• Nenhum resultado encontrado

APÊNDICE I: ENTREVISTA ESCOLA LILÁS (23.10.2012 PORTUGAL) Elaborei este protocolo com base nas hipóteses e questões de pesquisa, descritas na seção 1

RF 09 FOTO 01-15.06.2012 Fonte: a pesquisa.

5) O professor pode se recusar a lecionar para turmas inclusivas? (MEIRE)

59 Revista Nova Escola Digital, de maio de 2005. Seção Gestão Escolar por Meire Cavalcante. Disponível em <http://revistaescola.abril.com.br/formacao/maria-teresa-egler-mantoan-424431.shtml>. Acesso em 10 de maio de 2014.

Não, mesmo que a escola não ofereça estrutura. As redes de ensino não estão dando às escolas e aos professores o que é necessário para um bom trabalho. Muitos evitam reclamar por medo de perder o emprego ou de sofrer perseguição. Mas eles têm que recorrer à ajuda que está disponível, o sindicato, por exemplo, onde legalmente expõem como estão sendo prejudicados profissionalmente. Os pais e os líderes comunitários também podem promover um diálogo com as redes, fazendo pressão para o cumprimento da lei (MANTOAN)

Selecionei estes excertos dentre outros que tivessem convergência para os propósitos desta Tese, mantendo a transcrição para deixar as palavras falarem por si mesmas. Percebo que nos depoimentos-recortes, Mantoan exime qualquer variável do governo no processo, atribuindo a causa do possível fracasso da inclusão ao professor, ao aluno, à gestão escolar. Ter noções de Libras, como propôs a gestora, na época, para ensinar Libras é desrespeitar a língua e cultura dos surdos, Lei Nº 10.436 (BRASIL, 2002a). Mantoan atuou em setores como a Coordenação do Projeto de aperfeiçoamento de professores dos municípios polos do programa Educação Inclusiva: direito à diversidade em AEE – Atendimento Educacional Especializado. “O objetivo é a formação de gestores e educadores para efetivar a transformação dos sistemas” (BRASIL, 2005b, p. 9).

Equívocos, colonianismo ouvinte, fizeram com que os surdos passassem a lutar pelo reconhecimento de sua língua e cultura desde então. Na Inglaterra, o surdo Paddy Ladd, professor da Universidade de Bristol, passou a ensinar Estudos Surdos, Cultura e História dos Surdos nesta instituição. Por que menciono este pesquisador? Foi Paddy que criou o termo Deafhood, que não possui tradução exata em Português, mas pode ser concebido como “Ser surdo” ou “Surdidade” (MORGADO, 2012, p. 16). Nesse sentido que infiro que podemos nos assumir, nos moldar frente às identidades que temos à disposição. Paddy Ladd quando deseja, transita pela comunidade ouvinte. Passa a ouvir música no modo vibratório, quando coloca fones de ouvido, ou seja, um surdo pode também assumir-se e sentir o que é ser ouvinte. Assim concebo a minha visão de identidade. Podemos transitar entre identidades, não se trata de uma deficiência, mas de diferenças entre diferentes seres humanos.

Pude participar de uma festa de carnaval surda, em 2013, nas dependências da Sociedade dos Surdos do Rio Grande do Sul. Ouvi música no modo vibratório. Isso é exercer a etnografia. Como um ouvinte pode transitar pela identidade do surdo? A visão de que o ouvinte é um surdo em potencial é reducionista, ou que para ser surdo teria que furar tímpanos, cai no preconceito. Tive um colega no curso de especialização, ouvinte, que foi a um congresso em 2012 e se fez passar por surdo. Solicitou intérprete e foi atendido. Muito depois percebeu-se que ele era um ouvinte. Foi crime? Outra colega ensinou a sua filha ouvinte a língua de sinais antes da língua oral, ou seja, pode o ouvinte preferir a cultura visual

das línguas de sinais. Este é meu entendimento de cultura. Assim, posso escolher elementos com os quais me identifico e passo a ser membro, mesmo não sendo nato de fato.

Posso transitar entre identidades, posso transitar entre culturas. Descrevê-las não é só focar em seus aspectos qualitativos, mas fazer parte da cultura. Caso contrário, o pesquisador tem outros procedimentos à sua disposição para a análise. Assim, concebo que espaços surdos possam existir entre espaços ouvintes. Não há porque existirem relações coloniais.

A inclusão escolar colocou-se como um aparato que pode fazer com que um espaço surdo deixe de existir: a escola. Depois desta escola, qual o próximo passo? Comunidades? Não posso afirmar. Mourão e Prestes (2013) dizem que a comunidade surda luta por espaços onde a cultura e a língua estejam presentes. Relatam o constrangimento que os surdos sofreram na CONAE 2010, que já mencionei antes. Neste evento participaram 4000 delegados, dos quais apenas oito eram surdos. O Ministério da Educação manipulou politicamente as menções do evento que tinham por objetivo potencializar a educação inclusiva em contexto nacional (MOURÃO; PRESTES, 2013), sendo considerado um marco negativo para a história dos surdos.

Como resultado desta conferência houve a publicação do “documento final” (BRASIL, 2010), que impôs metas e diretrizes para a educação, inclusão e diversidade, que servirá de apoio para a educação dos próximos dez anos no país. Ao operar com assistencialismo, seus efeitos podem ser devastadores se concebidos equivocadamente pelos seus agentes.

