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AVALIAÇÃO DA CARREIRA EM CONTEXTO ESCOLAR José Manuel Tomás da Silva

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Coimbra

Resumo

Neste estudo fazemos uma revisão do estado actual da avaliação de carreira em Portu- gal. A avaliação de carreira é definida como o processo através do qual se procura obter in- formação sobre as características das pessoas e dos seus contextos de vida com o objectivo de as ajudar a conhecerem-se melhor e a resolverem os seus problemas de escolha e de ajustamento à carreira. Nesse sentido ao longo deste trabalho são sumariamente apresenta- dos alguns dos principais instrumentos usados na avaliação de carreira com a finalidade de auxiliar na previsão, discriminação e monitorização do comportamento e do desenvolvi- mento vocacional.

PALAVRAS-CHAVE: Avaliação de Carreira, Inteligência, Aptidões, Interesses, Valores, Ma-

turidade, Personalidade.

Introdução

A avaliação da carreira é, tradicionalmente, um dos componentes mais importantes da intervenção de carreira (e.g., Betz, 1992; Chartrand e Walsh, 2001; Hackett e Watkins, 1995; Hartung, 2005; Prediger, 1974; Savickas, 2000; Spokane, 1991). De facto, pelo menos desde que Frank Parsons, no início do século passado, lançou as bases modernas da Orientação Vocacio- nal, considerando que a escolha avisada de uma profissão requeria: (a) o aprofundamento do conhecimento do self, (b) o conhecimento da estrutura de oportunidades profissional, e (c) a aplicação dos princípios e dos métodos de tomada de decisão para ponderar adequadamente os dois tipos de conheci- mentos, que os profissionais da orientação têm procurado desenvolver mode- los, métodos e técnicas de avaliação psicológica, para auxiliarem os seus clientes a conhecerem melhor as características pessoais relevantes para a realização e a adaptação às escolhas vocacionais. Esse empreendimento, com a sua forte ênfase na avaliação, sobretudo, a de tipo psicotécnica, marcou profundamente a evolução da Psicologia e da Orientação Vocacional durante

Psicologia Educação e Cultura 2005, vol. IX, nº 2, pp.379-400

© P.P.C.M.C.M. - Colégio Internato dos Carvalhos

Morada (address): José Manuel Tomás da Silva. Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, Rua do Colégio Novo, 3001-802 Coimbra, Portugal. e-mail: jtsilva@fpce.uc.pt

a primeira metade do século vinte, facto unanimemente reconhecido pelos au- tores que se têm dedicado à análise histórica dos primórdios desta disciplina. Estes autores consideram que o “movimento dos testes”, cuja origem se pode encontrar nos estudos de Galton, Binet e Cattell, e o desenvolvimento da Orientação Vocacional estão indissoluvelmente interligados. Hoje podemos afirmar, com confiança, que na primeira metade do século vinte a Psicologia Vocacional foi, essencialmente, uma Psicologia das Diferenças individuais aplicada ao contexto vocacional ou da carreira (Dawis, 1992; Savickas e Ba- ker, 2005). Ora, como se sabe, o ramo da psicologia, que estuda as diferen- ças individuais no comportamento, caracteriza-se por uma extensiva utiliza- ção dos métodos e técnicas de avaliação psicológica, donde a enorme influência que os testes e outras modalidades de observação psicológica tive- ram na psicologia vocacional. Embora no início da segunda metade do século passado, o modelo Traço-e-Factor, enquanto expressão no domínio vocacio- nal da psicologia das diferenças individuais, tenha começado a perder algu- ma ascendência, que outrora detinha no seio das abordagens do comporta- mento vocacional, cedendo parte da sua influência a novas abordagens de cariz mais fenomenológico e neo-comportamentalista, esta teoria e modelo de organização das práticas de orientação, actualmente reformulada como teo- ria do ajustamento pessoa-ambiente (e.g., Dawis, 2005; Holland, 1997), con- tinua a ter um papel marcante na psicologia vocacional, quer a nível da inves- tigação, quer no plano dos serviços de carreira. No entanto, durante os anos sessenta e setenta houve, indiscutivelmente, um nítido abrandamento na utili- zação dos procedimentos clássicos de avaliação psicométrica. A psicologia vocacional acompanhava, assim, a tendência que nessa altura perpassou pra- ticamente todos os campos da psicologia, sob a influência de eminentes de- tractores da teoria dos traços como, por exemplo, Mischel (1968). O cepticis- mo e negativismo reinante sobre o valor do conceito de traço transformou-se rapidamente numa crítica incisiva aos testes psicológicos, dada a estreita as- sociação destes com a investigação sobre os traços de personalidade. Neste clima de desconfiança sobre os testes psicológicos e acerca do seu valor para a resolução dos problemas dos indivíduos, muitos profissionais de orientação deixaram, nessa altura, de utilizar instrumentos de avaliação psicométrica, en- quanto outros, passaram a usá-los mais esporadicamente. Alguns conselheiros de carreira, em virtude deste facto, começaram a recorrer com maior frequên- cia a métodos e a técnicas de avaliação qualitativa e informal. Algumas des- sas técnicas, como a entrevista, já eram frequentemente usadas na orientação vocacional, mas muitas outras (e.g., desenho de linhas da vida, genogramas de carreira, card sorts), constituíram interessantes novidades, no domínio da

