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3 CARTOGRAFIA E GEOGRAFIA ESCOLAR: SABERES E

3.2 Cartografia Escolar, currículo e saberes a serem ensinados

Estudos sobre Cartografia Escolar tem se consolidado como importante campo de pesquisa dentro da agenda cartográfica brasileira. O I Colóquio de Cartografia para Crianças, realizado na UNESP, Câmpus Rio Claro, SP, em 1995, foi um marco importante para o desenvolvimento de uma cultura e uma agenda específica para reflexão temática. Desde essa época foram muitas as reflexões, debates e publicações acerca desse tema em revistas e encontros locais e nacionais, destacando os estudos sobre as possibilidades e contribuições metodológicas do ensino da linguagem cartográfica aos estudantes do ensino básico. Atualmente, em sua sétima edição do colóquio de cartografia escolar, realizada em Vitória- ES, outubro de 2011, vários pesquisadores demonstram ousadia teórica em tratar com flexibilidade e abrir para reflexões interdisciplinares, temas como o proposto neste último encontro que discutiu a “Imaginação e Inovação: desafios para a Cartografia Escolar”.

Do ponto de vista metodológico as pesquisas enfatizam a necessidade de procedimentos que privilegiem a construção de mapas pelos estudantes para que possam ler e interpretar os mapas com autonomia. Desde o início dessa discussão no Brasil, tem sido enfatizada a importância de desenvolver metodologias que promovam a percepção e a cognição nos alunos a partir da construção de mapas, como registrou a professora Lívia de Oliveira (1978). A autora afirma que essa prática auxilia o indivíduo a desconstruir associações errôneas que muitas pessoas carregam durante suas vidas, como a confusão das noções espaciais de direita-esquerda associadas à de leste-oeste, ou ainda a noção de acima- abaixo com a de norte-sul.

Coerente com a ideia de que se aprende à medida que se constrói e representa o seu espaço vivido, o desdobramento metodológico para a aprendizagem da linguagem cartográfica é, portanto, envolver os sujeitos num processo ativo de construção de mapas de uma realidade vivida. E, nesse processo de construção dos saberes cartográficos, é preciso a mediação realizada por alguém especialista em ensino da linguagem cartográfica, que no nível básico é atribuição do professor de Geografia.

Entendendo que o processo de aquisição da linguagem dos mapas pelos alunos, no ambiente escolar se realiza por meio da mediação dos professores, é necessário questionar se esses professores, responsáveis pelo ensino dos mapas aos alunos, sabem como construir e como ensinar a seus alunos construírem mapas. Outra pergunta inerente ao tema é se aprenderam, em seu processo de formação, a fazer e a ensinar como fazer mapas. E, também, se desenvolvem metodologias em sala de aula que privilegiam o ensino da Linguagem Cartográfica a partir da construção de mapas.

Nessa perspectiva, este trabalho buscou os referenciais sobre as práticas dos professores para conduzir o processo de ensinar aos alunos a construírem mapas de suas realidades desenvolvidas em seu processo de formação. As pesquisas referentes ao ensino de Geografia indicam que as metodologias utilizadas pelos professores para ensinar a leitura e interpretação de mapas a seus alunos não priorizam a construção de mapas em seu rol de instrumentos metodológicos, e as práticas tradicionais tem demonstrado pouca eficácia nesse processo. Como destaca Almeida (2001) a prática de trabalhar a linguagem gráfica na escola, por meio de atividades em que os alunos têm que colorir mapas, copiá-los, escrever os nomes dos rios ou cidades, estados, países, memorizar informações neles representadas, não garante a construção dos conhecimentos necessários, tanto para ler quanto para representar o espaço geográfico.

Pedir aos alunos que desenhem o mapa ou maquete da sala de aula e o percurso escola-casa ou casa-escola, sem exigir deles uma reflexão sobre os reais objetivos e significados que essa atividade possa contribuir, tem pouca eficácia. Esse exercício é uma tarefa interessante. Afinal, há muitos saberes inclusos nela que devem ser valorizados. No entanto, a repetição dessa mesma atividade, ano após ano, a torna desinteressante e desprovida de sentido para sua realização. Como destaca Le San,

Este fato (repetição de atividades todos os anos) foi observado em diversas escolas, como por exemplo, a construção da maquete da sala de aula se torna um tormento na vida dos alunos que representam a sala sempre do mesmo do modo, sem a devida introdução de aplicações conceituais diferenciadas, a cada ano (LE SAN, 2009, p. 18).

