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EDUCAÇÃO Maria João Afonso

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Lisboa, Portugal

Resumo

Este artigo aborda a noção de sucesso e a sua relação com a inteligência no âmbito de dois paradigmas de investigação e avaliação: o paradigma diferencial, subjacente às técni- cas tradicionais de medida da inteligência, e o paradigma sistémico, aqui representado por uma das mais importantes teorias da actualidade, a Teoria Triárquica da Inteligência Hu- mana de Robert Sternberg. São identificadas algumas implicações da teoria, e do conceito de Inteligência Funcional (Successful Intelligence) a que deu origem, para a educação e a avaliação da inteligência. O Teste Triárquico de Aptidões de Sternberg – Revisto é apre- sentado como operacionalização da teoria e são discutidos alguns resultados obtidos em Portugal com a versão experimental portuguesa (nível H – ensino superior e adultos) (Afonso, 2004): consistência interna e análise factorial confirmatória.

PALAVRAS-CHAVE: Inteligência, inteligência funcional, STAT-R (H), análise factorial con-

firmatória.

Charles Darwin e Albert Einstein eram homens inteligentes? A pergunta soa absurda, de tal modo a resposta é óbvia e imediata. Enquanto cientistas, apenas nos ocorre considerá-los “homens de sucesso”, pelo lugar destacado que conquistaram nos respectivos domínios, pelo legado de saber que deixa- ram à Humanidade, pela forma indelével como mudaram os nossos conceitos de Homem e do seu lugar no Universo. Assim se converteram em dois casos de grande imortalidade, na acepção de Kundera. E, contudo, nem um nem outro deixou de viver experiências de insucesso. Nas palavras do próprio Charles Darwin (1809-1882) é possível discernir essa vivência, em ligação com a sua escolarização:

“A escola como meio de educação, para mim foi um simples vazio. Durante toda a minha vida, sempre fui simplesmente inca-

Psicologia Educação e Cultura 2005, vol. IX, nº 2, pp.337-358

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paz de lidar eficazmente com qualquer matéria linguística. [Na escola] era dada especial importância à construção de versos, al- go que eu jamais consegui fazer bem (…). Quando deixei a esco- la (…) estou convencido de que era considerado, por todos os meus professores e pelo meu próprio pai, um rapaz muito vulgar, mesmo um pouco inferior ao nível intelectual normal. (…) as úni- cas qualidades que neste período pareciam promissoras eram os meus interesses diversificados e vincados, o grande zelo com que me dedicava a qualquer tema que me interessasse e o genuíno prazer que sentia na compreensão de qualquer assunto ou fenó- meno complexos.” (Darwin, 1905, pp. 29-30)

Apesar da crença, mais ou menos generalizada mas infundada, no insu- cesso escolar de Einstein (1879-1955), não foi ao longo da escolaridade bási- ca, diferentemente de Darwin, que enfrentou o insucesso, sendo que era até, de acordo com Abraham Pais (1982/2004), “um aluno acertadinho, persis- tente, mas lento, que resolvia os problemas de matemática com segurança, mas não sem erros de cálculo” (pp.57-58). Veio a tornar-se “o melhor aluno na escola” (p.59), de quem a própria mãe disse, em carta dirigida à avó de Einstein: “O Albert recebeu as notas. Foi novamente o melhor, a informação é brilhante” (p.58). Mesmo assim, se atentarmos ao supra referido relato bio- gráfico, é assinalável a referência à apreensão da família, durante os primei- ros anos de vida, relativamente a que aquela criança pudesse ser “atrasada”, devido à configuração invulgar da cabeça e ao excessivo tempo que demorou a começar a falar, e pode supor-se também algum desajustamento à escola – “no conjunto, não gostou dos anos de escolaridade: professores autoritários, estudantes servis, ensino livresco, nada disso lhe caía bem. (…) Sentia-se iso- lado e fazia poucos amigos na escola” (p.58). É, no entanto, mais tarde, du- rante a adolescência e o início da idade adulta, que Einstein enfrenta alguns insucessos que o desencorajam: em 1895 reprova no exame de acesso ao curso de Engenharia Eléctrica no Eidgenössische Technische Hochschule (ETH) de Zurique, sentindo-se forçado a obter o diploma do ensino médio (matura) que veio a proporcionar-lhe esse acesso no ano seguinte, e em 1900, após a sua graduação, falhou a obtenção de um lugar como assistente no ETH, ao contrário de todos os outros estudantes graduados na mesma altura. A situa- ção de desemprego prolongou-se e, apesar das múltiplas tentativas de candi- datura a lugares universitários de assistente, em 1901 concluía: “Abandonei a ambição de ingressar numa universidade…” (p.67). Só em Junho de 1902 as- sume finalmente as suas primeiras funções profissionais, a que acedeu com o

apoio de um amigo: perito técnico de terceira classe na repartição de paten- tes, em Berna. Funções bem diversas das que, nas suas próprias palavras, am- bicionava aos 16 anos:

“(…) irei para o ETH, em Zurique. Ficarei lá quatro anos, pa- ra estudar matemática e física. Penso tornar-me professor naque- les ramos das ciências naturais, escolhendo a sua parte teórica. Eis as razões que me levaram a este projecto. Acima de tudo, a [minha] predisposição para o pensamento matemático abstracto, [e a minha] falta de imaginação e de capacidade prática.” (Eins- tein, Mes projects d’avenir, 1895 citado em Pais, 1982/2004, pp.61 e 64-65)

A “falta de capacidade prática”, de que mostrava consciência, terá sido em parte responsável pela sua dificuldade em conseguir o emprego a que as- pirava? Possivelmente. E poderemos então concluir que Albert Einstein era um homem inteligente? Em rigor, a resposta a esta pergunta depende da forma como definimos “inteligência” e da relação que assumimos entre “inteligência” e “sucesso”.