avaliação de carreira e, desde então, têm recebido uma boa aceitação por parte de alguns profissionais de orientação. Todavia, estes meios “não tradi- cionais” de avaliação, nunca se constituíram como real alternativa dos proce- dimentos mais clássicos, de cariz mais quantitativo (e.g., testes, questionários e inventários, escalas de auto-avaliação). A passagem do tempo mostra, in- desmentivelmente, que o anúncio da morte, tanto da abordagem traço-e-fac- tor, como da abordagem quantitativa da avaliação psicológica na orientação e no aconselhamento de carreira (e.g., Goldman, 1961) foi uma premonição precipitada e claramente exagerada, atendendo à popularidade de que os testes e outros procedimentos de medida psicológicos, desfrutam na actualida- de, tanto entre os profissionais como no seio dos clientes dos serviços de car- reira. De facto, quer uns, quer outros, apoiam a sua utilização e reconhecem o interesse da informação produzida para aumentar o auto-conhecimento bem como para a realização de decisões, em diferentes áreas da vida das pessoas. Como salientaram Chartrand e Walsh (2001), a “avaliação de car- reira sempre foi a parte mais importante do aconselhamento psicológico, mas nunca foi tão largamente aceite como é presentemente” (p. 231). Outro indi- cador da vitalidade do campo da avaliação de carreira pode ser encontrado no aumento dos meios inteiramente dedicados à divulgação dos instrumentos e da investigação realizada neste domínio. Neste âmbito refira-se, como exemplo paradigmático, o aparecimento em 1993 do Journal of Career As- sessment, uma revista científica cabalmente dedicada à difusão de trabalhos na esfera da avaliação de carreira. Na mesma linha de ideias, a monografia A Counselor’s Guide to Career Assessment Instruments (Kapes e Mastie, 1982), publicada pela primeira vez no começo dos anos oitenta e cuja edição tem vindo a ser regularmente actualizada, dadas as rápidas mudanças que continuam a ocorrer, a nível do desenvolvimento de instrumentos de avaliação de carreira e nas profissões que os utilizam, representa uma das principais fontes de informação existentes, no fórum internacional, sobre os instrumentos de avaliação de carreira.

No nosso país também encontramos exemplos como aqueles que acaba- mos de referir para os EUA. As monografias Provas Psicológicas em Portugal (Almeida, Simões e Gonçalves, 1995), Testes e Provas Psicológicas em Portu- gal (Simões, Gonçalves e Almeida, 1999), e, mais recentemente, os dois volu- mes da Colecção Avaliação Psicológica, da Quarteto Editora (Almeida, Si- mões, Machado e Gonçalves, 2004; Gonçalves, Simões, Almeida e Machado, 2003), embora sendo genericamente dedicados à avaliação psicológica, con- têm, apesar disso, informação útil e relevante acerca de instrumentos utiliza- dos na avaliação de carreira, devendo por isso ser consideradas obras de re-

ferência neste domínio. O livro Avaliação Psicológica em Orientação Escolar e Profissional (Leitão, 2004), também publicado recentemente pela mesma edi- tora atrás mencionada, e reunindo os contributos de vários autores, nacionais e internacionais, especializados na área da avaliação psicológica, constitui a fonte mais actualizada e completa de que dispomos no nosso país, até à data, sobre a avaliação de carreira.

De acordo com um trabalho de revisão recente sobre os instrumentos de avaliação utilizados, em Portugal, na investigação e na intervenção de carrei- ra (Teixeira, 2004a), pode-se comprovar que o seu número e diversidade, no- meadamente, no que diz respeito às características psicológicas e de carreira que são avaliadas, é bastante significativo e abrangente. Sem ter tido a preo- cupação de fazer um levantamento exaustivo do conjunto de instrumentos de carreira existentes no contexto nacional, mesmo assim, a autora, reuniu e apresentou uma lista composta por quarenta instrumentos distintos que, no agregado, permitem medir as dimensões tradicionalmente consideradas rele- vantes nas intervenções de carreira: testes de inteligência e de aptidões cogni- tivas específicas, inventários de interesses e de valores acerca do trabalho, medidas do desenvolvimento/maturidade de carreira e avaliações da perso- nalidade. Noutro estudo, mais antigo, que também procedeu a um levanta- mento dos instrumentos de avaliação psicológica mais frequentemente utiliza- dos pelos psicólogos dos Serviços de Psicologia e de Orientação (SPO´s), pertencentes à Direcção Regional de Educação do Centro (DREC), os autores (Cussecala e colaboradores, 1999), identificaram uma extensa lista de vinte e oito instrumentos que, permitem medir um largo espectro de características in- dividuais.

No espaço limitado de que dispomos para este trabalho não seria viável descrever cada um dos instrumentos identificados nos estudos, anteriormente referidos, pelo menos de um modo minimamente razoável e sério. Assim, nes- te texto iremos efectuar uma revisão selectiva de um pequeno conjunto de ins- trumentos, comummente utilizados na avaliação da carreira em contexto esco- lar, em Portugal. Para a escolha dos instrumentos utilizámos os dois seguintes critérios: (1) as provas deverão estar validadas para a população portuguesa e, cumulativamente, sempre que possível, que possam ser obtidas facilmente pelos interessados (i.e., que estejam disponíveis no mercado), e (2) constem em pelo menos uma das fontes anteriormente citadas.

Antes, porém, de avançarmos para a descrição dos instrumentos seleccio- nados precisamos de esclarecer, ainda que sumariamente, o que entendemos por avaliação de carreira e as suas principais funções a nível das intervenções de carreira, nomeadamente, as que se realizam em contexto escolar.