É preciso, portanto, desenvolver metodologias com atividades de elaboração e construção de mapas pelos estudantes, mas deve-se procurar estabelecer a relação entre aquilo que o aluno já sabe e novos conhecimentos que pretendemos desenvolver.

Com um olhar reflexivo, realizado por um período de mais de quinze anos atuando como professor no ensino básico foi possível constatar as dificuldades de estudantes em

operar ou fazer atividades utilizando conceitos relativos a noções espaciais desenvolvidos tanto no ensino de Cartografia escolar durante as aulas de Geografia, quanto em seus cotidianos em ambientes fora da escola. Conceitos fundamentais como a noção de localização, orientação, escala, legenda e curva de nível, fazem parte do escopo de minhas observações sobre as quais tenho me dedicado nos últimos tempos e percebido as deficiências dos alunos em relação a essas noções.

A preocupação se justifica, tendo em vista a importância de tais conceitos na vida cotidiana de qualquer indivíduo que deseja realizar, com certa autonomia espacial, um deslocamento no espaço onde vive. Assim preconizam os PCN ao estabelecerem que entre os saberes a serem ensinados devem existir aqueles em que a capacidade de operar tais conceitos é condição básica para que os estudantes saibam “observar, conhecer, explicar, comparar e representar as características do lugar em que vivem e de diferentes paisagens e espaços geográficos” (BRASIL, 2002). De acordo com os pressupostos estabelecidos no currículo escolar, espera-se que ao final do ensino fundamental o aluno seja capaz de reconhecer e aplicar a noção de escalas cartográficas, geográficas e temporais como formas de organizar e conhecer a localização, distribuição e frequência dos fenômenos naturais e humanos. Os PCN estabelecem, ainda, que o domínio desses conceitos por parte dos estudantes se configura como condição e competência básica para ingressarem no primeiro ano do ensino médio (BRASIL, 2002). O modelo curricular vigente no ensino fundamental é baseado nessas diretrizes governamentais e amparado teoricamente em documentos como os PCN, que colocam o ensino de Cartografia escolar como uma parte dos conteúdos de Geografia a ser ensinado, cujos principais conceitos estão previstos para serem trabalhados com estudantes do 6° ano.

O problema da dificuldade em operar com conceitos relativos às noções espaciais, levou-me a refletir sobre as causas fundamentais que têm comprometido o processo de aprendizagem dos estudantes do ensino fundamental e, consequentemente, instigou-me a buscar uma compreensão dos motivos que têm contribuído para esse estado deficitário. Ao buscar explicações sobre estas dificuldades pude perceber que as causas não podem ser encontradas apenas em um ou outro aspecto relativo ao processo de ensino e aprendizagem escolar e sim em múltiplos fatores que interferem na vida de cada indivíduo, sejam eles relativos ou não ao ambiente escolar.

Outro equívoco, que não se pode cometer, é tentar atribuir apenas aos alunos ou aos seus professores a responsabilidade de aprendizagem, pois muitos dos problemas estão relacionados a fatores não diretamente relacionados ao próprio ambiente escolar. É necessário

verificar todo o contexto cultural no qual estão inseridos e também observar com muita atenção o ambiente da instituição escolar desses alunos. Qualquer avaliação mais coerente deveria ser precedida de alguns questionamentos como: será que as escolas onde esses alunos estudaram ofereceram uma infraestrutura apropriada para facilitar sua aprendizagem? Suas condições sociais lhes permitiram ter acesso a informações de qualidade, e suas famílias tiveram a preocupação em oferecer e motivá-los para a construção de uma cultura estudantil?

As razões, fortemente exploradas na literatura especializada, direcionam para o universo da formação docente, cuja precariedade e desmotivação, convergem para esse estado de insucesso. Guerrero (2007, p. 115) afirma que “é a boa formação de professores que trará mudanças nas metodologias de ensino levadas a salas de aula”, e que, uma base teórico- conceitual ampla irá contribuir para o processo efetivo de aprendizagem dos estudantes. É nessa direção que se deve buscar uma melhor formação docente em Geografia, considerando que são necessárias alternativas e inovações para melhoria do processo de ensino, tendo como desdobramento, também, a melhor aprendizagem dos alunos.

