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4 CONDUZINDO MINHAS CONDUTAS

4.3 Mídias de pesquisa e as redes sociais

4.3.2 Vídeos e fotografias: alfabetismo visual

De 1869 a 1960, as imagens eram captadas por câmeras convencionais, estáticas, e não eram passíveis de manipulação. Apenas pequenos cortes ou junções parciais podiam ser realizados, não sendo possível editar o espaço imagético (GOVEIA, 2004). As imagens na época eram usadas como recurso aditivo à arte, à fotografia e ao teatro, produzindo-se filmes narrativos, chamados de “photoplays” ou “fototeatros” (MURRAY, 2003, p. 73). Direcionava-se uma câmera para o palco com intenção de captar sequências de ações. Gradativamente, as photoplays foram cedendo lugar aos filmes, que passaram a captar o mundo tal como ele é, incorporando som e cor às películas (MURRAY, 2003). Os filmes desta época baseavam-se no princípio stop-motion: “[...] conseguida quando se fotografam objetos quadro a quadro, que, exibidos na velocidade normal de projeção, criam a ilusão de movimento. Isso pode ser feito com bonecos, objetos, brinquedos, pessoas, etc.” (PARANÁ, 2010, p. 29).

Em 1975, com a invenção da câmera digital pelo engenheiro Steven Sasson45, a imagem passou a ser digitalizada, ou seja, indeterminada (GOVEIA, 2004). Passou-se da época analógica para a digital. O princípio de formato para a informação passou a compor pequenos quadradinhos, chamados pixels46. As imagens passaram a ser sequenciais de 0 (zero) e 1 (um), determinadas pelo chamado código binário, ou bit (ALVARENGA, 2005). Não apenas as fotos e filmes obtidos por câmeras ou filmadoras digitais, mas também o que digitamos e digitalizamos, são convertidos em bits.

A produção artesanal foi potencializada pela digital. Essa fragmentação permitiu decompor as imagens, processá-las e armazená-las em computadores. O computador entende o “zero” e “um” binários como passagem ou não passagem de elétrons, respectivamente, e é dessa forma que ele processa e armazena as informações. Por que me remeto a este pequeno contexto histórico? Para fundamentar que surdos usam o vídeo para produzir filmes narrativos, faz parte da cultura deles. Empregam ambas as noções. A história das imagens,

45 Engenheiro elétrico americano da Eastman Kodak Company.

46 Pixel é compreendido como a menor unidade da imagem eletrônica (GOVEIA, 2004). É o número de pixels que determina a resolução da câmera (ALVARENGA, 2005).

dos vídeos, faz parte da evolução da cultura surda. Os vídeos e as fotografias podem ser capturados por câmeras ou outras mídias que, além dessa capacidade, podem transmiti-los, a citar o telefone celular, o iPhone, Galaxy tab e tablets, notebooks, as webcams, dentre outras. Essas mídias podem ser empregadas em três situações específicas: 1) produzir fotografias, 2) produzir vídeos; e 3) produzir textos a partir de fotos e vídeos. Podemos assistir vídeos em um aparelho de DVD/Blu-Ray, no celular, no computador, no Youtube (ciberespaço). Da mesma forma, podemos postar e visualizar fotos e vídeos nas redes sociais, no próprio Youtube. Recebi em 2012 um convite postado no Youtube para participar de uma festa junina em Libras numa escola de surdos. Neste convite constava um ícone que remetia a esta gravação. São diferentes apreensões culturais. Cultura visual é uma concepção que grande parte dos ouvintes não domina (SCHOLL; ARNOLDO JUNIOR, 2013).

Surdos empregam o método stop-motion para produzir animações a partir de mídias diversas. Usam o negativo, usam o pixel para digitalizar ou fotografar imagens. Gravam aulas de professores surdos. Nas aulas ministradas por ouvintes mediadas por intérpretes, gravam a sinalização para depois terem como rever os conteúdos e estudar. Fotografam os conteúdos escritos no quadro. Produzem imagens. Novos artefatos que, para ouvintes, não fazem sentido, mas que para os surdos se remetem à apreensão visual. Editar imagens ficou tão fácil que pessoas com o menor conhecimento em informática podem manipulá-las, sejam surdos ou ouvintes. A interpretação binária permitiu ainda disponibilizar as imagens na internet, ou seja, postá-las no ciberespaço. Textos, narrativas, fotos, imagens, vídeos, filmes e músicas passaram a ser compartilhadas em ambientes interativos virtuais.

