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Tendo como referência a definição de D.A., já abordada anteriormente, prevê-se a ausência de diferenças significativas entre as duas amostras ao nível do QIEC. Ou seja, as crianças com D.A. devem apresentar valores médios de QI idênticos aos de um grupo retirado aleatoriamente da população. No entan- to, os resultados apresentados no Quadro 1 não confirmam essa previsão (M= 77.6, DP= 12.5 versus M= 97.1, DP= 13.18; F= 64.12, P= 0.000). Saliente-se ainda, que apenas 38% (21 crianças) apresentam um QIEC igual ou superior a 80 (valor proposto como limiar de QI para formular um diagnóstico clínico de D.A.). Esta ocorrência poderá encontrar explicação a dois níveis: (i) carácter da- tado das normas dos instrumentos psicométricos anteriormente utilizados na identificação das D. A.; (ii) fragilidade dos critérios de sinaliza- ção/identificação, na maior parte das vezes operado exclusivamente pelos pro- fessores. É ainda importante salientar que esses constrangimentos são inultra- passáveis na actual conjuntura do nosso sistema de educação especial, que funciona em condições de óbvia precariedade e no qual as decisões são toma- das, na maior parte das vezes, com base em falsas suposições ou “intuições” que carecem de fundamentação científica e de dados pedagógicos criteriosos. Quer isto dizer, que o diagnóstico das crianças com D.A. nas nossas escolas é muito discricionário. Entendemos que esta situação poderá ser vantajosa para o sistema, sobretudo quando a sua política educativa é orientada por indicadores económicos (custos), mas é decerto altamente penalizadora para os alunos, a quem se nega o respeito à diferença e o acesso a condições especiais de ensino- aprendizagem a que têm direito. Isto é, num sistema educativo que encara as D.A. como um parente pobre do ensino especial e para o qual não devem (ou não podem) ser canalizados grandes recursos, é mais rentável ter um grande número de alunos classificados no grupo das D.A., que, na sua óptica errada, não carecem de muitos recursos, sejam eles humanos ou materiais, do que ter alunos a engrossar outras categorias nosográficas, nomeadamente atrasos de

desenvolvimento, às quais, por pressão social, o Ministério reconhece mais ne- cessidades e, consequentemente, orienta mais recursos.

Quadro 1 - Distribuição dos resultados na WISC-III

DIF. APRENDIZAGEM CONTROLO

Média D. P. Mx Mm Média D. P. Mx Mm P QIV 80,20 12,37 110 60 98,50 13,00 129 69 0,000 QIR 82,10 13,30 106 53 98,00 13,49 128 65 0,000 QIEC 77,60 12,15 103 54 97,10 13,18 125 63 0,000 ICV 81,60 13,53 113 58 98,70 12,51 131 72 0,000 IOP 83,40 13,75 107 52 98,20 13,11 132 69 0,000 IVP 86,60 12,75 119 57 99,80 15,36 137 59 0,000 C.G. 7,80 3,18 13 1 9,50 3,48 15 1 0,008 INF. 6,90 2,43 13 1 10,00 2,38 15 4 0,000 CÓD. 7,70 2,41 13 3 10,00 2,96 18 3 0,000 SEM. 7,10 2,86 14 2 10,00 2,92 19 5 0,000 D.GRAV. 7,50 2,71 12 1 10,00 2,39 17 6 0,000 ARIT. 7,20 2,06 13 1 9,90 2,52 17 5 0,000 CUBOS 6,90 2,73 13 1 9,80 2,89 18 3 0,000 VOC. 7,40 2,53 14 2 9,80 2,66 17 4 0,000 C.OBJ. 8,00 3,17 14 1 10,00 2,91 17 4 0,000 COMP. 7,70 2,56 14 2 9,70 2,43 15 5 0,000 P.SIMB. 7,70 2,86 14 1 9,90 3,07 17 2 0,000 M.DIG. 7,70 2,46 14 3 10,01 3,11 19 3 0,000 LAB. 8,80 3,02 18 4 10,00 2,68 16 5 0,031

Repare-se ainda que os resultados observados na amostra de controlo também não atingem o valor médio esperado. Dado que se trata de amostras emparelhadas, este facto sugere o efeito bem conhecido da influência negati- va das desvantagens socioculturais, associadas a menores competências lin- guísticas, no desempenho em testes de inteligência, aspecto presente em am- bas as amostras.