Essa realidade é compartilhada pelos colegas professores que atuam nesse nível de ensino e, comprovada por pesquisas realizadas e publicadas em congressos e encontros relacionados ao ensino de Geografia. Ao mesmo tempo, essa realidade também é denunciada por professores de cursos de licenciatura em Geografia que, ao receberem os alunos egressos do ensino médio, presenciam uma enorme deficiência em relação ao domínio de noções espaciais elementares.

Mesmo diante de melhorias na qualificação técnica e tecnológica nos cursos de formação inicial e continuada de professores em todo o Brasil, e dos recursos tecnológicos disponíveis nas escolas públicas e privadas, ainda é possível perceber um número significativo de ingressantes do ensino médio com enormes dificuldades em operar com noções espaciais básicas como as de localização, orientação, escala e legenda.

Professores e alunos compõem uma mesma realidade e, por isso, o problema está presente também em relação aos professores que atuam nesse nível de ensino. Isso se reflete em suas atividades pedagógicas em sala de aula. Estudos recentes revelam que parte significativa do problema está centrada na atuação profissional do professor que atua no ensino fundamental, nível em que os conceitos fundamentais da linguagem cartográfica devem ser introduzidos aos estudantes da escola básica, ambiente privilegiado para a construção dos saberes.

Castellar (1996) questiona o conteúdo formativo dos docentes que atuam no ensino básico, e afirma que os professores comumente não possuem o domínio epistemológico da

ciência para a qual são formados, assim como, não possuem clareza em relação ao significado de ensino e educação. Na formação inicial, muitos professores não vivenciam metodologias de ensino, que levem em conta os aspectos cognitivos dos alunos. Por isso repetem apenas os conteúdos e propostas preconizados nos livros didáticos, sem uma avaliação criteriosa sobre o que, como e para que ensinar. Como destaca Silva (2011),

as atividades que colocam em prática normalmente se vinculam ao conteúdo disciplinar sem preocupação com os procedimentos e os aspectos cognitivos envolvidos na construção dos conceitos geográficos e cartográficos (SILVA, 2011, p. 140).

Neste sentido, Chervel (1997) levanta essa problemática da desvinculação e falta de coerência entre o que se ensina na academia e aquilo que deve ser ensinado na escola, além de questionar o processo de formação dos professores e sua prática de ensino. Uma dessas questões levantadas diz respeito ao desenvolvimento da habilidade para lidar com alunos de diferentes faixas etárias e diferentes culturas.

Se a idade dos alunos deve ser levada em conta no processo de ensino- aprendizagem e a formação do professor é única, não é específica para infantil, adolescente, adulto, como será a atuação do professor nestes diferentes níveis de idade dos estudantes? (CHERVEL, 1997. p.185).

Em pesquisa realizada sobre a prática de professores do ensino fundamental, Gomes (2003) investigou a forma como utilizam a Cartografia na abordagem de temas relevantes para a construção dos conceitos geográficos essenciais para o entendimento da dinâmica espacial, e constatou a falta de familiaridade dos docentes com o uso da linguagem cartográfica, de mapas. A maioria dos professores pesquisados apresentava dificuldades em relação ao domínio e ensino da linguagem cartográfica, principalmente, com aqueles relacionados à escala cartográfica, orientação espacial e localização geográfica. Essas dificuldades em termos de conceitos e procedimentos dos professores, consequentemente, comprometem a compreensão dos conteúdos geográficos por parte dos estudantes.

Para tentar compreender tais dificuldades, que continuam existindo apesar de muitas tentativas de reformas em alguns cursos de formação inicial e continuada, é importante considerar duas perspectivas que se interelacionam na atuação profissional. A primeira é a fragilidade do processo de formação nos cursos de licenciatura, em praticamente todo o Brasil. Mello (2000) afirma que os cursos superiores de licenciaturas são colocados num contexto alheio à educação básica, os quais dificultam a convivência com os sujeitos que

conhecem e vivenciam a realidade presente e a problemática deste nível de ensino. Outra constatação da autora é de que o corpo docente desses cursos de graduação está focado em suas pesquisas, deixando de lado a preocupação com uma formação de fato significativa, a qual deveria estar focada nos dilemas presentes no ensino da educação básica (MELLO, 2000).

