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Análise e discussão das atividades de localização e orientação espacial

7 ANÁLISES E DISCUSSÕES DOS DADOS OBTIDOS DURANTE AS

7.1 Análise e discussão das atividades de localização e orientação espacial

Quando da abertura para o diálogo e relatos sobre seus saberes e práticas cotidianas, houve muita dificuldade em obter manifestações, possivelmente devido à preocupação de não se exporem num primeiro instante e pelo fato de ainda não termos desenvolvido uma relação minimamente afetiva, o que é compreensível em qualquer início de interação. Esse comportamento se verifica também, em nosso dia a dia em sala de aula. Quantos de nossos alunos também não se manifestam diante de uma pergunta do professor em função de timidez ou receio de errar e se sentirem ridicularizados perante os colegas? No entanto, esse não é um comportamento aceitável em se tratando de professores que têm como pressuposto a necessidade de comunicação diária com o público. Portanto, o primeiro desafio foi motivá-los a participar das atividades propostas.

A estratégia utilizada foi convidá-los a se dirigirem até a frente da sala, e ficarem em pé, na forma de círculo, e realizarmos as tarefas em conjunto, o que foi prontamente atendido por todos.

Diante da primeira solicitação, para que indicassem no mapa a localização do lugar onde estávamos e a direção para o bairro onde moravam, foi possível perceber suas

competências e dificuldades em relação às noções espaciais relacionadas a esses dois conceitos, de localização e orientação.

Algumas relações espaciais topológicas, baseadas na lateralidade corporal, foram confundidas com as noções cardeais de Leste-Oeste e Norte-Sul, que servem de referenciais nas representações cartográficas. Como já discutido, algumas pesquisas sobre cartografia escolar já mostraram essa dificuldade de coordenação corporal e espacial em crianças e adultos (Oliveira, 1978; Simielli, 1996). As noções de direita/esquerda e em cima/embaixo são confundidas com as de leste-oeste e norte-sul, respectivamente. Essa confusão pode ser percebida pela forma como os professores manusearam o mapa. Durante as atividades foi comum o emprego de um método de apresentar o mapa aos alunos, que se repetiu com a maioria dos professores, aquela em que se coloca o mapa posicionado de forma vertical, pendurado no quadro ou na parede. Quando perguntado se essa era a melhor forma de apresentar o mapa aos alunos, alguns se manifestaram indagando "como é que os alunos vão ver o mapa se não colocarmos na parede?” (P4) ou ainda em tom de exclamação "só se a gente colocar o mapa no chão!” (P3). Como foi percebido, essa prática de colocarmos o mapa na posição vertical se repete nas aulas de Geografia e isso tem contribuído para cristalizar uma confusão em quem está observando e tentando fazer a leitura do mapa. O observador, a partir de seu campo visual, faz uma associação tendo como referência a relação do próprio corpo com as orientações espaciais de leste-oeste, como se fosse direita-esquerda, e norte-sul, como se fosse em cima-embaixo. Para ilustrar essa confusão que se cria no pensamento quando se coloca o mapa na vertical, Miranda (2007) destaca que:

Essa ideia equivocada de que o norte é ou está em cima e o sul embaixo pode se dar também pelo uso comum de mapas colocados na vertical, como na lousa e nas paredes da sala de aula ou na TV e no monitor de vídeo do computador. Mas, mesmo com o mapa colocado na horizontal, essa ideia pode se originar ainda pela orientação convencional dos mapas com o norte correspondendo à parte superior do suporte que, no uso convencional da folha de papel, corresponde a para cima e, a parte inferior, para baixo, como empregamos essas direções na folha quando desenhamos. [...] relacionar os hemisférios do globo com lados e partes do corpo, só pode reforçar aquela associação rígida e equivocada com norte-sul e em cima-embaixo e também entre direita-esquerda com leste-oeste, como se os hemisférios do globo e as direções cardeais existissem ou fossem definidas no próprio corpo, contribuindo para uma “incorporação” das direções geográficas pelo aluno (MIRANDA, 2007. p.8-9 ).

