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Conhecendo a proposta de formação em Cartografia Escolar com uma

6 SABERES E CAMINHOS QUE CONSTITUÍRAM O ESPORTE

6.1 Conhecendo a proposta de formação em Cartografia Escolar com uma

A proposta de utilizar o esporte Orientação como atividade que auxilia na construção de conceitos da Cartografia Escolar foi baseada na hipótese de que essa modalidade esportiva coloca em prática um conjunto de situações-problemas do cotidiano escolar que potencializa significativas aprendizagens. Sua prática coloca em ação os conhecimentos que os indivíduos já dominam em termos de cartografia como referenciais cognitivos, e desperta o desejo e motivação para aprender coisas novas que sejam significativas a partir dos conceitos que já possuem. Esse princípio da aprendizagem significativa, desenvolvido por Ausubel (1968), defende que a aprendizagem de um conceito é significativa e ocorre quando as pessoas conseguem estabelecer algum vínculo entre a novidade que está sendo apresentada e aquilo que têm como referência em sua estrutura cognitiva.

As atividades envolvidas nesse esporte funcionam como situações concretas de ensino que induzem os participantes a cumprir um objetivo específico, que se configuram como a resolução de um problema, representado pelo percurso a ser realizado, colocando em ação seus saberes prévios em relação às noções espaciais e linguagem cartográfica. Desse modo, os conceitos de escala, sistemas de coordenadas e projeções, curva de nível, localização, legenda e orientação espacial, que na linguagem escrita ou verbal são descritos pelas palavras, em um mapa aparecem representados por meio de signos ou símbolos da linguagem cartográfica. O mapa é a forma material e gráfica de representação desses conceitos da linguagem cartográfica e dos fenômenos e informações espaciais. Sua leitura e interpretação devem aproximar os leitores (alunos, professores) dos seus construtores (mapeadores cartógrafos) e relacionar os temas representados, para, a partir dessas relações, construírem sentidos ou (re) significações do que está sendo representado. Dessa forma, o mapa usado para a prática do esporte Orientação aproxima esses sujeitos e permite construir e desenvolver sentidos e (re) significá-los.

As situações propostas durante os encontros com os professores foram planejadas no sentido de que os professores colocassem em movimento os mecanismos de aprendizagem significativa. Partindo de algum conhecimento ou conceito mais amplo, já dominado por eles, em relação às noções espaciais e linguagem cartográfica, procurou-se incluir novos

conhecimentos significativos relacionados a esse tema de modo que pudessem perceber a conexão e construir as resignificações, ou desenvolver novos conceitos.

As atividades propostas consideraram o modelo de ensino proposto por David Ausubel (1968) como referência para a aprendizagem significativa, que, segundo ele, ocorre quando uma informação nova se relaciona àquelas já existentes nos estudantes. Nesse caso, duas dimensões cognitivas interagem, a saber, aquela que o indivíduo já sabe, mesmo que de forma ampla por meio de conceitos mais inclusivos, e os novos conhecimentos e informações representados pelos conteúdos novos que são colocados durante uma aula ou um curso. Dessa forma, o aluno pode ampliar avaliar, atualizar e reconfigurar suas informações prévias relacionando-as e transformando-as em novas, em novos conhecimentos e modificando sua estrutura cognitiva (RONCA, 1980).

Esse modelo, proposto por Ausubel, possui uma arquitetura teórica sustentada em dois pilares fundamentais que se inter-relacionam e buscam explicar o mecanismo que ocorre no processo de aprendizagem (RONCA 1980). O primeiro envolve a dimensão da estrutura cognitiva dos indivíduos, considerando a forma e o conteúdo de conhecimentos que já possuem previamente, e o segundo trata da aprendizagem significativa. Como o próprio Ausubel descreveu, “de todos os fatores que influenciam a aprendizagem, o mais importante consiste no que o aluno já sabe”. A partir desse saber se constrói um edifício conceitual próprio de cada pessoa. Nesse modelo a estrutura cognitiva é organizada de forma hierárquica, em que alguns conceitos mais inclusivos, ou mais amplos e gerais, ocupam o topo dessa hierarquia. E, a partir desses conceitos mais amplos vai se afunilando ou tornando mais específico até se chegar naqueles conceitos bem particulares, mais restritos ou menos inclusivos. (RONCA, 1980, p. 59-60).

Para que ocorra de fato a aprendizagem significativa, segundo Ausubel, “é necessário que haja um relacionamento entre o conteúdo a ser aprendido e aquilo que o aluno já sabe, especificamente com algum aspecto essencial da sua estrutura cognitiva como, por exemplo, uma imagem, um conceito, uma proposição” (RONCA, 1980. p. 61).

Nesse processo o pensamento estabelece relações dialógicas entre aquilo que o indivíduo já possui, com aquelas informações consideradas novas, que de alguma forma se relacionam com as antigas, produzindo um novo conhecimento. Mas, para que esse processo se efetive e possibilite o desenvolvimento de aprendizagem, é preciso que essas novas informações sejam relevantes e significativas. Como destaca Moreira & Massini (1982) formar um conceito exige a internalização de um significado a partir dos aspectos objetivos e

subjetivos presentes naquilo que está sendo estudado e que o material a ser entendido deve relacionar-se à estrutura interna que está sendo estudada, de forma substancial e não arbitrária.

