação Bourdieu (2004, p. 135) alerta que fazer a pergunta sobre quais são as condições e possibilidades de levar a ler

Significa interrogar-se não só sobre as condições sociais de possibilidade das situações em que se lê (e imediatamente se percebe que uma dessas condi- ções é a scholê, a forma escolar do ócio, ou seja, o tempo de ler, o tempo de aprender a ler), mas também sobre as condições sociais de produção de lec-

tores. Uma das ilusões do lector é a que consiste em esquecer suas próprias

condições sociais de produção, em universalizar inconscientemente as con- dições de possibilidade de sua leitura. Interrogar-se sobre as condições desse tipo de prática que é a leitura significa perguntar-se como são produzidos os

lectores, como são selecionados, como são formados, em que escolas, etc. O que esperar de uma comunidade que vive na exclusão, que aceite a leitura literária como bem imprescindível, mesmo tendo experiência rápida e tardia com ela? Que portanto, não tem incorporado como valor que os leitores constroem sentidos significativos quando leem com intensidade e determinação e que a escolarização plena e densa é condição de pos- sibilidade de conhecimentos significativos para reconstruir sua realidade.

Segundo Britto (2003), a ausência de um espaço de leitura obriga a escola a centrar suas atividades em um conjunto de conteúdos fixos, fragmentados que se forem cumpridos ao pé da letra até o final do ano é motivo de comemoração pela comunidade escolar. Esses con- teúdos são importantes, porém não trazem em seu bojo as razões do porquê é importante aprendê-los naquela realidade. Já a presença de uma biblioteca escolar seria um passaporte para o aluno compreender de forma crítica o seu estar no mundo, fazendo relação do conhe- cimento elaborado desenvolvido pela humanidade com as suas experiências práticas. (QUEI- RÓS, 2001).

Ainda sobre o desrespeito aos direitos humanos na sociedade da exclusão, Lajolo (2004, p. 106) nos ajuda a refletir quando diz que

Numa sociedade como a nossa, em que a divisão de bens, de rendas e de lu- cros é tão desigual, não se estranha que desigualdade similar presida também a distribuição de bens culturais, já que a participação em boa parte destes úl- timos é mediada pela leitura, habilidade que não está ao alcance de todos, nem mesmo de todos aqueles que foram à escola.

O Oeste do Pará ainda está em descompasso com as regiões Sul e Sudeste no que diz respeito a acesso a bens culturais, como pintura, escultura, música, dança, fotografia, etc., A falta de diálogo presencial com essas artes dificulta a leitura de literatura, pois alunos e pro- fessores não dispõem de informação e vivência cultural para elaborar novos significados quando se encontram com um texto que faz menções a dimensões que transcendam o imedia- tismo.

Até mesmo a ausência de cultura letrada ainda é sentida na maioria das escolas públi- cas do Oeste do Pará, isso é um dos fatores determinantes para o fim de iniciativas de levar a ler, pois imprimem condições sociais similares a que Geraldi (2010, p. 110) comenta:

Um paradoxo constante nas exigências feitas à escola e aos seus professores: há que formar leitores proficientes sem que o acesso aos objetos de leitura tenha sido universalizado, estando excluídos dos mundos dos livros, das li- vrarias e das bibliotecas muito dos alunos e frequentemente muitos dos pro- fessores pela inexistência de condições sociais de leitura.

É patente observar que as escolas que não dialogam com a cultura letrada e com as ar- tes estão longe de serem escolas de verdade. Segundo Beisegel (apud GERALDI, 1988, p. 21),

A população precisa continuar lutando para que esta escola deixe de ser de mentira e se transforme em alguma coisa que corresponda a seus interesses. Uma escola que corresponde aos interesses populares não será nunca, como pretendem alguns setores mais conservadores do pensamento pedagógico, uma escola que se limite a ensinar literatura, cálculo e outras noções elemen- tares. Esta escola deverá ser, também, uma escola que discuta, ao mesmo tempo, o próprio conhecimento que está sendo transmitido, explicite os con- ceitos, os conteúdos ideológicos que estão sendo transmitidos.

No que tange ao saldo das iniciativas de ler literatura em lugares distantes, algumas li- ções foram positivas e indicam possibilidades criativas. O Armário de leitura avançou as pos- sibilidades de ofertar leituras porque conseguiu unir programas de ler em torno de um objeti- vo comum, o aluno, talvez pela perspicácia das agentes, esforço próprio, disponibilidade e o apoio da Escola PA 254 KM 11 que trabalha com um ideário comum de educação.

Importante observar que as outras escolas onde foram instalados os espaços: Isanildes das Neves e Cantão da leitura também fazem parte do projeto PNAIC e receberam até mais livros do que a PA 254 KM 11, estão localizadas mais proximamente da zona urbana, porém estas condições não foram suficientes para garantir a adoção dos espaços como patrimônio primordial para a educação de todos.

