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APÊNDICE I: ENTREVISTA ESCOLA LILÁS (23.10.2012 PORTUGAL) Elaborei este protocolo com base nas hipóteses e questões de pesquisa, descritas na seção 1

RF 09 FOTO 01-15.06.2012 Fonte: a pesquisa.

3) Como eram os materiais empregados nestas escolas?(HENRIQUE)

5.6 Políticas assistenciais para os sujeitos surdos no Brasil: inclusão neoliberalista

Como disse, nunca houve tantas bolsas e subsídios nesta época. No Brasil há diversas delas, a saber: Bolsa Família, Auxílio Gás, Bolsa Formação, Projovem, Mulheres da Paz, Brasil Alfabetizado, dentre outras. O Ministério dos Esportes fala até em Bolsa Atleta. Atletas

surdos passaram a receber o auxílio quando começaram a participar em campeonatos mundiais56. É objetivo convocar todos, “incluso” os surdos.

A inclusão como política neoliberal (LOPES et al., 2010) é uma das engrenagens que prepara os indivíduos surdos para, num futuro, serem parte das redes de consumo. Assim também se inserem os negros, os índios, os gays, dentre outras comunidades. Analiso um pronunciamento da ministra do desenvolvimento social e combate à fome, Tereza Campello, em rádio aberto no Brasil, transcrita pela EBC Serviços, do portal do Governo, sobre a Bolsa Família:

Esse dinheiro indo para a mãe, que está preocupada com os filhos... Todo mundo sabe disso, que a grande preocupação da mãe... A preocupação número um é a criança, a número dois e a número três. Essa é a melhor forma e a melhor garantia de que esse dinheiro vá para a fruta, vá para a verdura, vá para a alimentação, vá para um calçado, vá para a roupa, vá para o material escolar, e é isso que todas as nossas pesquisas indicam que acontecem. Então, esse dinheiro é gasto dentro do próprio país, e isso acaba voltando para a nossa economia. Então, cada um real que a gente gasta no Bolsa-Família está provado que retorna para a economia R$ 1,78. Por quê? Porque esse dinheiro gira muito rápido. Gira mais rápido do que os outros dinheiros. Ele vai para uma pessoa que precisa... Que gasta ali na sua própria região (BRASIL, 2014, 09.05.2014).

Não me limito a artefatos impressos, como mostrei, o rádio, como mídia de difusão e veiculação de informações (MURRAY, 2003; ARAÚJO, 2008), também pode interpelar sujeitos. Convoca sujeitos a identificarem-se como beneficiários para fazer parte da rede de assistência e de consumo. No depoimento, vejo que a cada R$ 1 investido pelo Governo e gasto pelo cidadão, retorna ao Governo R$ 1,78. Esta discursividade ganhou força, principalmente porque, conforme a ministra, o retorno é rápido. O próprio Governo enuncia sua eficácia. Assim, campanhas para combater a discriminação, de incentivo à vacinação, à inclusão, dentre outras que visem controlar riscos no campo da educação e saúde, são algumas das estratégias de governamento das populações (VEIGA-NETO; LOPES, 2007a). A inclusão no Brasil instaurou-se durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), em dois mandatos (RECH, 2010). No primeiro mandato (1995-1998), objetivava-se a integração junto a alunos em escolas regulares, movimento que não ganhou muita força. Período que compreendia o início, em que todos os países promulgaram a Educação Para Todos (EPT), estudada no capítulo 3.

56 Conforme publicação da CBDS – Confederação Brasileira de Desporto dos Surdos, 66 surdos em 2013 passaram a receber a bolsa atleta. Site: <http://www.cbds.org.br/index.php>. A lista de todos os candidatos (surdos e ouvintes) está publicada no Diário Oficial da União de 03 de dezembro de 2013, pela Portaria Nº 292, de 29 de novembro de 2013 (BRASIL, 2013).

