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APÊNDICE I: ENTREVISTA ESCOLA LILÁS (23.10.2012 PORTUGAL) Elaborei este protocolo com base nas hipóteses e questões de pesquisa, descritas na seção 1

5 ANÁLISE DA REALIDADE BRASILEIRA COMO CONDUTA SEGUNDA

5.2 Análise dos contextos interativos de Matemática no Brasil

5.2.2 Análise do questionário do professor RICARDO (06.05.2012) Apêndice B

Procedi à análise do questionário constante no apêndice B, respondido pelo professor e matemático RICARDO. Mantendo a escrita original, ilustro as respostas do professor:

a) Em qual escola você estudou? Surdos ou de ouvintes? Relate um pouco seu percurso escolar.

Escola Ouvinte, eu já acostumei a escola inclusão porque escola para surdo não tem São Borja. Só grupo de surdo participar na Fonoaudiologia. Mas eu gosto de escola inclusão porque professores me ensinar muito bastante, muito bom.

b) Como você foi avaliado nas disciplinas? O que os professores empregavam? E com relação ao Português, como era a avaliação?

Eu gosto de todos, mas eu era estudar na escola em Maçambara (fora), eu ainda brigar com professora de português porque eu não conseguir a prova de interpretar de texto por isso OPINIÃO. Eu só mais fácil por GRAMATICA porque eu não gosto de Interpretar de texto por quê? Porque eu fiz o português depois entrego a professora (port.) me errado muito por causa frase. Minha nota é ZERO, eu já mostrar pra minha mãe esta brava pouca porque professora não entender o que minha cultura surda. Minha mãe já explicar com professora já entendida, não precisar interpretar de texto, melhor direto a prova de Gramatica. Ufa!

c) Em algum momento você se sentiu prejudicado em alguma avaliação?

Eu gosto de português e redação. Mas, antes eu era criança na escola ouvinte eu não gosto de redação e também odeio porque eu não conseguido fazer de redação. Minha irmã me ensinar muito de redação, eu estava irritar e nervoso depois eu já costumo ate agora. Eu fico feliz para Minha vida, mas eu ainda aprender bastante de português.

Comecei os tensionamentos pela Língua Portuguesa. Por que, se esta Tese remete-se à Matemática? Não podemos esquecer que o sistema educativo brasileiro obriga os professores a ensinar os alunos em L2 (BRASIL, 2002a, 2005), a língua portuguesa na modalidade escrita. Desta forma, é pelo português que eles têm que comunicar o seu entendimento para os ouvintes. Ensinar pessoas com uma escrita que não coincide com a escrita de sua língua é um processo complexo. Como na observação anterior, resgato minha primeira hipótese. Creio que possa haver subestimação por parte de alguns professores em relação ao “como” ensinar surdos. Busco na materialidade escrita, sustentações para esta afirmação.

Klüsener (2007) estudou a linguagem matemática. Conforme a autora muitas pessoas compreendem esta Ciência como uma operação de fórmulas, resolução de exercícios, memorização de propriedades e regras e aplicação de algoritmos. A alfabetização em Matemática, propõe a autora, requer outros elementos, como a apropriação da expressão e vocabulário. “Quando a criança entra na escola ela sabe falar, tem um vocabulário próprio, mas não sabe escrever” (KLÜSENER, 2007, p. 183). E a escola, tal como uma maquinaria do conhecimento, conduz o aluno de imediato a escrever a linguagem simbólica matemática que não domina, quando neste momento, estão aprendendo a escrita da sua língua.

O ouvinte pensa por palavras, o surdo por sinais. Resgatando D‟Ambrosio (2005), existe a etnomatemática, neste caso a etno dos surdos. Infiro que o processo apontado por Klüsener (2007) ocorra de forma análoga com os surdos. Muitos surdos aprendem a língua de sinais antes mesmo de entrar na escola. Não sabem escrever as línguas de sinais, pois também não lhes foi ensinada. Quando são admitidos, deparam-se com a escrita de outra língua que não a sua natural. Seja em escolas de surdos ou em escolas bilíngues, o registro dos conteúdos é pela L2. Agrava-se ainda que a Matemática lhe apresente outra língua que não domina.

Portanto, grande parte dos ouvintes bilíngues pode não saber a complexidade que é ensinar a Matemática empregando a língua portuguesa como registro da aprendizagem.

