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3 NEOLOGISMO EM MATEMÁTICA: A GÊNESE DA EMANCIPAÇÃO DE SINAIS DA LIBRAS E GESTOS DA LGP

3.2 Neologismo das línguas de sinais/gestuais e a emancipação de sinais

Sinais/gestos são formados a partir de cinco parâmetros fundamentais: 1) a Configuração de Mão (CM); 2) o Ponto de Articulação (PA); 3) o Movimento (M); 4) a

Orientação (Or); e 5) as Expressões Não Manuais (ENM) (FELIPE, 2001; QUADROS; KARNOPP, 2004; ARNOLDO JUNIOR; GELLER 2012b). Sucintamente, no caso da Libras40, a CM refere-se a forma que a mão assume durante a execução de um sinal. Uma tabela do INES pode ser consultada no anexo 1. Neste caso, o sinal para a figura QUADRADO, da figura 5, é a (CM) 08a. O PA corresponde à localização deste sinal entre um eixo imaginário X (lateralidade, para a esquerda ou para a direita), Y (altura, para cima ou para baixo) e Z (profundidade, para frente ou para trás), que estipula a região onde se deve articular o sinal, chamado de espaço sinalizante (CAPOVILLA; RAPHAEL, 2001a). O plano XY é chamado de plano frontal, o XZ de plano do piso, e o YZ de plano lateral. No caso da figura 2, o PA localiza-se no plano frontal XY. O terceiro parâmetro, o M, refere-se ao deslocamento percorrido pelas mãos no espaço (QUADROS; KARNOPP, 2004). Pode ser retilíneo, circular, helicoidal, semicircular, sinuoso ou angular. No caso do sinal em análise, é retilíneo. O quarto parâmetro é a Or, que se relaciona com a orientação e disposição das mãos durante uma articulação (CAPOVILLA; RAPHAEL, 2004). Detalha-se a posição de outras partes do corpo, como a língua, a palma, os braços, os dedos, dentre outras. Para o sinal QUADRADO, na figura 5, a Or foi descrita pela sua própria menção impressa no dicionário, que já mencionamos. E por último as ENM, que são as expressões faciais ou corporais que denotam outros significados aos sinais: negação, afirmação, dúvida, dentre outros aspectos (CAPOVILLA; RAPHAEL, 2001a). No caso do sinal QUADRADO, “expressão facial normal”. Estes cinco componentes constituem o sinal. A variação destes parâmetros diferencia os sinais. Quando um sinal é combinado, convencionado ou criado, deve satisfatoriamente atender a estes parâmetros. É neste campo de análise de um sinal em termos de seus constituintes que se insere a fonologia dos sinais41.

A Libras possui gramática própria, logo há também a morfologia, a sintaxe, a semântica e a pragmática das línguas de sinais. Na morfologia dos sinais, estuda-se a forma e a composição das unidades mínimas de significado, como o emprego de um sinal pode originar outro (QUADROS; KARNOPP, 2004). O sinal SAPUCAIA DO SUL, referente a uma cidade gaúcha, é formado pela combinação dos sinais SAPO e CAIR, citam as autoras. A sintaxe encarrega-se da estrutura dos sinais em Libras. Como estrutura básica, admitem-se as

40 O estudo aprofundado da morfologia dos sinais matemáticos consta na dissertação de mestrado do pesquisador (ARNOLDO JUNIOR, 2010b).

41 Ferdinand Saussure (1972) constatou que a língua é constituída por um sistema de signos, formados por duas entidades: um significante e um significado. O significado é o conceito e o significante uma imagem acústica. Esta imagem não é o som físico, mas uma impressão psíquica deste som, ou seja, independe da materialidade em que é transmitida. Pode parecer estranho a ouvintes, portanto, falar-se em fonologia das línguas de sinais.

formas Sujeito – Verbo – Objeto, SVO (QUADROS; KARNOPP, 2004), a SOV e a OSV. Se percebermos a ordem frasal em Libras, pode-se diferenciar do Português. Se desejássemos sinalizar “hoje vamos começar geometria” (ARNOLDO JUNIOR; GELLER, 2012b), uma forma de interpretação SVO poderia ser: HOJE, COMEÇAR G-E-O-M-E-T-R-I-A, GEOMETRIA. A semântica e a pragmática encarregam-se do significado e do contexto dos sinais. Para a situação anterior, com os alunos, foi combinado um sinal para a palavra GEOMETRIA. Assim, para apresentar este novo sinal, foi necessário expressar por datilologia G-E-O-M-E-T-R-I-A, para depois apresentar o seu sinal respectivo. Evitando ser o método Palavra-Sinal, foi necessário recorrer a outros contextos e exemplos para elucidar o conceito de geometria, pelo método Libras em contexto.