Ao colocarmos o mapa sobre uma mesa (Fig. 28) e, depois no chão, para que pudéssemos mudar nosso ponto de vista e buscar compreendê-lo sob um novo olhar,

constatamos uma mudança de raciocínio e a forma de se localizar no mapa e se orientar por ele.

Figura 26 – Exercício de localização e orientação do mapa sobre a mesa. Fonte: fotografia produzida pelo autor.

Ao descrever as mudanças no pensamento com a colocação do mapa em posição horizontal para facilitar a localização e orientação, alguns professores reconheceram os ganhos dessa mudança dizendo que "assim temos outra visão, porque o mapa tá colocado como se tivesse em cima da Terra, parecendo que estamos olhando e andando sobre ele” (P5). Outros disseram que já dominavam essa técnica, de colocar o mapa na horizontal para facilitar sua leitura, mas não aplicam em sala de aula "por que dá muito trabalho, vira uma bagunça” (P9). Ao perceber que o mapa na mesa é outra forma de observar essa representação da Terra, e que parecia que estávamos andando sobre ela, percebemos melhor, a relação que se estabeleceu entre a representação do espaço terrestre visto de cima e sua correspondência gráfica no mapa, diferentemente da forma anterior manifestada, em que o mapa estava colocado na posição vertical, como se fosse uma representação rebatida.

Outra confusão percebida foi quanto às noções do movimento da Terra. Alguns professores entendiam o movimento de rotação em sentido contrário ao que realmente acontece, o que pode ser constatado em colocações feitas, como: “você tem certeza disso, eu sempre ensinei que a Terra gira de leste para oeste” (espanto de alguns!) ou ainda, “nesse mapa de Uberaba onde o sol está nascendo?” Outro sugeriu que tem problemas ao ensinar a dinâmica desses movimentos dizendo “e, agora você bagunçô minha cabeça”, “eu não tinha aprendido isso”.

Essa confusão reflete as incompreensões quanto ao domínio das direções cardeais norte, sul, leste e oeste, essenciais para a coordenação do pensamento sobre localização e orientação espacial em qualquer lugar da Terra. Isso dificulta, também, o entendimento dos sistemas de coordenadas presentes nos mapas e que servem de referências de localização na definição da latitude e longitude de um lugar.

Ao apresentar as alternativas de uso de tecnologias em sala de aula, alguns professores disseram que não tinham condições de usar esses recursos em sua escola e pediram para indicar outras possibilidades viáveis para serem usadas de forma mais fácil. Uma importante sugestão apresentada foi sobre a facilidade e viabilidade de se utilizar um Globo terrestre, que é um instrumento para mostrar os movimentos da Terra e suas relações com as noções de Leste Oeste, dias e noites e fusos horários, embora apresente alguns inconvenientes quanto à escala (muito pequena) e dificuldade de manuseio. No entanto, foi relatado por alguns, e depois verificado junto à secretaria de educação do Município, que na maioria das escolas municipais de Uberaba há uma sala equipada com computadores, “São computadores de uso da comunidade escolar e neles estão instalados alguns programas educacionais, mas, esses laboratórios são subutilizados por falta de treinamento e estímulo aos professores ou ainda, por aversão de alguns em relação às novas tecnologias” (P7) como afirma um dos professores. Quanto ao uso da bússola, após algum tempo de reflexão individual com a bússola na mão, começaram os depoimentos demonstrando que a maioria não havia sequer tido contato ou manuseado uma bússola em toda sua vida. Alguns disseram que “um professor de cartografia na faculdade havia mostrado uma bússola, uma vez em sala de aula” (P2), mas que não havia usado em situação alguma. Outro afirmou que “não trabalho o uso da bússola com meus alunos por dois motivos: primeiro porque não domino e não aprendi e segundo porque não vejo muita necessidade” (P4). Esse professor justificou ainda, que “hoje com o uso do GPS, não vejo utilidade para a bússola” (P4).

