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APÊNDICE I: ENTREVISTA ESCOLA LILÁS (23.10.2012 PORTUGAL) Elaborei este protocolo com base nas hipóteses e questões de pesquisa, descritas na seção 1

RF 03 FOTO 09-11.05.2012 Fonte: arquivos pessoais da professora.

5.2.4 Observação de uma aula da professora LÚCIA (16.05.2012)

Observei uma aula de Matemática da professora LÚCIA. A docente estava ensinando expressões numéricas. Veio a desenvolver um trabalho sobre este conteúdo, em que os alunos, ao final da aula, deveriam entregar a resolução. LÚCIA emprega Libras fluentemente com os alunos. Na figura 23, a seguir, ilustro o trabalho proposto pela professora LÚCIA sobre as expressões numéricas e as adaptações visuais que empregou no quadro-verde:

Figura 23 – Adaptações visuais no quadro verde.

RF 04 - FOTO 01-16.05.2012.

Fonte: a pesquisa

Escreveu num primeiro momento a proposta do trabalho em L2 no quadro-verde e depois explanou todos os enunciados em Libras. Recortei a imagem, centralizando a análise na escrita da L2 no quadro-verde. Percorrendo esta imagem e procurando entender o contexto em que ela se situa (RIESMANN, 2008), percebi alguns pontos importantes.

A primeira questão proposta por LÚCIA busca compreender se o aluno compreendeu qual a ordem das operações aritméticas. O que resolver primeiro? A segunda pedia para os alunos calcularem as expressões, e a terceira solicitava a compreensão do dobro e triplo de números naturais. A última questão pedia para os alunos contarem sobre a aula que tiveram. É um indicativo da cultura visual (SCHOLL; ARNOLDO JUNIOR, 2013), não no que tange ao signo escrito do Português, mas narrar a aprendizagem pode constituir uma história surda

matemática, um contexto que os alunos depois multiplicam para outros alunos: é a dinâmica da cultura surda.

Para escrever no quadro, se fosse classificar, LÚCIA teria empregado algumas adaptações visuais de pequeno porte (BRASIL, 2000a, 2000b), como o realce de cores do giz e o uso de um travessão logo abaixo dos subitens alfanuméricos. Por que insisto em retomar esta discursividade dos tipos de adaptações: porque esta estratégia circula como uma verdade que foi impetrada pela inclusão. Como as estratégias do professor não dão respostas educativas porque o ensino não é homogêneo, começam a haver invenções contemporâneas, como as adaptações. Porém, quero que algum dia sejamos conduzidos de outras formas, em contraconduta, mostrar que a adaptação empregada para surdos não converge para preceitos da inclusão apesar de possuírem a mesma expressão.

O emprego do travessão, convencionado com os alunos visa solicitar uma linha em branco do caderno, como espaço para a resolução do exercício. Assim, dois travessões, duas linhas em branco, e assim por diante. Estratégia que também é empregada com ouvintes por professores dos anos iniciais. Retirando da hibernação meu depoimento da seção anterior, nos limites desta investigação, vejo, sob uma análise cultural e crítica (SILVA; 1996, 2009), que a professora LÚCIA emprega adaptações que aproximam a Libras da Matemática e da convivência do aluno. Não são adaptações que simplificam os conteúdos para surdos ou que subestimem suas capacidades. Guimarães (2011) diz que adequar os materiais empregando esta ponte entre a Língua de Sinais, a Matemática e a experiência visual ao contexto dos surdos podem superar algumas barreiras impostas pelo crivo escrito da língua portuguesa. Pistas que me indicam que a conduta da professora insere-se, portanto, sob uma perspectiva bilíngue e bicultural de ensino. Trata-se de uma proficiência que Arnoldo Junior, Geller e Fernandes (2013) propõem como indispensável para o ensino de surdos. Buscando deslumbrar o processo de convenção dos sinais, a emancipação, analiso três momentos que percebi neste encontro.

Nas figuras 24(a), 24(b) e 24(c), ilustro três momentos que considerei relevantes: uso do classificador, dos sinais e de signos da língua portuguesa.

Figura 24 – (a) Emprego de um classificador. (b) Uso dos sinais. (c) Uso dos signos escritos da língua portuguesa.

FOTO 05-16.05.2012. FOTO 04-16.05.2012. FOTO 03-16.05.2012.

(a) (b) (c)

Fonte: a pesquisa

Opera nestas situações a gênese do processo de convenção de simbologias. Algumas pistas para algumas de minhas questões de pesquisa. Como ensinar as expressões numéricas se está ausente no vocabulário oficial o léxico para este tipo de conteúdo? Como os alunos aprendem então os sinais específicos? Podemos explorar o conteúdo, porém sem analisar imagens isoladas, pensar sobre o que se vê, divulgar para poder fazer inferências, como propõe Hernández (2007), como mencionei nos Estudos da Cultura visual (ECV), no capítulo 2. Aqui analiso as três situações em diferentes contextos interativos.