Porém, passou a se potencializar, segundo Rech (2010), no segundo mandato de FHC (1999-2002), por campanhas e movimentos em prol de uma escola que garantisse a educação de todos os sujeitos. Não que se diferenciassem do primeiro mandato, mas no segundo passou a ser prioridade do governo a educação. O “Governo precisa garantir “tudo a todos” e, para isso, faz com que as pessoas aprendam a se autogovernar através do governo de si mesmo” (RECH, 2010, p. 65). Lembrando que o surdo pode assumir-se como DA ou Pessoa Surda (BRASIL, 2005a), podendo, assim, escolher o caminho para si, mas em ambos terá algum suporte do Governo. É meta não deixá-lo de fora. Pode pedir bolsas. Mantendo-me sob uma visão agônica (FOUCAULT, 2010b), entendo que as bolsas sejam positivas tanto para surdos como para ouvintes, que todos possam delas se provir. Porém, até quando o sujeito deve manter-se com elas?

Participar e viver em sociedade significa “fazer parte do jogo neoliberal, em consumir e escolher a partir de um dado conjunto de opções colocadas ao sujeito, possibilitando a circulação e a mobilidade nas redes sociais e de mercado” (LOPES et al., 2010, p. 28). A inclusão como imperativo de Estado, é uma estratégia que posiciona sujeitos dentro de uma rede de saberes-poderes, permitindo, além disso, sua circulação e mobilidade (LOPES, et al., 2010). Princípio que, conforme as autoras, perpassa a escola, engendrando estratégias de autorregulação que conduzem condutas em todos os seios sociais. Os sujeitos são “empresários de si mesmos” (LOPES et al., 2010, p. 24). Cada um pode gerenciar sua vida.

No Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, o art. 4º da Lei Nº 14.147, de 19 de dezembro de 2012 (RIO GRANDE DO SUL, 2012), autoriza a escolher a identidade parda ou negra para determinar em qual percentual de vagas, ou seja, em qual cotas em concursos públicos posso disputar um emprego, seja eu ouvinte ou surdo. No caso do surdo, pode-se declarar ainda como pessoa com deficiência e usufruir de vagas de emprego em empresas que variam de 2 a 5%, conforme o número de funcionários (BRASIL, 1991). Também pode o surdo assumir-se sujeito cultural e usufruir de intérprete nos ambientes educativos (BRASIL, 2005a). Não estou com isso posicionando-me contra o que está posto, mas mostrando que ouvintes e surdos têm à disposição uma série de identidades que podem ser assumidas.

Assim, todos têm um dispositivo ao seu alcance para escolher. Pode ser a contraconduta (FOUCAULT, 2008a), que se refere a lutas contra procedimentos que conduzem pessoas. Sob esse aspecto, entendo que, assim como os ouvintes, os surdos também são empresários de si. Baseado em Bhabha (2001), como disse, a inclusão é um discurso híbrido, mas é um dispositivo lógico. A indecibilidade faz parte do hibridismo (BHABHA,

2001). Logo, quando falamos em inclusão de surdos, teremos opiniões de surdos e ouvintes favoráveis e desfavoráveis à inclusão.

O Governo tratou de incluir todos os sujeitos, sejam surdos ou ouvintes, cegos ou videntes, cadeirantes, deficientes, dentre outros, dentro de uma mesma racionalidade. Porém, o efeito desta racionalidade, como propõe Foucault (1976), é que esta Tese visa elucidar. Sob esses aspectos, entendo que a inclusão pode ser concebida como um território de tensões agônicas e antagônicas, portanto, um campo híbrido. Sugeri em outro momento a hipótese de que a inclusão, assim como as Escolas de Referência para a Educação Bilíngue de Alunos Surdos, possam ter sido concebidas equivocadamente. Por que a inclusão funciona em alguns países e outros não? Estes questionamentos é que passo a discutir na próxima seção.

5.7 Movimentos e lutas surdas no Brasil: um campo de tensões e emancipação das