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Em ―Três ensaios sobre a teoria da sexualidade‖ (1905/1972) Freud postula que não existem regra sexuais e sim regras sociais, acrescenta ainda que o desejo e a libido não têm idade sendo, a sexualidade adulta igual à sexualidade infantil. Assim, a sexualidade não se atendo à função biológica, sendo avessa a ela, apresenta-se pela relação que cada sujeito estabelece com seu objeto de desejo (FREUD, 1905/1972). Objeto denominado por Lacan de objeto a (causa de desejo e, também, de angustia). Sendo o objeto que falta ao sujeito, ele é também aquilo que vem no lugar dessa falta, sem, contudo, jamais poder preenchê-la. (LACAN, 1992)

Não é a idade que determina a ausência do desejo, nem tampouco a ausência ou presença de relações sexuais. Estas podem ser inscritas na velhice de formas diferentes daquelas encontradas na adolescência mas a sexualidade não deixa de se inscrever de maneiras diferentes e inéditas. (MUCIDA, 2006)

Como foi abordado nos capítulos anteriores, questões fundamentais da estruturação da idosa como mulher, priorização de seus traços femininos ou não e, principalmente suas escolhas de objeto de amor ocorrem da mesma forma que em qualquer outro estágio de sua vida. Dá-se isso pela manutenção psíquica do recalque original, pelo caráter repetitivo das pulsões e pelas marcas profundas e imutáveis que nossa estruturação como sujeito, ainda quando bebês, nos deixam para toda a vida (BIRMAN, 2002), configurando a premissa psicanalítica que o SUJEITO NÃO ENVELHECE.

Entretanto, considerando aspectos físicos, sociais e culturais há algumas mudanças na sexualidade da idosa que devem ser consideradas.

45 Abdo (2005) explica que o avanço do conhecimento da sexualidade humana induz um aumento dos meios de se identificar as diferenças entre as características especificamente femininas e masculinas da resposta aos estímulos sexuais. Essas diferenças são atribuídas a fatores de ordem biopsicossocial como: a cultura, os hormônios sexuais estrógenos e andrógenos, a educação sexual repressora e a permissiva, o próprio ambiente controlador e os diversos estímulos para o exercício ou da sexualidade.

A mulher, desde sempre, recorre à sensualidade e à sedução como formas principais de exercício de sua sexualidade, enquanto o homem busca a conquista ativa e a posse no exercício da sexualidade (BIRMAN, 2002). Partindo desse princípio; quando, na velhice, a idosa se encontra com o real de um corpo transformado, marcado pelo irreparável – imagem nem sempre fácil de suportar – a dificuldade de se significar como pessoa passível de ser desejada pode surgir e colocar essa idosa em uma condição de evitação da sexualidade como mecanismo de defesa. A perda e a carência de traços simbólicos de um ideal que possa servir de mediador entre o eu e o narcisismo e, na carência de traços sublimatórios, poderá subsistir para alguns idosos o apego a objetos, sintomas depressivos e até reações de ódio. (MUCIDA, 2006)

Segundo Néri (2003) o foco na nossa cultura direciona-se basicamente nos períodos da infância, da adolescência, e às questões clínicas da vida adulta, enfatizando, com relação à velhice, limitações e perdas em detrimento das potencialidades.

― [...] no contexto moderno da valorização da produtividade e do vir-a-ser do indivíduo, em que a perspectiva de ganhos decorrentes do potencial de crescimento da infância ajustava-se sob medida para o contexto da produção capitalista, o desenvolvimento e o envelhecimento foram considerados termos antagônicos e incompatíveis‖. (NÉRI, 2002, p.34).

Assim, foi construida uma ideologia da velhice, que está presente no senso comum, inclusive dos idosos, que o desenvolvimento da vida é feito com a companhia de um acúmulo de deficits, de involuções, de perdas, disfuncionalidades, afastamentos e deteriorações. Isso contribui para que a sexualidade das idosas se restrinja à um movimento saudosista, melancólico ou de fantasias. (NÉRI, 2002).