Este momento corrobora com o estudo da emancipação dos sinais matemáticos em Libras. Na figura 24(a) a professora LÚCIA emprega os Classificadores (CL), para contextualizar a multiplicação e a divisão para uma dúvida de um aluno. O sinal DIVISÃO foi empregado com uso de outros CL para explicar o conceito para o aluno. Na imagem da figura 24(b) o aluno está visualizando a sinalização do número “oito”. Percebo que apesar do aluno ler o enunciado em Português em seu caderno, onde este está representado pelo algarismo arábico 8, mesmo após a explanação em Libras das questões, ele necessita recorrer ao signo visual da Libras, por ele sinalizado, para processar o seu entendimento. Surdos pensam por sinais e não por palavras. É a etno (D‟AMBROSIO, 2005), ou seja, a forma surda de pensar a Matemática, que se difere do ouvinte. Na figura 24(c) percebo um dos alunos recorrendo àquele cartaz que continha a tabuada do 1 ao 10, aquele produzido para a feira de Ciências, cujo recorte ilustrei na figura 21(a). Quando captei este momento, o que eu vi? O aluno procurava mecanicamente as representações sígnicas. Analisando o esquema empregado por este aluno para a resolução das expressões numéricas na figura 25:

Figura 25 – Esquema para resolução das expressões numéricas.

RF05 - RF 02-11.05.2012.

Fonte: a pesquisa.

O aluno separa as operações empregando alguns esquemas. Este mesmo processo era recorrente nos outros cadernos. Os alunos empregavam uma operação mecânica para a resolução. Por exemplo, para as representações 4 x 3 e 2 x 4 da imagem da figura 25, os alunos se deslocavam para consultar esta operação no cartaz acessível ao lado do quadro- verde, como mostrei na figura 24(c), já que o material ilustrava a tabuada de 1 a 10 e as multiplicações. Emergiu-me outra dúvida. Será que os alunos sabem operar com a multiplicação? Creio que saibam a operação, mas o insight refere-se à operação com signos matemáticos. Analisando a operação 30:3 na imagem da figura 25, percebo que o aluno operou por esquemas mentais. Não havia um cartaz para consultar. Assim é que coloco a minha suspeição.

Retomando, MATEMÁTICA em Libras refere-se ao conceito de “Matemática” em Português. Lembro, porém que a estrutura da frase segue a sintaxe da Libras: Sujeito – Verbo – Objeto: SVO, SOV ou OSV (QUADROS; KARNOPP, 2004). Falar em Libras, não é somente o ato mecânico de transcrever palavra por sinal empregando a ordem da frase em Português. Este método é o Palavra-Sinal (SOUZA, 2012), que mencionei no capítulo 3.

A aula versa sobre expressões numéricas. Sinais para termos como os parênteses, os colchetes, as chaves parece trivial para ouvintes, pois é natural e automática a associação entre a imagem e a palavra do Português. Para ouvintes, dizer a palavra, ato impresso da fala (BAKHTIN, 1929), pode ser suficiente para que ele reconheça o significado, ou pelo menos o ouvinte anotará a palavra e o que ela quer dizer em seu caderno, para num momento depois poder relembrá-la. Surdos teriam que gravar a sinalização e a explicação em contexto para depois poderem rever o conceito.

Esta investigação não se limita ao espaço bidimensional. Acessando o dicionário

http://www.acessobrasil.org.br/libras/, podemos pesquisar os termos parênteses, colchetes e chaves. Em 17.04.2014 não constatei estes termos referindo-se à Matemática. Lembrando que a mídia é atualizada frequentemente. Localizei apenas o termo CHAVE, como “chave de fenda”, “chave de casa”. Destaco alguns apontamentos:

1) os signos indo-arábicos e matemáticos: números: 0,1,2, ... e os símbolos { }, [ ], ( ); 2) signo da língua oral representado por outro escrito (a palavra), neste caso, “chaves”; 3) a significação deste signo, neste caso, “chaves das expressões numéricas”.

Pode haver barreiras quando se analisa o contexto, a pragmática e a semântica dos sinais, já que sinais descontextualizados não possuem sentido (QUADROS; KARNOPP, 2004). Entender e ensinar os sinais em contextos de aprendizagem, pragmáticos e semânticos é empregar o método Libras em contexto (SOUZA, 2012). Consultando qualquer dicionário da Língua Portuguesa, encontramos inúmeras significações para a palavra “chave”. Já está consolidado um campo de significações com vastas aplicações. Em Libras, como mencionei nos limites desta consulta, não há léxico para os símbolos { }, [ ], ( ) como sinais de associação. Como língua em expansão, existe essa necessidade de ampliação pragmática. Nesse sentido, comunicar a matemática empregando o método Palavra-Sinal ou Imagem-Sinal (SOUZA, 2012) não é conveniente.

Sob esses aspectos, os recursos visuais, quando aplicados em excesso podem eles mesmos criar barreiras à aprendizagem. Podemos estar diante de um vale-tudo, a Comunicação Total (CT) (GOLDFELD, 2002) para o ensino de surdos. Nos limites destas evidências, percebi que os alunos conduziam-se mecanicamente, ao comparar suas anotações escritas em algarismos indo-arábicos no caderno com as operações da tabuada ilustradas no cartaz. Por estarem interpelados por esta condução, acabavam enfrentando barreiras de ordem comunicativa. As representações semióticas necessitam ser explanadas em Libras. Por isso, os alunos sinalizavam para si mesmos, “vendo” a operação aritmética sendo desenrolada em Libras. Não estou preocupado em analisar os erros de cunho epistemológico envolvidos na operação da tabuada, pois como é uma representação semiótica de uma língua que é a segunda língua do surdo, a L2 (QUADROS, 1997), já está enxuta de barreiras de ordem comunicativa. Preocupo-me em analisar outras formas de conduzir esta condução, com vistas

a ampliar os conhecimentos e aprendizagem da Matemática, principalmente quando, em contextos desta interação, estiverem ausentes termos de sua língua.