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Análise e discussão da experiência de construção do mapa de Orientação

7 ANÁLISES E DISCUSSÕES DOS DADOS OBTIDOS DURANTE AS

7.4 Análise e discussão da experiência de construção do mapa de Orientação

O processo de elaboração de um mapa é algo intensamente dialético. Independentemente do passo inicial, a partir de uma folha em branco o indivíduo constrói uma representação do pensamento baseada em sua visão de mundo, com as interações possíveis em seu meio cultural e mediadas pela linguagem que irá dialogar com conhecimentos internalizados anteriormente.

Para iniciarmos a elaboração de um mapa não há uma regra predeterminada de onde começar. Embora, muitos manuais tentem estabelecer um “passo a passo”, com as etapas pré- determinadas, o ponto de partida depende das circunstâncias colocadas para cada indivíduo, que, baseado nos conhecimentos que possui irá construir do seu jeito.

Para Bertin (1980, p.173) a produção de um mapa leva-nos a tomar uma decisão e escolher entre dois níveis de informações espaciais a serem representados: um elementar, no qual a preocupação é saber o que existe em tal lugar, e o outro é o nível de conjunto, cuja preocupação fundamental é saber onde está tal objeto indicado. Essa decisão é influenciada pelos interesses e finalidades, ou do objetivo de uso para o qual será feito o mapa. Se for uma planta urbana, um mapa das religiões, uma carta topográfica ou um mapa de uso e ocupação do solo de uma região, em todos os casos deve-se levar em conta o interesse do público que irá lidar com o mapa e o seu grau de generalização e a sua legibilidade devem ser coerentes com essa finalidade.

No entanto, em se tratando do mapa para a prática do esporte Orientação, ele deve procurar atender a esses dois níveis de informação: nível de conjunto - onde está tal objeto? e, nível elementar - em tal lugar o que é que existe lá? Pois a leitura do mapa envolve, de forma dinâmica e simultânea, o domínio dessas duas habilidades de percepção visual. Num primeiro momento o praticante (leitor do mapa) procura de forma instantânea a relação entre o símbolo indicado na sinalética10 (legenda do mapa de Orientação) e seu correspondente representado

10 Quadro, colocado num canto do mapa ou no cartão de descrição, para informar ao participante de uma pista ou percurso de Orientação o que ele vai encontrar em cada ponto de controle, que está sinalizado com um prisma no

no corpo do mapa e relacionado com a observação no terreno. O nível de informação mais relevante nesse caso, e que deve ser priorizado pelo mapeador diz respeito à localização “tal” objeto “onde está”? Portanto, trata-se de uma informação pontual em que o nível de conjunto deve ser priorizado, tendo em vista que o leitor ou praticante irá buscar no conjunto representado em todo o mapa e observado no terreno, o local onde está o ponto de controle sinalizado pelo símbolo visual indicado no mapa. Em seguida, durante o deslocamento no terreno, o praticante deve saber o que tem em tal lugar, tendo em vista a escolha da melhor rota ou caminho a seguir até o ponto de controle. Trata-se com isso, da habilidade de orientação para seguir uma direção, orientada pelo mapa. Ao chegar ao local sinalizado pelo ponto de controle é necessário saber o que há nesse local, se o objeto indicado na sinalética corresponde ou tem relação com aquele observado ali no terreno. Portanto, os dois níveis de informações são relevantes e ambos precisam ser contemplados na produção do mapa, para que haja maior clareza e legibilidade.

Essas questões teóricas foram discutidas e refletidas com o grupo de professores em sala de aula, antes de iniciarmos as atividades práticas. Além disso, foi realizada uma avaliação diagnóstica com os professores para termos uma noção do grau de domínio de alguns conceitos fundamentais que seriam usados na construção do mapa, e complementados com as considerações peculiares ao esporte Orientação.

As demandas criadas no momento de representar o espaço real observável numa folha de papel colocaram em evidência as necessidades de domínios conceituais relacionados às noções espaciais e linguagem cartográfica. Mostraram também que os conceitos, entendidos de forma isolada, não foram suficientes no momento da aplicação de construção de um mapa. Isso gerou problemas e questionamentos apresentados durante as atividades, como “a localização é realizada antes ou depois da construção do mapa? O que é mais lógico dentro do raciocínio?” ou “a definição do norte magnético ou do norte geográfico deve ser feita antes ou depois do desenho do mapa?” e ainda, “se um leitor ao olhar um mapa sem a orientação espacial, como deve proceder?” Nesse caso, foi importante ressaltar que mesmo não tendo a indicação do norte magnético ou geográfico o leitor deve ter condições de orientar-se. Deve procurar encontrar no mapa a representação da imagem de algum objeto de referência que lhe dê condições de associá-lo com o terreno e a partir daí buscar orientar-se em relação a outros objetos presentes na paisagem. Essa percepção, que segundo os pressupostos piagetianos, é uma aquisição que acontece quando ainda se é jovem, quando está ocorrendo o terreno. O quadro completo dos símbolos pode ser visto na figura 14 - Simbologia do Cartão de descrição do mapa de Orientação.

desenvolvimento das relações espaciais projetivas e euclidianas. Desse modo, espera-se que seja possível estabelecer essas relações, independentemente da presença de indicações do norte geográfico ou magnético no mapa.