Percebo que criar um sinal é um processo complexo. Neologismo das línguas de sinais/gestuais refere-se, portanto, ao processo de criação de um novo sinal/gesto ou atribuição de novos sentidos a outros já existentes. Formam-se a partir de empréstimos, mencionam Nascimento e Correia (2011), ou seja, podem partir de palavras das línguas orais, de outras línguas gestuais, de elementos da própria Libras/LGP, como os classificadores, dentre outros meios que nesta seção procurei pesquisar. Para esta análise, empreguei um esquema elaborado pelas autoras, como ilustro na figura 11, que nos permite entender a formação do neologismo nas línguas gestuais:

Figura 11 – Formação do neologismo das línguas gestuais.

Fonte: (NASCIMENTO; CORREIA, 2011, p. 84).

Apesar de diferentes, os processos de constituição gramatical da Libras/LGP são coincidentes. Desta forma, o esquema é válido para Libras. Os fragmentos de empréstimo deste esquema, conforme estas autoras, podem dar origem a derivações, a partir de um morfema-base. As pesquisadoras citam inúmeros gestos produzidos a partir do morfema “manuscrito” ou “texto impresso”, como ilustro na figura 12, que originou LEI e DECRETO:

Figura 12 – (a) Morfema-base. (b) Gesto LEI. (c) Gesto DECRETO.

(a) (b) (c)

Fonte: (NASCIMENTO, CORREIA, 2011, p. 84).

O exposto pode nos permitir analisar como, a partir de um morfema matemático, podem-se criar novos sinais técnicos. Como se pode analisar com profundidade? Para tentar responder a esta pergunta, considero pertinente saber como ocorrem os processos derivacionais dos sinais/gestos, isto é, procuro compreender de que forma ocorrem os processos de formação de itens lexicais (DUARTE, 2009). Um empréstimo ligado a regras de construções dos sinais originam sinais novos que constituem a criação neológica (NASCIMENTO; CORREIA, 2011).

Os sinais da Libras podem formar-se a partir de elementos-base para a construção de novos sinais/gestos como os classificadores, abreviados por CL, que podem ser empregados para explicar termos técnicos. Conforme Nascimento e Correia (2011, p. 107), os CL “são estruturas morfêmicas que se comportam como gestos”. Os CL “substituem, descrevem, especificam e qualificam pessoas, animais e coisas e incorporam ações a esses referentes”. Para Arnoldo Junior e Geller (2012b) e Arnoldo Junior (2010b) são sinais convencionados pelos surdos usados para comunicar algum conceito quando não houver sinais específicos para denotá-los. Para Ferreira (2010, p. 102), são Configurações de Mãos (CM), usadas para representar a forma, o tamanho dos referentes, “as características dos movimentos dos seres em um evento”, bem como para substituir ou localizar referentes no espaço. Na Matemática, empregam-se em grande parte CL de formas, definidos como “configurações de mão que são utilizadas para descrever objetos com suas respectivas formas” (PIMENTA; QUADROS, 2008, p. 65).

Os sinais admitem variações. Se acessarmos a obra “Surdos e Inclusão Educacional” (ALBRES, 2010), verificaremos que em uma das atividades, a autora, intérprete de Libras, sugere empregar um sinal para QUADRADO, como mostra a figura 13, que se difere do sinal apresentado na figura 5, que também se diferencia do sinal apresentado na figura 6.

Figura 13 – Sinal para QUADRADO.

Fonte: (ALBRES, 2010, p. 116)

Os processos de construção de sinais/gestos é que me tem motivado a investigar e defender que a emancipação englobe todos os processos de construções lexicais. Muito mais que criar um sinal ou gesto (o neologismo), a emancipação envolve entender as relações de poder eivados na construção destes signos, compreender que identidades constituem-se, enfim, que o neologismo é construído culturalmente. Partindo deste pressuposto é que suspeito que haja relações de dominação. Não emana do intérprete ouvinte o sinal considerado ideal para o surdo. Está longe de seu alcance. Em Arnoldo Junior e Geller (2011, 2012b), investigou-se a emancipação a partir dos CL. Porém, nesta Tese, tento visibilizar que este não é o único caminho, a única verdade. Penso que a emancipação não esteja sobre o controle da grande maioria (ouvinte). A emancipação, por emanar da comunidade surda, pertence a esta comunidade. Alguém já deu oitiva às verdades surdas com relação a esta condução?

No ciberespaço42, no sítio https://www.youtube.com/watch?v=jIAqxylo23U, a professora surda Zanúbia Dada sinaliza “quadrado” conforme a figura 5, por formatos, ou seja, como se estivesse desenhando a forma geométrica (ARNOLDO JUNIOR; GELLER, 2012b). Qual sinal a comunidade considera oficial? O praticado pelo intérprete, pelo professor surdo, pelo professor ouvinte bilíngue? É uma problemática que remeto a esta Tese, ou seja, infiro que a emancipação é um processo neológico emergente.