Entretanto, Chaves (2000) pontua que cada indivíduo é único e, levando-se em conta esse fator heterogeneidade, deve-se, por isso, falar em velhices e não em velhice. Cada velhice tanto pode ser um período de desabrochar como pode ser motivo para levar o indivíduo a sofrer perturbações psicopatológicas graves por uma infinidade de motivos.

46 A menopausa, as modificações corporais, as mudanças de desempenho social, tudo isso se altera, em maior ou menor grau no processo de envelhecimento e exige, como em outras trasformações da vida, um processo de luto seguido por uma adaptação. Portanto, todas essas modificações não dizem nada se as considerarmos apenas como verdades elencadas em uma lista de inevitáveis alterações na vida de uma idosa, uma idosa qualquer. Cada processo de envelhecimento é único e tais alterações só dizem algo se forem significadas por cada sujeito. Há que se considerar, principalmente, o significante que cada idoso constrói. (MUCIDA, 2006)

―A menopausa pode ser para algumas mulheres a vivência da perda fálica (queda das insígnias da sedução) ou a perda da possibilidade de ser mãe, para outras pode representar, um certo alívio e a possibilidade de viverem a sexualidade sem o fantasma da maternidade. Entretanto, esses significantes não são indiferentes, já que, como assinalado, o sujeito é um efeito do significante‖. (MUCIDA, 2006, p. 161)

Abordando a questão cultural / religiosa que relaciona-se com a vivência da sexualidade das idosas, Risman (2005) explica que foi com Santo Agostinho que se reforçou a idéia da atividade sexual estritamente para a reprodução através das normas descritas pela Igreja. Baseado nesse construto introjetado por séculos de evolução histórica a sexualidade sem fins reprodutivos, como se dá na velhice, constitui um pecado e remete à questão da culpa. Pensando especificamente nas questões culturais que envolvem a mulher, as limitações ficam ainda maiores e a culpa feminina muito mais pesada e imperdoável.

Basta contextualizarmos historicamente a idéia de pecado religioso relacionado à sexualidade para abordarmos a questão da identidade da mulher na terceira idade. No século XV, por exemplo, Risman (2005) relata a existência da prática comum de caça às bruxas e nessa época foi escrito um manual onde se justificava a perseguição e morte delas.

Constava que a bruxaria era realizada por luxúria carnal e as mulheres eram as grandes culpadas por serem insaciáveis sexualmente, até mais que os homens. Acreditava-se que a impotência masculina, o aborto natural e a infertilidade eram obras de bruxaria. Todo ato sexual não destinado à procriação estava relacionado diretamente à práticas demoníacas induzidas por mulheres que deveríam ser punidas rigorosamente com a morte ou a excomunhão religiosa. (RISMAN,2005)

Nessa época, ainda segundo Risman (2005), mulheres idosas que seduziam e mantinham relação sexual com homens mais jovens eram julgadas por mau comportamento (comportamento sem nenhum efeito sobre a duração da vida), eram vistas como enganadoras que atraiam e controlavam o homem para satisfazer seus desejos sexuais.

47 Consideremos ainda que a maioria das que hoje são idosas tiveram uma educação castradora, um ambiente social e religioso repressor. Quando o desejo ainda sobrevive na idade avançada e insiste em continuar manifestando-se, muitas mulheres, ao barrarem voluntariamente essa pulsão, desenvolvem sintomas vários. Em ―Tipos de desencadeamento da neurose‖, (1912/1969), Freud enumera diferentes fatores que podem desencadear uma neurose. O primeiro é a frustração, necessidade de amor não satisfeita. (FREUD, 1912/1969). Na tópica Lacaniana, essa questão é definida como uma lesão ou um dano no imaginário – ―A frustração é, por essência, o domínio da reivindicação. Ela diz respeito a algo que é desejado e não é obtido, mas que é desejado sem nehuma referência a qualquer possibilidade de satisfação ou aquisição‖. (LACAN, 1995 p. 36)

Reforçado pelo comportamento masculino pontuado por Junqueira (2007) de que o desejo sexual masculino é, principalmente, pautado na visão do corpo, das linhas e das formas a mulher idosa tende a sentir-se não desejada e isso desestrutura condições básicas da sexualidade feminina, como vimos em tópicos anteriores.