Diante das manifestações de confusões em relação ao norte e sul relacionadas com vertical e horizontal da folha, pedi para que fizessem das duas maneiras e observassem se houve alguma mudança de raciocínio. Perceberam que não importa o sentido da folha em branco e que os referenciais são convenções que estabelecemos em acordo com determinados grupos. Indiquei que numa folha em branco pode-se estabelecer o referencial de norte magnético em qualquer sentido ou direção: horizontal ou vertical, comprimento ou largura. Após definido o referencial é que se deve fazer a orientação da folha e a partir daí manter esses referenciais. Essa liberdade para colocação dos referenciais permitiu que os

participantes colocassem as linhas indicativas do norte magnético, tanto no sentido horizontal como vertical da folha, como pode ser visto na figura a seguir (Fig. 27).

Figura 27 - Esquema de indicação do norte magnético na folha de papel-1. Fonte: Diário do professor P6 e organizado pelo autor.

Figura 28 - Esquema de indicação do norte magnético na folha de papel-2 Fonte: Diário do professor P9 e organizado pelo autor.

As atividades propostas tinham como foco promover o domínio das noções espaciais relacionadas às habilidades de localização e orientação do mapa e com o mapa, além de apresentar a possibilidade de uso de uma bússola como instrumento auxiliar de navegação terrestre. As tarefas foram planejadas no sentido de se criar algum problema concreto para ser resolvido, em que houvesse o máximo de interação possível entre o que os professores já dominavam em termos de conhecimentos abstrato desses conceitos e que possibilitasse efetiva aplicação desses conceitos em uma atividade. A resolução de um problema, como observou Vigotsky, “corresponde a um processo real de formação dos conceitos, pois não se constrói de modo mecânico, apenas através da transição do concreto para o abstrato”, mas pensando e aplicando-os em uma situação real (VIGOTSKY, 2009, p.165).

A partir das atividades desenvolvidas foi possível constatar as dificuldades de alguns professores em relação a essas habilidades, que exigem o domínio dos conceitos de localização e orientação espacial. Elas ficam refletidas em suas práticas de sala de aula, como se verificou nas metodologias aplicadas para ensinar esses conceitos em suas aulas e descritas por eles durante os diálogos na experiência. Portanto, as observações e narrativas dos professores revelaram dificuldades em operar com noções de localização e orientação espacial, consideradas essenciais em qualquer atividade de deslocamento cotidiano ou no processo de leitura de representações cartográficas quando se faz necessário.

Um fato importante foi a percepção das carências conceituais e o desejo de aprender, para ensinar melhor a seus alunos, como visto na fala de um professor ao dizer “eu nunca tinha visto o mapa de minha cidade, e lógico nunca trabalhei ele com meus alunos” (P1), reconhecendo o desconhecimento de um meio material essencial nas aulas de Geografia de sua cidade.

Quando foi solicitado que localizassem o ponto onde estávamos no mapa do município, houve uma série de questionamentos como: “onde olho pra saber o lugar onde estamos?” ou ainda, “onde vejo as coordenadas desse lugar?” O mesmo aconteceu em se tratando de orientar o mapa e pelo mapa. A direção ou percurso a seguir do local onde estávamos até sua casa foi uma tarefa que demandou muitos debates. Portanto, essas duas noções, apesar de serem abstratas revelam o domínio e autonomia de um indivíduo em seus deslocamentos cotidianos. Quando não sabemos operar com tais noções comprometemos nossa cidadania geográfica e, sobretudo, o processo de ensino desses conceitos a nossos alunos.