Em Moçambique, país que também fala a Língua Portuguesa, o processo emancipativo foi, de certa forma, mapeado, desenvolvendo-se em quatro momentos diferentes (MARTINS; FERREIRA; MINEIRO, 2012). Dos gestos individuais, passou a sinais locais, que depois originaram uma língua de sinais local e, por conseguinte, uma língua nacional. A sequência de imagens na figura 14 mostra estes momentos:

Figura 14 – (a) Gestos individuais. (b) Sinais locais. (c) Língua de sinais local. (d) Língua de sinais nacional.

(a) (b)

(c) (d)

Fonte: Extraído e adaptado de (MARTINS; FERREIRA; MINEIRO, 2012, p. 65).

a) Os gestos individuais constituem uma comunicação limitada, são criados e usados por surdos e ouvintes; b) já os sinais locais são mais desenvolvidos que os individuais, porém são usados entre pessoas surdas, em comunicação limitada; c) a língua de sinais local caracteriza sinais mais fundamentados e usados por grupos de surdos, apoiados por regras gramaticais mais estruturadas; e d) a língua de sinais nacional é usada por grupos de surdos no país, admitindo suas variações, com sentidos bem compreendidos, unificando-se naturalmente (MARTINS; FERREIRA; MINEIRO, 2012).

Este processo remete-se à Linguística, em um contexto geral dos vocabulários. De forma análoga, penso a conduta constituindo os sinais/gestos da Matemática, e não só isso, as possibilidades de ampliar a apreensão da simbologia matemática, principalmente em escrita de sinais. Arnoldo Junior (2010b) fez um estudo aprofundado de neologismo de sinais da Libras a partir de classificadores matemáticos em sua dissertação de mestrado, anexa em DVD. Este estudo anunciou a emergência da emancipação do léxico em Matemática. Veio depois a ampliar a discussão em Arnoldo Junior e Geller (2012b), aprofundando o estudo sobre neologismo de sinais a partir de classificadores matemáticos, que também podem ser consultados em anexo no DVD. Nesse sentido, após meus estudos em Portugal, percebi que a

emancipação que defendo possui convergências com outros países de língua portuguesa. Portanto, à primeira complexidade, constituem os sinais combinados, para a segunda, os sinais convencionados, à terceira, os sinais criados e, por último, os sinais emancipados (ARNOLDO JUNIOR; GELLER, 2012b).

No que tange às tecnologias, que infiro nesta investigação, tendem a contribuir. Percebo que os dicionários on-line, como o Dicionário digital de Libras (ACESSIBILIDADE BRASIL, 2006) e os dicionários Pro_LGP e Spread the Sign, permitem atualização da língua constantemente, o que não ocorre em grande parte com o material impresso. O elevado custo, a desatualização, a limitação, são algumas desvantagens dos materiais impressos (MARTINS; FERREIRA; MINEIRO, 2012). Os sinais/gestos ocupam muito espaço físico em papel e pode não haver confiabilidade total à articulação, ou seja, vídeos permitem assistir a sinalização na forma tridimensional, ao contrário das edições impressas que são em duas dimensões.

Quando digo emancipação dos sinais/gestos da Matemática, refiro-me a um neologismo que não é um ato mecânico por si só: aprender a regra, os cinco parâmetros que compõem um sinal/gesto e sair criando léxico matemático a partir de empréstimos linguísticos, de classificadores, dentre outros. Como se fosse um recurso a mais para o professor de Matemática trabalhar em sala de aula para superar as barreiras impostas pela ausência do léxico matemático para algumas situações. Refiro-me a um processo de neologismo que sofre perturbações culturais, a existência de uma etnomatemática surda. Apesar de “aparentemente” estar naquele entre-lugar (BHABHA, 2001), isto é, no interstício cultural entre surdos e ouvintes, meu entendimento é que o neologismo dos sinais/gestos seja das comunidades surdas, e me propus a investigá-lo como tem sido articulado entre surdos. A partir daí, analisar como a interferência de ouvintes pode criar barreiras constitutivas a essa emanação cultural.

Para que isso seja atingível, num contexto de análise cultural (SILVA, 2006; JOHNSON, 2010), que implica em entender o processo como uma construção social, penso ser imprescindível compreender como os surdos têm variado os sinais/gestos. Assim, na seção a seguir, faço algumas alusões breves. Ainda estou a investigar a emancipação, os dados até aqui mencionados, grande parte bibliográficos, mostram algumas pistas, que serão depois trianguladas para que se possa conceber a emancipação, ou seja, o neologismo dos sinais/gestos, como um processo inerente às comunidades surdas. Passo a compreender um pouco mais sobre os processos derivacionais dos itens lexicais e suas variações.