Acautelando estas limitações, continuemos a analisar a distribuição dos resultados médios obtidos nas duas amostras. Em primeiro lugar, é notório o melhor desempenho do grupo de controlo em todos os testes e em ambas as subescalas. Todas as diferenças observadas apresentam valor estatístico com elevado nível de significância. Em ambos os grupos as diferenças entre o QIV e o QIR são mínimas e não apresentam qualquer significado estatístico. Trata- se de um resultado algo surpreendente, sobretudo no que concerne à amostra D.A., pois os testes da subescala Verbal estão mais directamente relacionados com a informação escolar, domínio em que as crianças com D.A. se encontra- riam, por definição, mais deficitárias.

Relativamente à distribuição dos resultados pelos diferentes testes, salien- ta-se, em primeiro lugar, a fraca amplitude, com resultados médios a oscila-

rem entre um mínimo de 6.9 nos testes de Cubos e Informação e 8.8 nos Labi- rintos. Na amostra de controlo, a distribuição dos resultados é ainda mais ho- mogénea, tal como pode ser observado na Figura 1. Em termos absolutos os piores desempenhos das crianças com D.A. observam-se nos testes de Infor- mação, Cubos, Semelhanças e Aritmética. O que pode reflectir a limitação metodológica, anteriormente apontada, pois estes testes parecem ter em co- mum o factor g (raciocínio abstracto), reforçando a hipótese de que o fraco rendimento destes sujeitos (a que os professores chamam dificuldades de aprendizagem) possa ter origem em défices intelectuais ou outros problemas de natureza cognitiva. As melhores performances encontram-se nos testes de Labirintos e Composição de Objectos.

Figura 1 - Distribuição dos resultados na WISC-III

Na análise comparativa das duas amostras, saliente-se ainda que as dife- renças mais acentuadas surgem nos testes de Informação, Semelhanças e Cu- bos (cf. Fig. 1). Mais uma vez, obtemos evidência que parece reforçar a hipó- tese de uma má sinalização das crianças com D.A., pois dois dos testes que melhor discriminam os grupos são saturados em factor g. Mais previsível, é a diferença observada no teste de Informação, dado que está relacionado com os conteúdos escolares.

Demandando a especificidade do perfil cognitivo das crianças com difi- culdades de aprendizagem, vamos ensaiar uma segunda análise da distribui- ção dos resultados, recorrendo a um procedimento metodológico alternativo. Para o efeito, analisamos a distribuição dos resultados pelos três grupos de testes, constituídos com base na solução factorial encontrada na aferição por- tuguesa da WISC-III. Contudo, antes de avançarmos, é importante referir que

A avaliação da inteligência nas dificuldades de aprendizagem: Investigação com a WISC-III

a solução factorial encontrada na população geral, poderá não se aplicar a grupos especiais, nomeadamente às crianças com D.A.. Lembramos que já anteriormente descrevemos estudos a apontarem para uma solução factorial diferenciada (Kush, 1996; Mishra, Lord e Sabers, 1989).

No Quadro 1, verificamos que a amostra das crianças com D.A. apresen- ta o valor mais elevado no conjunto dos testes que compõem o índice de Velo- cidade de Processamento (86.6, dp = 12.75); a segunda posição, é ocupada pelo grupo de testes que formam o índice de Organização Perceptiva (83.4, dp = 13.75); por fim, surgem os testes agregados no índice Compreensão Verbal (81.6, dp= 13.53). Refira-se que este perfil de desempenho contraria as previsões habitualmente apontadas para as crianças com D.A., definido por melhores desempenhos no índice de Organização Perceptiva (e.g., Daley e Nagle, 1996). Todavia o melhor desempenho no índice de Velocidade de Processamento, não constitui um dado isolado desta investigação, tendo já si- do observado em estudos anteriores (por exemplo Golombok e Rust, 1992). A aplicação da análise da variância revela diferenças com significado estatístico entre as pontuações dos índices Velocidade de Processamento e Compreensão Verbal [sig.=0.006 (t=2.848; gl=53)]. Saliente-se ainda que a diferença entre o IVP e o ICV é de cinco pontos, ultrapassando a barreira dos três pontos, in- dicada por Wilkinson (1993) como critério discriminante do ponto de vista clí- nico.

Na amostra de controlo assistimos a uma hierarquização diferente, e me- nos pronunciada, dos três factores: IVP>ICV>IOP. A análise da variância não revela diferenças com significado estatístico.