Quanto a este aspecto que concordo com os estudos de Hernández (2007), quando definiu o alfabetismo visual. Infiro que os aspectos visuais são importantes para surdos e ouvintes, mas possuem potencialidade para os surdos, por estimularem a apreensão pela visão. Que se afastem os equívocos. Empregar o visual não é empregar recursos visuais em substituição à Libras, método da Comunicação Total, detalhado no capítulo 3. Ouvintes que elaboram materiais para ensinar surdos não elaboram um artefato surdo. Pode este material ser bilíngue ou bicultural, mas ainda é artefato ouvinte. Surdos elaboram artefatos culturais surdos, isto é, estes artefatos só podem ser elaborados por surdos. Ouvintes podem empregá- los para aprender também. Alguns artefatos surdos são produzidos para outros verem. No site FotoLibras (http://www.fotolibras.org/), podemos acessar inúmeros trabalhos produzidos por surdos. No ícone ANIMALIBRAS, pode-se acessar animações produzidas por stop-motion. Os filmes são produzidos a partir de ilustrações de massinhas de modelar, pessoas, animais,

objetos, que depois editadas numa sequencialidade, dão a impressão de movimento. O objetivo é desenvolver a Libras, expressão facial, a visualidade, o trabalho tridimensional (3D), enfim, elementos que não pertencem a uma tradição ouvinte.

Assim, os Estudos Culturais são investigações que podem levar à exaustão. Não estou a comparar identidades, mas a explicitar que uma cultura, uma língua, está aí e pode ser aprendida. Continuando com minha explanação. Para o processo de edição e catalogação dos vídeos oriundos das observações e para assisti-los, utilizei o Windows Media Player47 (versão 11.0.6002.18111, Dolby Laboratories, 2006), que acompanha o Windows que já vem instalado em grande parte dos computadores que trabalham com este sistema operacional. No que tange à edição, para a exibição pública dos vídeos, adotei o editor de vídeos Vegas Pro 9.0 (Sony Creative Software Inc., 2009). A manipulação dos vídeos é uma tentação que deve ser evitada, pois os dados imagéticos não podem sofrer edições no seu conteúdo. Usei o programa para borrar o rosto dos indivíduos, visando preservar o anonimato. Outra orientação consiste em obter autorização para a divulgação de imagem (BELEI et al., 2008; PINHEIRO; KAKEHASHI; ANGELO, 2005; ROSE, 2004), que foi assegurada nesta pesquisa.

Empreguei algumas telas da rede social Facebook para situar a pesquisa no seu contexto sócio-político e elaborar instrumentos de pesquisa. Usei as teclas Prt Sc seguido dos comandos Ctrl + v, para captar a tela. Depois, clicando duas vezes sobre a imagem e empregando a ferramenta Cortar na barra de ferramentas superior, pude selecionar a área útil para a análise. Obtive uma imagem parada. O processo de transcrição é o mesmo, sejam imagens paradas ou em movimento. Não se pode deixar despercebido os acontecimentos, os fatos, as discussões que circulam nesta rede social. Ao longo da análise, exponho os momentos nos quais empreguei a colaboração de outras pessoas, utilizando o Facebook.

O Brasil, durante o contexto desta análise, estava vivenciando no Facebook, discussões contra aumentos excessivos em passagens de ônibus interurbanos em 2013/2014, que fizeram a população mobilizar-se e organizar protestos contra o governo, com vistas à redução dos valores. Percebo que os espaços virtuais podem, além de veicular informação, interpelar sujeitos, podem conduzi-los, fazendo com que reflitam sobre suas próprias condutas. Conduzir condutas (FOUCAULT, 2008c).