Alguns procedimentos essenciais em nosso cotidiano ainda é objeto de grandes problemas em seu aprendizado no ambiente escolar, como orientar-se em relação a algum

ponto de referência, ou mesmo posicionar o mapa de forma correta durante sua leitura ou interpretação. Essa constatação ficou evidente quando muitos professores disseram ensinar de acordo com um modelo que aprenderam, ainda quando eram estudantes do ensino básico, tentando relacionar o uso do corpo como único parâmetro para coordenar sua orientação espacial. Nesse caso o referencial teórico clássico é aquele trazido, ainda hoje, na maioria dos livros didáticos, com a figura de uma criança de braços abertos em forma de cruz, apontando com o braço direito para onde o sol nasce, a leste e esquerdo, o seu oposto, a oeste. Na sua frente o norte e o seu oposto atrás, o sul.

No material didático (Sistema Estruturado de Ensino), utilizado pelos professores da rede municipal de ensino em Uberaba, essa figura também é a principal referência de orientação aos alunos e professores sobre a forma correta de se orientar no espaço (Fig. 30). Nesse caso, os referenciais corporais de direita, esquerda, em cima e embaixo, são associados aos pontos cardeais definidos a partir do movimento aparente do sol.

Figura 29 – Representação da orientação usando o corpo em relação ao sol. Fonte: Sistema estrutura de ensino (acervo CENEC). Apostila usada do 6º ano.

Embora esse procedimento, já cristalizado e colocado no centro dos procedimentos adotados por muitos professores de geografia, não seja incorreto, seu uso merece um cuidado especial ao coordenar as referências do corpo em relação aos astros ou outros meios naturais. Essa prática, se mal orientada pode gerar uma confusão ou naturalizar uma ideia de que a direita do corpo sempre corresponde ao lado leste, a esquerda é o mesmo que oeste, e assim por diante.

Miranda (2007) em seus estudos sobre o desenvolvimento destas noções espaciais afirma que “o ensino-aprendizagem da orientação geográfica não pode se restringir a esse procedimento, sendo fundamental compreender as direções cardeais no globo terrestre”. A

necessidade de sabermos nos orientar no espaço a partir de uma representação cartográfica é fundamental em nosso cotidiano, e deve ser uma preocupação de todos os profissionais que trabalham com a Geografia, especialmente os professores do ensino fundamental. Miranda (2007) nos chama a atenção ao afirmar que:

Chega a ser surpreendente e mesmo curioso o fato de que manuais didáticos ou propostas metodológicas para o ensino de geografia sejam documentos oficiais ou publicações do mercado editorial dirigidas aos professores, não orientem para um procedimento tão básico quanto fundamental que é posicionar corretamente um mapa para se orientar através dele, encontrar localizações e direções. Colocar as representações cartográficas devidamente orientadas pelos referenciais geográficos no local, além de fundamental para saber se orientar por elas no espaço real, já contribuiria para colocar a questão da necessidade de se coordenar os referenciais corporais e os geográficos nos mapas, no globo terrestre e no lugar onde se está na Terra (MIRANDA, 2007, p.14).

Essa confusão e naturalização, de achar que o leste e oeste são o mesmo que direita e esquerda respectivamente, foi verificada durante as atividades realizadas com o objetivo de construir e desenvolver as noções espaciais de localização e orientação. Quando foi solicitado aos professores que orientassem o mapa de acordo com os pontos cardeais e baseados nos referenciais naturais, muitos posicionaram o mapa exatamente como é indicado na figura anterior. Quando pedi para se posicionarem do outro lado do mapa, houve algumas indagações como “professor aí o mapa fica de cabeça para baixo ou de ponta cabeça”(P3) ou “professor! mas o leste não fica para direita?” (P9) e ainda “então tenho que virar o mapa também. Aí ele não fica correto”(P4). A partir dessas indagações e observando as atitudes dos professores percebi que a associação das partes do corpo com os pontos cardeais se cristalizou e dificulta a descentração. Essa dificuldade de descentração compromete a orientação por um referencial a partir de outros pontos de vista.

7.2 Análise e discussão das atividades sobre o uso de escalas cartográficas e geográficas