A aprendizagem significativa resulta de alguma experiência, por isso é importante considerar, sobretudo, os aspectos culturais que marcam e se configuram nas experiências individuais, condicionando substancialmente a internalização de novos conhecimentos. Assim, os objetivos e as ações das atividades foram planejados em coerência com as perspectivas e anseios que os professores mostraram durante seus relatos, e essa coerência foi fundamental para a motivação em participar de forma alegre e envolvente. Como sugere Guerreiro (2007, p.68) o processo de ensino e aprendizagem ocorre na relação entre aprendizagem e interação social a partir da organização de situações de ensino que promovam o potencial do indivíduo levando-o a um nível superior. O aspecto afetivo a partir de uma estreita aproximação entre os professores participantes e o pesquisador, este reconhecido e colocado também como professor do ensino básico, facilitou a condução dos trabalhos.

Dessa forma, a experiência vivenciada no curso teve como fio condutor o desenvolvimento das noções espaciais associadas aos conceitos empregados no estudo da linguagem cartográfica, a partir da experiência concreta com os professores na produção e uso de um mapa específico para a prática do esporte Orientação.

Sobre a necessidade da experiência no desenvolvimento de mecanismos perceptivos e cognitivos, Taketa (1996) realizou um estudo com alunos do ensino fundamental numa escola na Inglaterra para avaliar os conhecimentos de Geografia e Cartografia colocados em prática durante o processo de construção de um mapa ou esboço de mapa, em um pequeno recorte espacial próximo à escola. Em sua conclusão relata que essa atividade permitiu aos estudantes desenvolver noções espaciais e conceitos geográficos e cartográficos, como escala/distância, curva de nível, azimute8 e orientação espacial, os quais dificilmente seriam construídos dentro

de uma sala de aula, com o mapa pendurado na parede ou no livro didático. O fato é que, muitas vezes, o contexto escolar restringe, por vários motivos, as atividades que levariam à experimentação mais efetiva dos conceitos relacionados com cartografia.

A maioria dos participantes dessa experiência disse não ter participado efetivamente de nenhuma experiência de elaboração ou construção de um mapa, pois sempre trabalharam com seus alunos com mapas prontos disponíveis nos livros didáticos, ou pendurados na parede. Embora, todos reconhecessem a importância dos mapas no ensino dos conteúdos de

8 É o ângulo horizontal de uma linha, medida no sentido horário, a partir de um plano de referência, podendo ser o norte da quadrícula, o norte verdadeiro ou norte magnético (OLIVEIRA, 1993, p. 44). Na prática esportiva Azimute significa caminho ou direção a seguir, ou estabelecida, medida em graus a partir do grau 0, que é o Norte Magnético. É a diferença entre o norte e a direção a seguir.

Geografia, a maioria disse não possuir habilidades para construí-los. Como afirma um dos professores participantes do processo de formação dizendo que “a gente pede aos alunos para fazer um mapa da sala, ou um croqui com o roteiro da casa até a escola, mas na verdade no dia em que a gente tenta fazer um desses mapas não conseguimos fazer direito (P2)”. Nesse sentido, Oliveira (1978) destacou a importância da participação ativa no processo de construção do mapa como condição para desenvolvimento de habilidades de percepção e representação, sugerindo que,

O processo de aprendizagem exige uma participação do sujeito no meio externo, mediante experiência. Essa experiência pode ser diretamente sobre os objetos – experiência física -, o que implica uma ação do sujeito no sentido de descobrir as propriedades de tais objetos. A abstração, aqui, está presa às propriedades do objeto. A experiência pode ser, também, indiretamente sobre os objetos – experiência matemática-, o que implica agir sobre as ações exercidas pelos sujeitos. A abstração, nesse caso, prende-se não mais às propriedades dos objetos, mas às ações exercidas sobre eles, isto é, às coordenações das ações, ou ainda às estruturas mentais do sujeito (OLIVEIRA, 1978. p. 25).

O início das atividades do curso foi marcado pelo estabelecimento de relações pessoais de confiança entre o pesquisador e os participantes do curso. Para compreender a proposta do curso como pesquisa-ação era importante que os professores interagissem com as atividades e apresentassem conexões entre o que era desenvolvido no Curso e suas realidades vivenciadas em seu dia a dia. Faria parte de nossas atividades um exercício constante de conexões entre as dificuldades, necessidades e expectativas ligadas à Cartografia Escolar e o contexto das escolas e turmas com as quais trabalhavam.

Nessa circunstância foi apresentada a proposta de programação do curso “Linguagem Cartográfica e esporte Orientação” bem como a ideia de fazerem parte de uma pesquisa, cuja metodologia contaria com registros do ministrante do curso e também de cada professor participante.

O “diário reflexivo” foi colocado como o principal instrumento de registro e documentação pessoal das atividades a serem desenvolvidas nos encontros, e posteriormente faria parte dos objetos de investigação e análises. Procurou-se ouvir os professores, respeitando suas posições e garantindo a oportunidade de se expressarem. Foram observadas as suas reações diante da proposta e o diálogo foi marcado por depoimentos sobre seus problemas em sala de aula, angústias e perspectivas para formação profissional. Em seguida, foi feita uma indicação dos materiais necessários (lápis, borracha, régua, bússola para mapas, caneta quatro cores, transferidor e prancheta) aos participantes para os encontros e foi

reforçado o compromisso quanto aos registros e observações ao longo das atividades e que o diário seria recolhido a cada três encontros, para ser analisado e posteriormente devolvido. Partimos dos pressupostos de que os professores já dominavam a leitura e interpretação de mapas, além de possuírem a capacidade de, a partir da linguagem cartográfica, ensinar os conceitos geográficos necessários à formação dos estudantes da educação básica. Em seguida, os professores responderam a um questionário acerca de seus saberes e suas dificuldades e escreveram sobre suas perspectivas em relação à proposta do curso e da pesquisa.

6.2 Expectativas dos professores participantes em relação à experiência e suas