Complementando esta discussão, a imagem da figura 5 no capítulo 3, ilustra a escrita do sinal QUADRADO ilustrada no canto à direita. A escrita registra a sequencialidade das articulações necessárias para produzir o sinal. Nenhum dos professores da escola escrevia ou lia em SignWriting. Entendo que o vídeo seja importante para o registro dos sinais, mas temos que dar importância à mídia escrita, ao materialismo escrito da Libras pelo SW. Pode ser herança surda. Penso: que condições se tornam necessárias para que a escrita de sinais tenha também o seu espaço na escola/universidade? Fica um ponto para análise futura, pois aqui não consigo responder.

Retomando o questionário, não estou julgando a professora de Português, mas mostrando que o programa educativo pode conduzir a uma prática que não parece dar respostas para a complexidade de todos os alunos, principalmente quando eles estão em outras posições de aprendizagem em relação a L2. Conforme as respostas, o professor RICARDO estudou em uma escola de inclusão e disse ter gostado de frequentá-las. Encontrava-se com outros surdos quando se consultava com a fonoaudióloga. Estava afastado dos seus pares. Apesar de incluso entre ouvintes, está excluso entre os surdos. Disse ter aprendido bastante com professores ouvintes. Depois teve que se deslocar para Maçambara, outra cidade. Lá começou a ter conflitos com a professora de Português. A docente exigia-lhe a estrutura do português para compor redações e a interpretação de textos com base na escrita desta língua.

Na seção 3.2 apresentei que a Libras possui outras estruturas, ou seja, que sua sintaxe difere-se do português. SVO, SOV e OSV são as formas básicas (QUADROS; KARNOPP, 2004). RICARDO é surdo, por conseguinte, analisando as respostas do professor no questionário, observo que ele escreve o Português com base na estrutura linguística da Libras. As palavras eram escritas com base nos sinais que deveriam se processar em sua mente, seguindo a sintaxe da Libras. No rigor da língua portuguesa, estaria incorreto. Pode ter sido uma prática pela qual não obtinha aproveitamento na disciplina. Se escrevesse em L1 poderia estar correta a sintaxe, mas não há como afirmar com base nestas evidências. Apesar de ser uma escola inclusiva, a professora não reconhecia os aspectos culturais surdos, pois foi necessário que a mãe e o filho entrassem numa espécie de acordo. A professora passou a avaliar apenas a compreensão da gramática da língua, para que RICARDO pudesse prosseguir na disciplina.

O dispositivo da inclusão brasileira apresenta falhas, principalmente em cidades distantes como o caso de São Borja e Maçambara, onde o aluno se escolarizou. Nos limites desta análise, não trouxe respostas educativas para o aluno. Vejo que, mesmo após as aulas, necessitava recorrer à irmã para esclarecer dúvidas. Na última resposta percebi que apesar das inversões de ordem estrutural, o aluno afirma entender o Português escrito, a L2, declarando- se autônomo em leitura. RICARDO teve acesso a alguns trabalhos meus. Reside na cidade de Santa Maria atualmente. Inclusive me convidou para revisar o seu trabalho de conclusão. Trocamos conhecimentos via MSN, Facebook e e-mail. Durante sua licenciatura na universidade, relatou-me ter sido ensinado por professores ouvintes, mas contava com intérprete em sala de aula. Disse que hoje não está conseguindo emprego. Mantemos uma conversa franca, usando recursos do ciberespaço.

Não há intérprete no mercado de trabalho, diz o professor. Mesmo mencionando que as empresas estavam destinando vagas a pessoas com deficiência, não estava encontrando espaço. O professor pensou em prosseguir com os estudos. Veio a pleitear um mestrado numa universidade da grande Porto Alegre, porém nesta instituição a seleção nada dispõe sobre a seleção de alunos surdos, isto é, ao proceder à inscrição, a instituição sequer aceitou a sua concorrência. RICARDO disse sua agonia. Sugiro que as políticas públicas proponham alternativas para a inclusão social do surdo. Inclusão escolar é positiva, mas não é condição suficiente. Contribuo com a agonia do professor. Ouvintes não enxergam a inclusão social do surdo.

5.2.3 Análise dos materiais disponíveis para o ensino na escola VERDE (11.05.2012)