Após analisar as questões, de forma coletiva, o problema foi sendo esclarecido. Observamos que a definição da situação geográfica da área mapeada dentro de um sistema de coordenadas deve ser realizada após o desenho do mapa, tendo em vista se tratar de uma área pequena numa escala cartográfica muito grande. No momento da construção do mapa o importante não é determinar as posições absolutas dos objetos e sim as posições relativas de acordo com o referencial do norte magnético, usado nos mapas de Orientação. Discutimos também que, se fossemos construir um mapa de uma grande área em escalas cartográficas pequenas, a indicação dos marcos referenciais das latitudes e longitudes antes de começarmos fazer o mapa seria de grande utilidade.

O exercício de colocar os objetos de acordo com as cores para diferenciá-los foi exigindo dos professores a habilidade de lançar mão de conhecimentos e das convenções estabelecidas para os mapas e colocá-las em prática nesse processo de construção. As convenções e cores adotadas foram aquelas estabelecidas pela IOF para os mapas de Orientação, por isso deveríamos colocar as cores de acordo com essa normatização:

• Azul, para elementos da hidrografia;

• Amarelo e Verde, para elementos da vegetação; • Castanho / marrom, para elementos do relevo;

• Preto, para objetos construídos artificialmente (pelo homem).

No entanto, durante a construção do mapa, percebi que os professores dialogavam entre si, em relação a conhecimentos que já possuíam mesmo antes desse curso e das discussões que havíamos realizado. Isso mostra que o conhecimento é resultado de um processo histórico, que se obtém ao longo da formação, no ensino básico, superior e, principalmente, em experiências cotidianas. Assim, as atividades buscaram oferecer um problema, com objetivos claros e motivadores, para que pudessem colocar em ação seus saberes e experiências anteriores, possibilitando a construção de novos conhecimentos.

Dessa forma, os professores puderam colocar em prática os conhecimentos que havíamos discutido sobre o uso das cores nas representações, relembrando que estas são definidas e padronizadas em função dos interesses operacionais de cada órgão produtor, e que são convencionadas dentro de um cenário cultural próprio. Para ilustração desse aspecto, relembramos os mapeamentos das tribos indígenas do Acre, relatado pela professora Regina

Araújo em seu trabalho com nativos daquela área, os quais atribuem a cor amarela aos rios, como forma de aproximar a representação simbólica com a realidade da cor das águas dos rios que banham aquela Região.

O desenho do mapa foi sendo construído a partir de vários rascunhos e melhorado até atingir um nível de clareza que consideramos satisfatório para ser lido e interpretado por outra pessoa. Cada vez que analisávamos em grupo íamos melhorando-o, inserindo ou eliminando aquilo que pudesse facilitar ou comprometer a legibilidade do mapa. As figuras a seguir mostram uma sequência de desenvolvimento de um dos professores participantes das atividades (Figuras 31, 32, 33 e 34), em que os conceitos associados aos elementos gráficos foram inseridos à medida que iam surgindo as demandas para uma melhor legibilidade.

Figura 30 – Construindo o mapa de Orientação 1. Fonte: Diário de uma professora. Organizado pelo autor.

Figura 31 – Construindo o mapa de Orientação 2. Fonte: Diário de um professor. Organizado pelo autor.

Figura 32 - Construindo o mapa de Orientação 3. Fonte: Diário de um professor. Organizado pelo autor.

Figura 33 - Construindo o mapa de Orientação 4. Fonte: Diário de um professor. Organizado pelo autor.

No início (fig. 31), observa-se que há muitas indefinições. A folha em branco colocada sobre a prancheta ainda não tem a orientação do norte magnético definida, a escala que seria usada na representação, nem a legenda ou quantidade de objetos da paisagem que seriam colocados. Percebem-se os rabiscos na folha, feitos em forma de croqui à mão livre, sem o apoio de régua, bússola ou lápis de cor. Apenas com uso do lápis tentou-se alocar alguns objetos que eram percebidos no campo visual, ao mesmo tempo em que se esboçou a necessidade de estabelecer a escala do desenho para que toda a área a ser mapeada coubesse em uma folha do tamanho A4.