O trabalho das práticas de ler literatura com os alunos e professores envolvidos no pro- jeto se mostraram muito profícuas. No início, as atividades giravam em torno da obrigatorie- dade de ler e mostrar um produto dessa leitura. Passados alguns meses, tantos os professores- agentes de leitura como os alunos começaram a perceber que desenvolver a leitura silenciosa, rodas de leitura, leitura compartilhada, leitura pública, leitura em voz alta, leitura teatralizada, leitura coletiva era o motivo suficiente para ampliar conhecimentos novos e, assim, esta apa- rente liberdade é que possibilitou que o livro A culpa é das estrelas, de John Green se tornasse o campeão de empréstimos e de leitura na Comunidade da PA 254 KM 11. A história do amor de dois adolescentes mexeu com o imaginário dos alunos do lugar que até adquiriram o filme para conhecer mais sobre Hazel Grace e Augustus Waters.

Na Comunidade do Ipanema, três livros foram bastante lidos pelo público, e um aca- bou criando uma espécie de corrente de leitura entre as meninas que foi – O livro dos amores, de Gabriel Chalita, Contos do baobá, de Maté, colocou os adolescentes em contato com o exotismo da África e Chapeuzinho amarelo, de Chico Buarque com ilustração de Ziraldo, foi o mais lido entre as crianças do PNAIC.

Outro resultado positivo dessas atividades foi comprovar que a materialidade de um lugar de ler através dos espaços criados ajuda na promoção de leitura. Toda forma de incenti- vo traz práticas subjacentes, porém nem sempre as realiza, no máximo alude, anuncia, sugere. Objetivamente as práticas acontecem em momentos que as pessoas leem nos saraus, clubes de leitura, encontros em que as pessoas se põem a ler e criam condições favorecedoras para isso.

Entender a leitura literária como um bem edificador é do senso comum na nossa soci- edade e aparentemente as ações de fazer ler acontecem a todo momento, as propagandas estão aí para comprovar o comprometimento de instituições (“leia para uma criança”; “leia mais, seja mais”; “No mundo moderno com tanta informação”... Há ainda quem não conheça essa emoção. Programe a TV, desligue o PC e leia um livro”; “Desliga a Televisão e vá ler um

livro.”)15. Mais ações de ler têm acontecido quando promotores, mediadores, professores sen-

tam com as pessoas e leem para todos.

Porém, tudo isso não é suficiente, há a necessidade de construir uma materialidade de ler para causar a leitura. A materialidade causadora de leitura foram os Espaços construídos nas comunidades que passaram a ser provocação para o ato de ler. Como já salientado, essas comunidades não dialogam com os bens culturais da classe dominante e a apropriação da cul- tura letrada poderia ser uma forma de instituir a contrapalavra dessa gente, porém a tarefa de divulgação dos bens culturais letrados é tarefa quase exclusiva da escola, por isso, os lugares de ler funcionaram como embrião de futuras bibliotecas. Como fala Chartier (1999, p. 69):

Uma biblioteca não é edificada para satisfazer prazeres egoístas, mas porque não há “nenhum meio mais honesto e seguro para adquirir um grande reno- me entre os povos do que construir belas e magníficas bibliotecas, para de- pois consagrá-las à utilidade pública.

O pensamento de Chartier abrange a ideia ideal de biblioteca, mas a construção desses espaços perpassa os limites e possibilidades de promover a leitura, razão porque as ambições dos agentes eram mais limitadas e escolheram equipar o lugar com um acervo de livros de literatura.

A organização do Espaço também despertou o interesse de ler: a classificação dos li- vros por gêneros e classificação temática (literatura africana, literatura indígena, literatura em quadrinhos, literatura clássica, etc.) aguçava os leitores a descobrirem o que estava escondido no meio daquelas páginas. O colorido do ambiente com frases mesmo que soltas sobre porque é bom ler literatura funcionava como convite para adentrar o espaço, almofadas para deitar durante a leitura fazia com que o ambiente causasse mais conforto e liberdade do que ler na sala de aula em cadeiras desconfortáveis. Os vidros transparentes do Armário de ler mostra- vam que lá dentro existem tesouros a serem descobertos, os livros arrumados expondo as ca- pas funcionavam como um seja bem-vindo à leitura. Um varal cheio de livros era a oferta de novidades para aquele dia. A oportunidade de reunir um grupo de pessoas em um espaço para discutir um livro lido por todos foi uma experiência ímpar que agentes e alunos experimenta- ram nesses lugares.

15 “leia para uma criança” é uma propaganda do Banco Itaú; “leia mais, sela mais” foi uma campanha de leitura

do governo federal; “No mundo moderno com tanta informação... Há ainda quem não conheça essa emoção. Programe a TV, desligue o PC e leia um livro”. Propaganda de leitura do blog edilsonpublicidade.blogspot.com; “Desliga a Televisão e vá ler um livro!” Propaganda que circulou na MTV em 2004.