No que tange às imagens que a rede veicula, bem como os vídeos que gravei, as imagens que fotografei, enfim, todo este materialismo visual pode ser empregado em pesquisas não só para ilustrar os trabalhos, mas também para gerar dados textuais, como as

47 Abreviado por WMP, é um aplicativo que acompanha o sistema operacional Windows, que permite executar vídeos em diversos formatos, inclusos os copiados em DVD (FIALHO JUNIOR, 2007).

narrativas. O processo consiste em transcrever as imagens, signos visuais, para narrativas, signos alfabéticos. Transpor de um signo para outro, interpretando-o a partir de sistemas não- verbais, é o processo chamado de “transposição inter-semiótica” (JAKOBSON, 1985, p. 72). Transcrever um vídeo consiste em converter o signo visual para o signo escrito. “As imagens tornam-se textos” (RIESMANN, 2008, p. 142), narrativas da sequencialidade de fatos (PENN, 2004; RIESMANN, 2008).

Da mesma forma ocorre com as fotografias. Como são imagens paradas, concebem outra técnica, conhecida por “fotoetnografia” (ACHUTTI, 1997; 2004; ACHUTTI; HASSEN, 2004; BONI; MORESCHI, 2007). O propósito de empregar o vídeo e as fotografias, além de constituir o registro das informações, é permitir a outros pesquisadores replicar a pesquisa. Propõe-se ao pesquisador construir “regras para a transcrição do conjunto das informações – visuais e verbais” (ROSE, 2004, p. 362). O processo de transcrição consiste em olhar para as imagens e percorrê-las com os olhos, analisando os seus detalhes, encontrando pontos, contextos (REILY, 2006; RIESMANN, 2008).

Kellner (2009) propõe-nos uma conduta para análise crítica de imagens e seus efeitos de interpelação. O processo “implica aprender como apreciar, decodificar e interpretar imagens, analisando tanto a forma como elas são construídas e operam em nossas vidas, quanto o conteúdo que elas comunicam em situações concretas“ (KELLNER, 2009, p. 109). É nesse sentido que se passa a entender como um slogan, um outdoor, a publicidade, dentre outras veiculações, conduzem o jeito de se ser e de agir, ou seja, as condutas dos sujeitos. Kellner (2009) analisa o efeito da propaganda de uma marca de cigarro, que faz a pessoa fumar, mesmo sabendo que isto faz mal à saúde: como sujeitos foram convocados ao consumo, e a forma como o capitalismo manipula o consumo do cigarro.

Logo, por meio da interpretação do contexto em que ocorreu a situação, posso produzir uma narrativa. Empreguei a interpretação sob a ótica foucaultiana. Ao empregar tal conduta, faço operar uma leitura acerca de uma realidade, que tem por objetivo produzir efeitos de verdade que se tornem instrumentos “no seio de lutas possíveis” (FOUCAULT, 1978, p. 278). Trabalhar com vídeos e fotografias exige algumas considerações de cunho metodológico para selecionar, catalogar e transcrever as narrativas. Para catalogar os vídeos ou fotos, empreguei a seguinte codificação: o método, “VÍDEO” ou “FOTO”, seguido de sua ordem sequencial, no caso “01”, seguido da data em que foi coletado, a exemplo, 01.06.2012. Exemplos: VIDEO 01-01.06.2012 e FOTO 01-28.09.2012. O emprego de imagens como fonte de coletas de dados faz parte dos estudos das metodologias visuais. “O filme e a

fotografia não apenas enriquecem tais estudos como podem dar uma visão que vai além daquela que é possível apenas com meras palavras” (BANKS, 2009, p. 47). Buscando não exercer poder de escolha, analisei todas as imagens e vídeos coletados.

Quando não transcritos, são empregados no sentido comum, como ornamento, comentário ou documento (BELMIRO, 2000a, 2000b). Ornamentais são as imagens que visam enfeitar o texto. Comentários são aquelas empregadas em desenhos, croquis, gráficos e tabelas. E a fotografia é o documento, a ilustração, aquelas empregadas para garantir a existência do fato. Além desta divisão, segundo a autora, as imagens modernizam os livros didáticos. Permitem substituir e encurtar os textos, permitindo outro modo de ver a realidade das coisas. Elementos das imagens, como o tamanho da letra, a cor, o tipo de papel e a quebra da leitura por uso de imagens, dentre outras variáveis, influenciam a leitura e fazem parte de um campo que Belmiro (2000a, 200b) chama de pedagogia da imagem. As imagens podem tornar agradável a leitura, deixando os textos menos cansativos, diz a pesquisadora.