Conforme Mourão e Prestes (2013), Nélson Pimenta, professor surdo movimentou uma comunidade no Facebook, que cogitou o fechamento do INES por ordem do SECADI do Ministério da Educação. Tal decisão provocou a Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (FENEIS) a manifestar que a tomada de decisão feria o Decreto Lei Libras60. É meta transformar todas as escolas em escolas de inclusão. Assim, diz a diretora de políticas educacionais especializadas da Secretaria de Educação Especial na época (SEESP), Margarete Clarete, que é necessário aplicar a política da inclusão no INES.

A própria Martinha Clarete, dizem os surdos, foi responsável por mover o CONAE 2010, e é verdade que seu nome consta na elaboração do “documento final” (BRASIL, 2010). Foi a partir da mobilização das comunidades surdas em todo o Brasil que se evitou o fechamento do INES. Nasceu o Movimento Surdo em Defesa da Educação e da Cultura

Surda61, que permanece até hoje. Não se conseguiu depois deste episódio fechar as escolas de surdos. Estão em constantes lutas, surdos pelo reconhecimento das escolas bilíngues.

Após este movimento em São Paulo, em 2011 se emanciparam seis escolas bilíngues municipais, as EMEBS, pelo Decreto Municipal Nº 52.785 (SÃO PAULO; 2011a, 2011b). Está se expandindo uma rede de escolas bilíngues pelo país. Santa Catarina, Maranhão, São Paulo, dentre outros estados. Conforme Mourão e Prestes (2013), houve a III Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, em dezembro de 2012, onde 45 delegados surdos participaram. Houve debates entorno da escola inclusiva e bilíngue. Buscava-se o reconhecimento de uma educação para as crianças surdas com referencial adulto surdo e em língua de sinais. Foi proposto o ensino de Libras para ouvintes como uma opção, assim como ocorre com o inglês e o espanhol. Foram aprovadas as escolas bilíngues no final desta conferência.

Enxergo discursos de contraconduta (FOUCAULT, 2008a), as lutas surdas buscando outras formas de pensar o ensino de surdos. Como disse, em vinte anos ainda não se chegou a um consenso comum. Sempre haverá uma vertente antagônica e outra agônica à inclusão. Neste mesmo capítulo, disse que a inclusão, como está posta no Brasil, pode equiparar surdos a deficientes, quando lhes impõe o Atendimento Educacional Especializado (AEE) (BRASIL, 2011). Pode também considerá-los sujeitos surdos, reconhecendo-lhes a Libras, pelo ensino que empregue a abordagem bilíngue (L1 e L2 como línguas de instrução), mas em turmas bilíngues reconhecidas no âmbito da esfera do Governo Municipal, as EMEBS. Outra instituição valoriza a língua e a cultura como indispensáveis para o ensino de surdos, ao adotar a abordagem bilíngue e bicultural, neste caso, o INES.

Uma das metas do Governo Federal é transformar todas as escolas de surdos em escolas inclusivas (PAULON; FREITAS; PINHO, 2005). Num raciocínio lógico, pressuponho que as escolas de surdos sejam fechadas. Porém, verificamos que o Movimento Surdo em Defesa da Educação e da Cultura Surda conseguiu preservá-las em funcionamento. Até quando? Infiro tal questionamento, pois é objetivo que o governo tenha eficácia sobre os corpos surdos.

O Governo emprega a economia, porém governando o menos possível (RECH, 2010; FOUCAULT, 2008b). Exercer o poder segundo modelos econômicos (FOUCAULT, 2008a, 2008b), ou seja, governar o máximo com o mínimo investimento, princípio do máximo mínimo (FOUCAULT, 2008b). Foucault fala, portanto, em “arte de governar”. Nesse sentido,

manter um aparato de escolas paralelas pode custar caro para a esfera Federal. Inventaram-se inúmeras, como Divisão de Educação e reabilitação dos Distúrbios da Comunicação – DERDIC/MEC, em 1979, Secretaria de Educação Especial – SEE, que posteriormente foi reagrupada, e hoje se chama Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – SECADI, dentre outros setores.

As APAE, num movimento de deslocamento frente a esta realidade, moveram-se no sentido de preservar suas escolas, trabalhando para a inclusão. Em São Paulo, por exemplo, a APAE atende alunos com deficiência intelectual62. Da mesma forma, as APADAS, que ainda acolhem surdos. Além de atender os Deficientes Auditivos, ensinam Libras. Assim tem se conduzido as escolas de surdos no Brasil. Os governos municipais passaram a deferir projetos de emancipação de EMEBS por Decretos municipais. E as EREBAS?

As EREBAS, a meu ver, parecem ter sido concebidas de forma equivocada no Brasil, assim como houve com o processo de inclusão escolar. Por que a inclusão funciona em alguns países e outros não? Foram divulgadas no Brasil, em 2013, no XII Congresso Internacional/XVIII Seminário Nacional do INES, sob o título “A educação de surdos em países de língua portuguesa”, mas ninguém fala deste tipo de escola no Brasil. Trata-se de outro campo de lutas de surdos em prol do reconhecimento de sua língua e cultura, que no Brasil parece ter passado despercebido. Fazer inclusão não é propor soluções, mas pensar em outra forma, outra possibilidade para a inclusão, na ótica da contraconduta.

Sob esse aspecto passo, no capítulo, a seguir a analisar o que são e como podem as EREBAS evocar mudanças nas EMEBS? Pensar outro espaço que possibilite a emancipação do léxico matemático, que permita maior interação de surdos, ouvir a agonia de surdos de países que falam a mesma língua oral. Ouvir suas verdades, não para se chegar a uma conclusão, mas para se repensar a inclusão.