Nas figs. 32 e 33, o rascunho apresenta alguns elementos que serão utilizados na construção do mapa. As linhas indicativas do norte magnético, a escala e convenção simbólica, incluindo o uso da cor para representar ruas pavimentadas, já podem ser observadas na figura, demonstrando a colocação em ação de saberes que foram sendo desenvolvidos.

Na figura 34, pode-se perceber um esboço mais bem elaborado do mapa, em que os elementos colocados já permitem uma boa leitura e interpretação da área mapeada. Observa- se que o mapa já contém um título, linhas indicativas de orientação para o norte magnético, escala numérica e gráfica bem representadas, indicação de uma coordenada geográfica, além da legenda usando símbolos e cores representativas.

Uma preocupação comum da maioria dos participantes foi a definição sobre o que deveria ser desenhando no mapa. Essa preocupação foi constatada quando praticamente todos se juntaram ao comentário de um dos professores que disse: “e agora professor o que é que a gente coloca (desenha) na folha? (P9). É importante saber quais e quantos objetos devem ser alocados do terreno e mostrados no mapa, tendo em vista que os professores que irão trabalhar a construção de mapas com seus alunos devem considerar tais particularidades no momento das escolhas do que será representado em seus mapas. Essa consideração é fundamental para que haja de fato a construção de sentidos e identidades com aquilo que está sendo construído ou desenvolvido.

Daí surgiu a discussão sobre o que os mapas mostram de fato. Foi um momento oportuno para refletirmos sobre as influências culturais e os interesses por traz da construção dos mapas. Sabemos que, dependendo dos interesses do mapeador ou empresa responsável pelo mapeamento, pode-se alterar completamente a aparência do mapa, influenciando diretamente a visão e interpretação do leitor. Analisando os mapas e imagens produzidas pelas sociedades ao longo da História, Martinelli (2010) mostrou há estreita relação entre as representações impressas nos mapas e suas visões de mundo e culturas dos povos.

O mapa a ser construído pelos professores participantes do curso seria um mapa específico para ser usado em uma modalidade esportiva, portanto deveria ser construído dentro das especificações estabelecidas pelas normas da IOF. A escala do mapa deveria mostrar o maior número de objetos que fossem significativos à execução do percurso de Orientação, não comprometendo a leitura detalhada do mapa pelos participantes durante sua realização.

Os questionamentos sobre o que mapear gerou um desdobramento no debate levando- nos a uma reflexão sobre a finalidade e ideologia presente nos mapas, o que contribuiu para fortalecermos a preocupação e responsabilidade ética na produção dos mapas para os estudantes.

Para realizarmos a construção do mapa foi pedido inicialmente aos professores que desenhassem ou representassem, numa folha de papel, a área que havíamos definido previamente. No momento em que começaram a esboçar um rascunho na folha perceberam a necessidade de estabelecer a escala adequada para a construção do mapa. Essa necessidade foi percebida pelos vários questionamentos feitos pelos participantes: "professor! qual é o tamanho dessa área? como saber a distância entre o quiosque e a moita de bambu?” ou ainda, "como esse quiosque vai ficar, de que tamanho aqui no mapa?” Destas e de outras observações, foi possível fazer algumas considerações.

A percepção da escala cartográfica ocorreu no momento em que os professores se viram diante de um problema real que teriam que resolver usando a escala como um recurso necessário para sua solução. Vimos, portanto, que a compreensão do significado e da necessidade do uso da escala cartográfica no desenho, assim como o sentido para uso da mesma só foi atingido quando da realização de uma atividade prática, cujo comando colocou- lhes diante de um desafio a ser enfrentado. Isso os levou a refletir sobre o significado estabelecido e a criar formas de pensar e construir novos sentidos para uso da escala naquela situação em que se encontravam. Alguns argumentos e colocações atestam essa afirmação como o questionamento feito por uma das professoras: “como vamos saber calcular a distância entre os lugares ou tamanho de determinados objetos sem a observação da escala do mapa?” (P6) . Outro professor (P3) questiona, e diz que: “da forma como é ensinado na sala de aula (a partir da memorização da fórmula matemática (E=d/D)11 apenas), não se percebe um sentido real para uso da escala”. Dessas indagações e do comportamento observado,

11 Neste caso a Escala (E) é a relação entre o tamanho representado no mapa e o tamanho no espaço real. Indica o quanto o espaço real foi reduzido para caber no desenho; d – é a unidade gráfica ou numerador da fração escalar desenhado no mapa, e (D) – é o tamanho real, medido no terreno.

infere-se que tanto o significado como o sentido para o uso da escala não havia sido percebido e nem apreendido pelos professores durante as explicações em sala de aula, ou durante seus processos de formação, mostrando que a forma como haviam entendido esse conceito os conduzira a uma aprendizagem mecânica, em que os conceitos entendidos são esquecidos rapidamente, não se consolidando como uma aprendizagem significativa, que permite o pensar diante de uma situação problema futura.