Concluindo, os resultados observados conferem alguma validade a estas análises, como marcadores clínicos das dificuldades de aprendizagem.

Relativamente aos resultados aparentemente reduzidos do grupo com pro- blemas de aprendizagem é necessário um outro tipo de comentários que é pos- sível formular a partir da consulta do Quadro 2. Neste Quadro são apresenta- dos os valores relativos aos intervalos de confiança (95%) dos resultados nos principais indicadores proporcionados pela WISC-III. Nele podemos constatar que os valores máximos do intervalo de confiança para os QI’s oscilam entre 89 (QIV e QIEC) e 93 (QIR) no grupo com dificuldades de aprendizagem e entre 106 (QIV) e 107 (QIR) no grupo de controlo. Ou seja, quando consideramos os valores máximos do intervalo de confiança verificamos que o grupo com proble- mas de aprendizagem apresenta desempenhos muito próximos (QIV e QIEC) dos valores médios ou normais ou mesmo pontuações dentro deste parâmetro

(QIR). Os intervalos de confiança sinalizam o facto dos resultados envolverem sempre uma margem de erro pelo que é razoável considerarmos neste grupo os limiares superiores dos referidos intervalos, quer do ponto de vista da avaliação e do diagnóstico, quer da necessidade de intervenção.

Quadro 2 - Intervalos de confiança (valores máximos e mínimos) relativos às pontuações médias dos QIs e Índices Factoriais

DIF. APRENDIZAGEM CONTROLO

Mínimo Máximo Média Mínimo Máximo Média

QIV 74 89 (80.2) 91 106 (98.5) QIR 75 93 (82.1) 89 107 (98.0) QIEC 71 89 (77.6) 89 106 (97.1) ICV 75 91 (81.6) 91 107 (98.7) IOP 76 95 (83.4) 89 108 (98.2) IVP 79 100 (86.6) 89 111 (99.8

No Quadro 3 apresentam-se os resultados referentes às duas medidas de dispersão.

Quadro 3 - Distribuição dos resultados nas medidas de dispersão

DIF. APRENDIZAGEM CONTROLO

Média D. P. Mx Mm Média D. P. Mx Mm P

SCATTER 1,80 0,38 2,85 1,09 1,90 0,37 2,63 1,11 0,289

QIV VS QIR 9,80 8,17 33,00 0,00 11,00 7,33 32,00 0,00 0,429

Na análise da dispersão tendo como medida o valor médio da dispersão intertestes (scatter), verificamos que não há diferenças significativas entre os dois grupos e que em ambas as amostras não se ultrapassa o desvio das duas unidades proposto por Wechsler como critério clínico para discriminar um de- sempenho normativo de um desempenho atípico (cf. Bourgés, 1979; Marques, 1969). O facto de se observar uma dispersão ligeiramente mais elevada na amostra de controlo, relativiza ainda mais o valor clínico desta medida. É de salientar que este resultado, embora contrarie um elevado número de investi- gações, está longe de constituir um facto singular, pois a mesma tendência já foi observada num leque alargado de investigações anteriores (Kaufman, 1981, Kush, 1996; Patchett e Stansfield, 1992; Dumont e Willis, 1995).

Relativamente à diferença entre subescalas (Verbal versus Realização), constatamos valores normativos muito semelhantes nas duas amostras, o que contraria a ideia habitual de que estas crianças apresentam uma discrepância acentuada entre as duas subescalas. Refira-se que os resultados de investiga- ções anteriores levadas a cabo noutros países também vão no mesmo sentido.

Assim, Carlton e Sapp (1997) numa amostra de alunos que frequentavam o ensino especial, e dos quais 83% apresentavam D.A., não observaram dife- renças significativas entre as escalas Verbal e de Realização. Slate, 1995, ci- tado por Kaufman e Lichtenberger (2000) ao examinarem a discrepância en- tre subescalas em grupos de sujeitos com deficiência mental, dificuldades específicas de aprendizagem e sem qualquer perturbação, observam que a discrepância a favor da subescala de Realização, está presente nas três amos- tras. Golombok e Rust (1992) nos estudos da aferição inglesa da WISC-III em amostras D.A. também verificam que os resultados da escala Verbal são infe- riores aos da escala de Realização, mas sem discrepâncias assinaláveis.

Discussão dos resultados e limitações da presente