Na figura 18, ilustro a descrição de uma fotografia, de um exercício que envolvia o estudo do princípio multiplicativo:

Figura 18 – Exercício sobre o princípio multiplicativo

A imagem em narrativa foi descrita por mim. Para analisar como foi produzida, é necessário recorrer a outros recursos, como as notas de campo, a filmagem, dentre outros instrumentos, para situá-la em seu contexto histórico, como propõe Riesmann (2008). Cito uma provocação: “Para contextualizar o exercício, necessitou do apoio da intérprete para a sinalização. Além disso, teve que recorrer a elementos visuais que apoiavam o enunciado da questão.” Sob a ótica de Thoma e Lopes (2006), estes elementos constituem um discurso pedagógico. Analisando criticamente a imagem (KELLNER, 2009), a forma que este

enunciado começa a ser produzido conduz o educador a empregar imagens visuais ou outros recursos associados a enunciados escritos, para que o conteúdo possa ser transmitido próximo ao contexto de uma língua que não dominava, a Libras. Sabe-se que para ensinar surdos é indispensável saber Libras. Se eles crescem alfabetizados visualmente, evidente que o signo, a palavra escrita do Português, possa constituir uma barreira à aprendizagem. Não viso analisar a forma e o conteúdo de cada imagem, como fiz agora, mas sim entender como elas concatenam-se com meus propósitos.

Todas as imagens captadas, sejam estáticas ou dinâmicas, foram escolhidas de forma aleatória. Nenhuma foi eliciada. Emprego no mínimo duas ilustrações para cada conversa neste materialismo escrito. Numa tentativa de evitar a prática de poder, quando imponho limites, estou exercendo poder, como acabei de fazer agora. Saber e poder são indissociáveis (FOUCAULT, 2008a, 2008c). Foram descritos e transcritos todos os dados coletados: fotos, vídeos e a oitiva dos sujeitos envolvidos nos contextos de aprendizagem, num processo de transcrição das falas francas dos sujeitos.

Quando falo em coletar, não estou dizendo que existem coisas diferentes que deveria pegar. Falo em discursos que foram ditos em dados momentos. Foucault (2008c, p. 132) entende o discurso como um “conjunto de enunciados”. Um primeiro enunciado faz com que outros emanem, tendo alguma relação com o primeiro (FOUCAULT, 2008c). Assim, duas pessoas, ao dizerem uma mesma coisa, estarão dizendo duas enunciações distintas. Para Foucault, enunciação “é um acontecimento que não se repete” (FOUCAULT, 2008c, p. 114). Por conseguinte, falo sobre diálogos, verdades e opiniões que não podem ser eliciadas, por estarem eivadas de um saber-poder.

Remetendo-me aos Estudos Culturais, “a análise da imagem e a preocupação com o poder/conhecimento [...] não podem ser separadas” (BANKS, 2009, p. 61). Visando deslumbrar a fala franca dos sujeitos e entender como foram conduzidos, considero pertinente recorrer a uma análise pontual de pontos específicos de imagens. Para estes recortes visuais empreguei: no campo “método”, a codificação RV, referente à Recorte de Vídeo, ou RF, referente à Recorte de Fotografia, seguido por hífen e o tempo do recorte. Por exemplo, RV02-02min10seg: VIDEO 03-01.06.2012. Usei recortes: 1) para manter o anonimato dos sujeitos pesquisados ao coletar imagens com pessoas, eliciando ou chamuscando o rosto dos indivíduos; 2) para analisar pontos específicos que convirjam para meu questionamento central; e 3) para catalogar as imagens. Ilustro inúmeros RV ao longo deste trabalho.

Cada imagem representa um contexto. O recorte permite-nos analisar pontos específicos da situação, porém prejudica-nos quando queremos analisar o contexto. O pesquisador é que sabe quando empregá-los. No Brasil, cataloguei, ao todo, 19 vídeos, totalizando em média 90 minutos de dados transcritos. Analisei 70 fotografias, três recortes de vídeos, 17 recortes de fotografias. Em Portugal, coletei ao todo dois vídeos, com 25 minutos totais de dados transcritos, e 164 fotografias. A seguir, exponho as mídias empregadas para registrar os dados escritos e oralizados, as entrevistas e os áudios.