Por outro lado, quando foram acionados por um comando para realização de uma tarefa em uma experiência concreta, em que as habilidades em operar com vários conceitos foram exigidas, os professores começaram a estabelecer vínculos e colocar em prática seus conhecimentos para solucionar um problema real. Para esse problema pré-estabelecido com um objetivo claro deveriam buscar uma solução, a saber: construir um mapa detalhado de um determinado recorte espacial para ser usado em um percurso de Orientação. Percebeu-se que essa situação-problema configurou-se em uma situação de aprendizagem, em que os professores puderam colocar em ação seus saberes e desenvolver outras habilidades inerentes à prática da construção de um mapa. Essa condição os colocou em contato direto com a realidade e dessa forma foi possível estabelecer a relação daquilo que dominavam com aquilo que estavam vendo ou percebendo na realidade que deveriam representar numa folha de papel.

Para auxiliá-los na percepção das noções de distância e redução, associadas ao conceito de escala cartográfica, foi proposta uma tarefa no espaço real, relacionada à representação gráfica no mapa. Cada professor deveria fazer a contagem do “passo duplo”, técnica utilizada pelos praticantes do esporte Orientação. Trata-se de uma aferição aproximada da distância a partir da contagem da quantidade de passos de cada professor, necessários entre dois pontos de referência. Para realizar essa aferição, primeiramente precisamos ter uma referência (gabarito) de medida que pode ser de dez, cinquenta ou cem metros. Depois disso cada professor percorreu essas distâncias contando quantos passos foram necessários em cada deslocamento. Após realizar esse deslocamento por três vezes obteve-se a média de cada um, sendo possível ter uma noção aproximada de cada passo e sua relação com a distância a ser percorrida.

Na atividade, a experimentação dessa noção de distância por meio da contagem dos passos e sua relação a uma distância real, demonstrou ser um importante instrumento para aproximar a percepção do espaço real à sua possível representação no mapa, que estavam a desenhar numa folha de papel.

Houve a necessidade de uma definição prévia da escala para a construção do mapa, tendo em vista que a área escolhida deveria caber dentro de uma folha de papel formato A4 (21cm x 29,7cm), o que nos obriga a fazer o processo de redução da realidade quantas vezes for necessário até atingir um tamanho que caiba na folha. Com isso pudemos refletir sobre a função da escala e sua importância dentro do mapa, a qual foi definida para que pudéssemos estabelecer a proporção entre o tamanho gráfico e o tamanho dos objetos presentes no terreno. Em relação ao desenho de uma borda na folha de papel para estabelecer o limite do desenho e a parte da folha onde seriam representados os objetos, o questionamento mais comum foi em relação à orientação da folha quanto à verticalidade ou horizontalidade e comprimento ou largura, e depois onde colocariam cada um dos objetos que seriam representados na folha. Um professor questionou se: "para sabermos onde vamos desenhar os objetos na folha precisaríamos saber qual é sua orientação em relação a outras coisas?” (P4), evidenciando a dúvida quanto à necessidade de localizar e orientar-se em relação a algum ponto de referência. Essas dúvidas e questionamentos foram discutidos em grupo, o que levou os participantes à percepção de que a folha, na qual começariam a desenhar o mapa precisava ser orientada a partir de alguma referência espacial. Em nossos exercícios utilizamos o norte magnético, tendo em vista que na prática do esporte Orientação os mapas são construídos com esse referencial. O mesmo aconteceu no momento de desenhar o percurso, onde seriam colocados os pontos de controle (prisma): "professor como vou saber a direção daquele prisma se não temos uma referência espacial? desse jeito ficamos perdidos!" (P9). A partir dessa necessidade, percebeu-se a validade da orientação da folha como pré-condição para iniciar o desenho de um mapa e depois para orientar-se por ele.

As dúvidas sucessivas e os diálogos em relação à orientação da folha sugeriram que o posicionamento do mapa (orientação do mapa) é fundamental, e a diferença entre os referenciais de orientação do mapa pelo Norte Verdadeiro (Geográfico) e pelo Norte Magnético (indicado pela bússola) deve ser considerada. As discussões posteriores possibilitaram apontar alternativas para que pudessem desenvolver o raciocínio e o significado dos referenciais convencionados na produção dos mapas. Percebeu-se que estando orientado corretamente o mapa torna-se um instrumento mais eficiente para a comunicação das informações espaciais e, dessa forma, possibilita a interação do leitor com os objetos e as paisagens representadas, além de permitir, por meio dele, orientar nossos deslocamentos.

7.5 Análise e discussão das atividades de construção e leitura de um mapa com o