Os dados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE), que integra o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) ilustram a realidade do baixo aproveitamento dos concluintes nos cursos de graduação em Geografia. Nas áreas do Componente Específico de Geografia, a nota média dos que realizaram a prova ficou abaixo de 35%. A média dos ingressantes ficou próxima da nota dos concluintes (29,5) com uma diferença de apenas 5,1 pontos. Mesmo merecendo ressalvas quanto ao conteúdo e o grau de exigência da prova aplicada e seu significado prático, é importante considerar que ambos, ingressantes e concluintes apresentaram baixo aproveitamento (ENADE, 2005).

Ambos fazem parte de uma mesma cultura escolar, o que nos leva a questionar a contribuição dos cursos de formação inicial para o desenvolvimento da aprendizagem aos seus alunos, futuros professores. No entanto, não podemos minimizar o fato de que os alunos que ingressam no ensino superior em cursos de graduação com licenciaturas são oriundos, em sua maioria, de um modelo de ensino que não privilegiou uma formação cultural ampla e crítica com vistas à aprendizagem de uma formação cidadã. Ao ingressarem no ensino superior esperam desenvolver a capacidade de aprender e aprender para ensinar aos seus futuros alunos.

A segunda perspectiva que se deve considerar diz respeito ao currículo presente na cultura escolar sobre o qual o professor terá que operar. Nesse caso o professor não participou de sua elaboração e, portanto, tem pouco significado em sua prática. Mesmo que construídos por especialistas e pensados para serem os mais generalistas possíveis, isso não garante sua validade prática. Na maioria das vezes são considerados desconectados da realidade vivenciada na escola em que o professor está atuando. Como nos alerta Chervel (1997) a escola como um lugar de formar indivíduos, possui uma cultura, um dinâmica própria, com “saberes, hábitos, valores, modos de pensar, estratégias de dominação e resistências” inerentes à realidade específica.

E, por isso mesmo, por ser dinâmica, a escola modifica suas estratégias de acordo com seus objetivos, saberes a serem ensinados e interesses reinantes. Desse modo, a opinião comum é que na escola se ensinam conceitos que foram produzidos e comprovados em outro local, os quais não possuem identidade com os sujeitos envolvidos (CHERVEL, 1997).

Baseando-se nessa ideia, sobre a alienação do professorado em relação aos conhecimentos, Caldeira (1995) destaca que

os saberes das disciplinas, curriculares e de formação profissional mantém uma relação de exterioridade, ou alienação, porque já os recebem determinados em seu conteúdo e forma. Portanto, não lhes pertencem, nem são definidos e selecionados por eles. Nessa situação, os docentes tornam-se meros transmissores ou executores de saberes produzidos por especialistas, estabelecendo-se, com eles, uma relação de alienação (CALDEIRA, 1995, p. 8).

O que se espera é que o professor, em seu processo de formação, vivencie experiências práticas que deem a ele a condição de desenvolver o domínio dos conceitos com os quais irá trabalhar com seus alunos. Se não, como conseguirá facilitar ou mediar o “desenvolvimento daquilo que não teve oportunidade de aprimorar em si mesmo?” E ainda, como promover a construção de saberes pelos outros, se não domina e nem possui tais significados? (MELLO, 2000). Nessa circunstância, a educação continuada, realizada com professores em exercício, se torna uma estratégia importante para oferecer oportunidades de vivenciarem ou resgatarem práticas didáticas não colocadas em prática na realidade em que atuam.

Se o professor tem o desafio de formar alunos capazes de conhecer e aplicar os saberes apreendidos no ambiente escolar e em sua vida cotidiana resolvendo problemas reais, é fundamental que domine tais competências. Inclusive essa é uma recomendação exigida na formulação de questões do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM, 2010). Assim, o aperfeiçoamento por meio dos cursos de formação contínua torna-se absolutamente necessário à promoção dessas competências dos profissionais que atuam na educação básica.

O problema que se apresenta, e que é objeto deste estudo, é fruto dessas inquietações refletidas sobre minha prática como professor de Geografia e da busca de pistas e apoio em teorias que tratam da construção do conhecimento de Cartografia no ambiente escolar. O foco, portanto, é refletir sobre alternativas para a construção dos saberes da Cartografia pelos professores em processo de formação continuada, tendo em vista a contribuição para o ensino desses saberes em seus campos de trabalho.

Nesse contexto, a partir dos problemas da formação inicial dos professores e da aprendizagem dos alunos da educação básica, associados à crença na importância da formação em serviço, intentei em realizar esta pesquisa em que o trabalho com o esporte Orientação pode apresentar uma metodologia para o ensino da Cartografia Escolar.