Na imagem do corpo, na obsessão pela aparência física e pela suposta eterna juventude que se ergue uma das piores barreiras com as quais convivem algumas idosas porque imaginam que o corpo envelhecido não é mais capaz de amar e, principalmente, de ser amado. Muitas pessoas idosas ainda não aprenderam que a sexualidade é também uma arte que se embeleza com o mistério, com a ternura e certa estética do viver. Conquistar isso é chegar ao ponto alto do viver a dois na velhice. (CARIDADE,1998)

Na questão social, Ballone (2005) explica que outra limitação importante que compromete a sexualidade, principalmente das mulheres, é a disponibilidade de parceiro e sua capacidade para manter relações sexuais. Isso por que entre os idosos existe um desequilíbrio numérico a favor das mulheres que representam dois terços da população de sua idade com uma menor disponibilidade de homens. Nesse caso, a ausência de atividade sexual se relaciona também com a não existência de um parceiro estável. Além disso, a ausência de um ambiente particular da idosa que, com frequencia, em nossa cultura, passa a morar com os filhos, funciona também como importante agente castrador da sexualidade.

Retornando a Freud, ele coloca na ―Conferência XXV‖ (A angústia) de 1917/1976 que há uma relação de geração da angústia com um aumento libidinal e a menopausa. Em ―Análise terminável e interminável‖ (1937/1996) ele retoma esse tema:

48 ―Duas vezes no curso do desenvolvimento individual certas pulsões são consideravelmente reforçadas: na puberdade e, nas mulheres, na menopausa. De modo algum ficamos surpresos se uma pessoa, que antes não era neurótica, assim se torna nessas ocasiões. Quando suas pulsões não eram tão fortes, ela teve sucesso em amansá-las, mas quando são reforçadas, não mais pode fazê-lo‖. (FREUD, 1937/1996, p. 258)

Freud (1895/1976), faz associação entre o surgimento da angústia e o aumento da ―excitação‖e da libido na mulher, no seu envelhecimento. Ele pontua que, tal aumento da libido aconteceria em ambos os sexos, entretanto, em função da imensa repressão sexual da mulher na época, essa tenderia a ser tomada por um sentimento de ―horror‖ diante da percepção do aumento da libido no seu envelhecer. Freud, propôs então que, a abstinência sexual acompanhada de um aumento libidinal que não encontra caminhos para ―descarga‖ , ―excitação não consumada‖, trariam a neurose de angústia no climatério.

É fundamental entender que o aumento libidinal próprio do envelhecimento feminino não é sinônimo de desejo sexual desenfreado. Segundo Mucida, 2006, esse aumento libidinal diz respeito a uma exigência pulsional diferenciada, já que, como na adolescência, há na menopausa uma série de mudanças no corpo exigindo uma série de adaptações. Não se trata, assim, de um aumento quantitativo absoluto na libido mas de um desequilíbrio entre a cota de libido em operação atual e a quantidade de libido que o ego individual está habituado a lidar, sublimar ou empregar diretamente.

O surgimento de sintomas neuróticos ou a realização de um período de intensas descobertas são vertentes que surgem a partir da vivência da sexualidade feminina na velhice. O que determina um acontecimento ou outro são capacidades individuais de re-significação, de adaptação às mudanças, de superação de tabus e, também, da coragem da idosa em se propror uma reforma psicológica íntima, com ou sem a ajuda de um profissional da saúde mental, no sentido de adaptar seus significantes para, novamente, sentir-se capaz de ser o falo de alguém. (MUCIDA, 2006)

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CAPÍTULO 4: