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CORPUS: AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: TFD, 1993.

7.6.1 Síntese da narrativa

Rita Baiana é a protagonista feminina da romance O cortiço, de Aluísio Azevedo. Trata-se de um romance naturalista composto de 28 capítulos. Publicado em 1890, tem como protagonista masculino João Romão, um português bronco e ambicioso que, juntando dinheiro e poder à custa de sacrifícios, compra um pequeno estabelecimento comercial no subúrbio do Rio de Janeiro, onde se passa a ação do romance:

―João Romão foi, dos treze aos vinte e cinco anos, empregado de um vendeiro que enriqueceu entre as quatro paredes de uma suja e obscura taverna nos refolhos do bairro do Botafogo; e tanto economizou do pouco que ganhara nessa dúzia de anos, que, ao retirar-se o patrão para a terra, lhe deixou em pagamento de ordenados vencidos, nem só a venda como o que estava dentro, como ainda um conto e quinhentos de dinheiro‖. (AZEVEDO, 1993, p. 19).

16. Todas as considerações feita no íten 7.6 são fundamentadas na seguinte obra: AZEVEDO, A. O cortiço. São Paulo: TFD, 1993.

155 Ao lado do seu comércio morava Bertoleza, uma preta, escrava fugida e mulher trabalhadora, que possuía uma quitanda e umas economias. Interessando-se pelo dinheiro da preta, João Romão a toma como amante, criada, e caixeiro. Ao perceber que ela era fugida, forjou uma falsa carta de alforria e conquistou a confiança da pobre moça.

― Bertoleza representava agora ao lado de João Romão o papel tríplice de caixeiro, de criada e de amante. Mourejava a valer, mas de cara alegre; às quatro da madrugada já na faina de todos os dias, aviando o café para os fregueses e depois preparando o almoço para os trabalhadores de uma pedreira que havia para além de um grande capinzal aos fundos da venda. Varria a cãs, cozinhava, vendia ao balcão na taverna, quando o amigo andava ocupado lá por fora; fazia a sua quitando durante o dia no intervalo de outros serviços, e á noite passava-se para a porta da venda, e defronte de um fogareiro de barro, fritava a frigia sardinhas, que Romão ia pela manhã, em mangas de camisa, de tamancos e sem meias, comprar á praia do Peixe. E o demônio da mulher ainda encontrava tempo para lavar e consertar, além da sua, a roupa do seu homem, que esta, valha a verdade, não era tanta e nunca passava em todo o mês de alguns pares de calças de zuarte e outras tantas camisas de riscado‖ . (AZEVEDO, 1993, p. 21)

Com o dinheiro dela, comprou algumas braças de terá e alargou sua propriedade. Com o decorrer do tempo, João Romão comprou mais terras e nelas construiu três casinhas que imediatamente foram alugadas. O negócio deu certo e novos cubículos foram se amontoando na propriedade do português. A procura de habitação era enorme, e João Romão, ganancioso, acabou construindo vasto e movimentado cortiço.

Expandindo seus negócios, João Romão comprou também uma pedreira que lhe dava muito lucro. Alugava suas casinhas para seus funcionários, vendia para eles os produtos da sua venda e, assim, acumulava capital e crescia na periferia do Rio de Janeiro.

Ao lado de João Romão vem morar outro português, mas de classe elevada, com certos ares de pessoa importante, pomposo, o Miranda, cuja mulher, Estela, vivia envolvendo-se com os caixeiros do marido. O casal tinha uma filha, Zulmirinha. Miranda não se dá com João Romão, nem vê com bons olhos o cortiço crescendo perto de sua casa, avançando em sua direção, como um corpo vivo.

Miranda tornou-se um homem rico ao se casar por interesse com Estela. E, embora a contragosto, mudou-se para ali para proteger sua relação, pois sua esposa o traía com freqüência.

156 Acompanhando o crescimento do subúrbio do Rio de Janeiro, o cortiço de João Romão crescia como um organismo vivo, avançando para todas as direções, como um grande formigueiro humano.

― Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas. Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada sete horas de chumbo. Como que se sentia ainda na indolência da neblina as derradeiras notas da última guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loira e tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia. A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, umedecia ao ar e punha-lhe um fartum acre de sabão ordinário‖. (AZEVEDO, 1993, p. 41).

No cortiço moram os mais variados tipos humanos: brancos, pretos, mulatos, lavadeiras, malandros, assassinos, vadios, benzedeiras etc. Entre outros, Rita Baiana, uma mulata sensual e faceira que andava amigada com Firmo, um capoeira malandro e valentão.

Certo dia chega um casal português, Jerônimo e sua esposa Piedade. O homem quer administrar a pedreira, que pode dar mais lucro, mas quer salário melhor. Promete morar no cortiço. O casal é símbolo de fidelidade e de amor. E chama a atenção de todo o cortiço. A fidelidade e a dedicação de Jerônimo à sua esposa toca a todos, pois representam a dignidade humana no seu grau mais elevado. Num flash-back o narrador mostra como Jerônimo viera de Portugal para trabalhar na lavoura, mas desgostou-se da labuta ao lado de escravos e mudou-se para a cidade, indo trabalhar na pedreira de João Romão. Ali era respeitado pela sua força e pela seriedade com que encarava o serviço. Logo os resultados surgiram. E ele ganhou aumento de salário. Já sua esposa é o símbolo da honestidade. É católica, trabalhadeira, lavadeira com muitos fregueses que a buscavam mesmo indo morar longe.

O já movimentado cortiço fica ainda mais apimentado com a chegada nele de Rita Baiana. Todos a cumprimentam efusivamente. Rita avisa que à noite vai ter festa, pois seu amante, Firmo, vem jantar com ela. As mulheres ajudam a preparar a janta e Firmo chega trazendo um violão. Firmo era um mulato de corpo forte, talhado, ágil. Mas era um vadio, gastando o que ganhava no jogo. Era capoeira. Tinha como sonho ser funcionário público, mas nunca conseguiu o emprego desejado. Chega o domingo e a festa começa no cortiço. Jerônimo e Piedade foram convidados, mas preferiram ficar em casa. Mas quando Firmo começa a tocar seu violão Jerônimo sai e se junta ao grupo. Rita dança para todo o cortiço, que se aglomera. Ao vê-la de ombros e braços nus, Jerônimo deixa cair o queixo.

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― Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, rebolando as ilhargas e bamboleando a cabeça, ora par a esquerda, ora para a direita, como numa sofreguidão de gozo carnal, num requebrado luxurioso que a punha ofegante; já correndo de barriga empinada; já recuando de braços estendidos, a tremer toda, como se fosse afundando num prazer grosso que nem azeite, em que se não toma pé e nunca se encontra fundo. Depois, como se voltasse à vida, soltava um gemido prolongado, estalando os dedos no ar e vergando as pernas, descendo, subindo, sem nunca parar com os quadris, e em seguida sapateava, miúdo e cerrado, freneticamente, erguendo e abaixando os braços, que dobrava, ora um, ora outro, sobre a nunca, enquanto a carne lhe fervia toda, fibra por fibra, titilando‖ . (AZEVEDO, 1993, p. 81-82).

No dia seguinte Jerônimo adoeceu e largou o trabalho na hora do almoço. Foi para casa, e prostrou-se. As mulheres ficaram em alvoroço e todas queriam ajudar. Quando Rita Baiana entrou em sua casa para vê-lo, ele teve uma melhora repentina. Piedade percebeu o perigo, não pela inteligência, mas pelo instinto animal de preservação, mas se conteve. Rita era pura sedução. Seduzia com o olhar, com a cor da pele e até com o ritmo do seu caminhar. Deu-lhe um ―suador‖ e ele passou a mão pela cintura dela. A mulata ameaçou contar tudo à mulher dele, mas nada fez.

O tempo passa e Jerônimo sofre uma transformação. Não é mais o mesmo homem, não olha mais para a esposa da mesma maneira. Comporta-se como se a serpente da Rita tivesse picado nele a sua peçonha e esta tivesse tomado conta do seu corpo rijo, do seu espírito vigoroso, e amolecido tudo, dilatado tudo.

― Uma transformação lenta e profunda, operava-se nele, dia a dia, hora a hora, reviscerando-lhe o corpo e alando-lhe os sentidos, num trabalho misterioso e surdo de crisálida. A sua energia afrouxava lentamente: fazia-se contemplativo e amoroso. A vida americana e a natureza do Brasil patenteavam-lhe agora aspectos imprevistos e sedutores que o comoviam; esquecia-se dos seus primitivos sonhos de ambição, para idealizar felicidades novas, picantes e violentas; tornava-se liberal, imprevidente e franco, mais amigo de gastar do que de guardar; adquiria desejos, tomava gosto aos prazeres, e volvia-se preguiçoso, resignando-se, vencido, às imposições do sol e do calor, muralha de fogo com que o espírito eternamente revoltado do último tamoio entrincheirou a pátria contra os conquistadores aventureiros. E assim, de pouco a pouco, se foram reformando os seus hábitos de aldeão português: e Jerônimo abrasileirou-se; já apareciam por lá alguns companheiros de estalagem, para dar dois dedos de palestra nas horas de descanso, e aos domingos reunia-se gente para o jantar. A revolução final foi completa: a aguardente de cana substituiu o vinho; a farinha de mandioca sucedeu á broa; a carne-seca e o feijão-preto ao bacalhau com batatas e e cebolas cozidas; a pimenta- malagueta e a pimenta-de-cheiro invadiram vitoriosamente a sua mesa; o caldo verde, a acorda e o caldo de queca, pelo vatapá e pelo caruru; a couve à mineira destronou a couve à portuguesa; o pirão de fubá ao pão de rala, e, desde que o café encheu a casa com o seu aroma quente, Jerônimo principiou a achar graça no cheiro do fumo e não tardou a fumar também com os amigos‖ . (AZEVEDO, 1993, p. 96)

158 Nas noites de samba, Jerônimo era o primeiro a chegar. Sua esposa percebeu a mudança do marido, o interesse dele pela mulata. Desesperada, foi procurar a bruxa para que lhe ensinasse algum modo de prender o marido. Paula, a feiticeira, recomendou que Piedade pegasse a água em que ela se banhasse e pusesse no chá do marido. Por sua vez, Firmo também se enciumava. Rita previne Jerônimo para que tome cuidado com o capoeira. Jerônimo continua enfermo. As festas e rodas de sambam acabam. Piedade está cada dia mais apreensiva com o interesse declarado do seu marido por Rita Baiana.

Os negócios de João Romão sofrem um abalo. Surge na mesma rua um outro cortiço, que é chamado de Cabeça de Gato. Para revidar, batizam o cortiço de João Romão de Carapicus. Firmo passa a morar no Cabeça de Gato, onde se torna chefe dos malandros. Jerônimo arma uma emboscada para o malandro e o mata traiçoeiramente a pauladas, fugindo em seguida com Rita Baiana, abandonando a mulher de vez.

7.6.2 Análise Literária

O cortiço é um romance naturalista. Neste tipo de romance, também chamado de

romance de tese, procura-se mostrar a prevalência das teses cientificas que tornaram o final do século XIX um dos mais palpitantes no que tange às descobertas científicas e tecnológicas. Entre estas teses, a de Hipólite Taine era uma das mais festejadas. Tratava-se do Determinismo, que concebia o homem como produto do meio, em três dimensões: meio biológico, meio sociológico e meio histórico.

O Determinismo, como doutrina estabelecia que todos os acontecimentos, inclusive vontades e escolhas humanas, eram causados por acontecimentos anteriores. Neste sentido, o homem não teria liberdade para agir, não teria livre-arbítrio. Todas as suas ações seriam ditadas pela natureza, por forças atávicas que o antecediam, pelo momento, pelo meio e pela raça. Dentro desse preceito, o indivíduo faria exatamente aquilo que tinha de fazer e não poderia fazer outra coisa; a determinação de seus atos pertence à força de certas causas, externas e internas. É a principal base do conhecimento científico da Natureza, porque afirma

159 a existência de relações fixas e necessárias entre os seres e fenômenos naturais: o que acontece não poderia deixar de acontecer porque está ligado a causas anteriores. No nível mental também vigora o mesmo princípio pois os pensamentos têm uma causa, assim como as ações deles decorrentes; pensamentos e atos estão relacionados aos impulsos, traços de caráter e experiências que caracterizam a personalidade.

É sobre esta base ideológica que Aluisio Azevedo construiu seu romance. E o núcleo que melhor mostra a materialização dos preceitos do Determinismo no romance é o triângulo amoroso envolvendo o casal português Jerônimo e Piedade e sua amante brasileira, Rita Baiana.

O casal português sofre um profunda transformação, quando muda de meio. O que confirma os preceitos do Determinismo, abraçada pelos autores no Naturalismo: a de que o homem é produto do meio. Dessa forma, se ficasse em Portugal, seria sempre um casal harmonioso. Mas se mudarem para o Brasil, um país tropical, dominado pela sensualidade, impulsionado pelo calor e pela pimenta, o casal se desfaz, e o bom marido se lança nos braços da amante sensual e lascívia.

Vivendo em Portugal, terra fria, soturna, Jerônimo era um homem disciplinado, ordeiro, fiel e trabalhador; mas vindo para o Brasil, comendo pimenta e bebendo cachaça, no sol quente dos trópicos, ele se metamorfoseou em um ser local, nacional. Todos os vícios do país o contaminaram e ele se degradou, perdeu seu caráter e suas virtudes. A preguiça, a lerdeza e a lassidão são agora suas características, como, no entender do autor, de todos os brasileiros, pois Jerônimo abrasileirou-se. Foi determinado pelo meio. E toda essa transformação foi provocada por Rita Baiana, a mulata sensual, a feiticeira que arrebatou o coração do português, levou-o a abandonar sua família e a fugir do trabalho.

O cortiço é um romance crítico, contundente. O tema central do romance é o problema

da moradia, o drama das populações que moram nos subúrbios do Rio de Janeiro, vivendo em cortiços, amontoadas como bichos uns por sobre os outros. Trata-se, portanto, de um drama coletivo. Vale lembrar que o Naturalismo tem preferência por dramas que envolvam multidões, grandes massas. Assim, os personagens são, essencialmente, tipos, ou seja, representam grupos e não seres individuais.

Percebe-se também uma crítica ao capitalismo selvagem, materializada na ambição desmedida do homem que aspira à riqueza e, sendo rico, aspira à nobreza. Essas ambições são colocadas no romance como sendo manifestações dos instintos primitivos do homem, caracterizados como animais, movidos pela fome e pela sede.

160 O comportamento do homem é determinado pelo meio, pela raça e pela hereditariedade. O sexo é mostrado como a dimensão mais irracional, mais instintiva do ser humano. É uma força avassaladora que priva o homem do livre arbítrio e o transforma em um escravo da lascívia e da luxúria. O sexo é mostrado no romance como a força mais degradante do homem, mais ainda que a ambição e a cobiça.

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7.7 ESTÓRIA 7

(Relaciona-se com história de vida VII e sua interpretação psicanalítica) 17

PERSONAGEM: NYX

CORPUS: HESIODO. Teogonia: a origem dos deuses. Estudo e tradução de JAA Torrano. São Paulo: iluminuras, 1991.

7.7.1 Síntese da narrativa

Ao lado de Homero, Hesíodo foi um dos grandes poetas da antiguidade grega. Sua obra, Teogonia, registra, como o próprio nome indica, o nascimento dos deuses. Trata-se de um é um poema épico em metro hexâmetro dactílico. Ao longo do poema, Hesíodo expõe a origem e a genealogia dos deuses gregos. Como todas as obras da antiguidade, a data da composição da Teogonia também é imprecisa. Acreditam os estudiosos que seja de cerca de 700 antes de Cristo, data em que o poeta viveu. Assim, a Teogonia é o mais antigo tratado de mitologia grega que chegou até nós.

A Teogonia não é uma narrativa em si, como os poemas homéricos Ilíada ou Odisséia. É apenas uma exposição, na qual o poeta descreve a criação do mundo e relaciona, cronologicamente, as gerações divinas. O conjunto da obra gira em torno de três planos básicos: a criação do mundo, ou cosmogonia; a genealogia das gerações divinas, ou teogonia propriamente dita; e a ascensão de Zeus ao poder.

17. Todas as considerações feita no íten 7.7 são fundamentadas na seguinte obra:

HESÍODO. Teogonia: a origem dos deuses. Estudo e tradução de TORRANO, J. A. A. São Paulo: Iluminuras, 1991.

162 A intenção de Hesíodo, segundo os críticos, era a de contrastar a ―desordem‖ do cosmo durante o domínio dos deuses primordiais e dos titãs, com a ―ordem‖ cósmica do tempo em que ele viveu, imposta por Zeus e pelos demais deuses olímpicos. De acordo com a obra, os deuses do Olimpo pertenciam à terceira geração e tinham em Zeus seu soberano supremo. As personagens representam aspectos básicos da natureza e do homem, expressando assim as idéias dos primeiros gregos sobre a constituição do universo.

O narrador é o próprio poeta. Após uma invocação às musas, segue-se a descriçã da origem dos primeiros deuses, que personificavam os elementos primordiais do Universo: Caos, o vazio primitivo, e seus filhos: Gaia, a terra; Tártaro, a escuridão; Eros, a atração amorosa e Nyx, a noite e a morte.

[OS DEUSES PRIMORDIAIS]

― Sim, bem primeiro nasceu Caos, depois também Terra de amplo seio de todas sede irresvalável sempre, dos imortais que tem a cabeça do Olimpo nevado, e Tártaro nevoento no fundo do chão de amplas vias, e Eros: o mais belo entre deuses imortais,

solta-membros, dos deuses todos e dos homens todos, ele doma no peito o espírito e a prudente vontade. Do Caos Érebos e Noite negaram nasceram. Da Noite aliás Éter e Dia nasceram,

Gerou-os fecundada unida a Érebos em amor‖. (HESÍODO, 1991, p. 109).

E, na sequência, fala dos filhos da Noite (filhos de Nyx):

[OS FILHOS DA NOITE]

― A Noite pariu hediondo Lote, sorte Negra e Morte, pariu Sono e pariu a grei de Sonhos. Seguiu Escárnio e Miséria cheia de dor.

Com nenhum conúbio divino pariu-os Noite trevosa. As Hespérides que vigiam além do ínclito Oceano. [...]

Pariu ainda Nêmesis ruída dos perecíveis mortais A Noite funérea. Depois pariu Engano e Amor. E Velhice funérea e pariu Éris de ânimo cruel. Éris hedionda pariu Fadiga cheia de dor. [...]

Olvido, Fome e Dores cheias de lágrimas Batalhas, Combates, Massacres e Homicídios Litígios, Mentiras, Falas e Disputas

Desordem e Derrota conviventes uma da outra, E Juramentos, que aos subterrâneos homens Muito arruína quando alguém adrede perjura‖ . (HESÍODO, 1991, p. 113-114)

163 Na sequência, Hesíodo descreve como Crono assumiu o poder e, inadvertidamente, deu origem a Afrodite, deusa do amor sensual; relaciona os descendentes de Nyx, entre eles Tânato, a morte; Hipno, o sono; e Oneiro, o sonho; os descendentes de Ponto, entre eles Nereu, o mais antigo deus do mar e pai das nereidas e Fórcis, progenitor de monstros como as Górgonas, Equidna, com tronco de mulher e cauda de serpente, e a Esfinge; os descendentes de Oceanos, entre eles os rios e fontes, as ninfas da terra firme, os ventos, Métis, a sabedoria, e Hélio, o sol; e os descendentes de Ceos, especialmente Hécate, a dádiva.

O poeta também narra a história de Zeus, filho de Crono, e como destronou o pai; narra a lenda de Prometeu, e a criação da primeira mulher; relata aspectos da titanomaquia, da luta entre Deus e os titãs pela dominação do mundo.

Os últimos versos do poema fazem de novo uma invocação às musas, retomando o início do texto.

7.7.2 Análise Literária

Nyx é a deusa grega que personifica a noite e a morte. Uma das principais fontes do seu estudo é a Teogonia, de Hesíodo. As referências a Nyx na obra tem o seu sentido: a Noite desempenhou um papel importante no mito como um dos primeiros seres a vir à existência. Filha de Caos, é unida a este que a Noite se torna mãe, em primeiro lugar, do Éter e do Dia. Depois, a Noite gerará ainda uma linhagem de filhos, onde encontramos personificadas abstrações ligadas ou à própria noite, à sua escuridão ou à morte, entendida quer em sentido físico, quer em sentido metafórico; assim, da Noite descendem Destino, Fim, Morte, Sono, Sonhos, Sarcasmo, Lamento, Traição, Amor, Velhice, Discórdia, e, através desta, Fadiga, Esquecimento, Fome, Dores, Batalhas, Guerras, Assassínios, Massacres, Querelas, Enganos, Falas, Discussões, Desordem, Desvario e Juramento.

Sendo filha de Caos, a Noite foi uma das primeiras criaturas a emergir do vazio. Sendo assim, era irmã das mais antigas divindades da mitologia grega, como Érebo, Gaia e Tártaro. Nyx era a responsável por dar origem aos filhos divinos, daí porque ela ter tido muitos casamentos, muitas uniões.

164 Enquanto deusa primordial, nascido do Caos, foi de Nyx que sobreveio o resto dos deuses e deusas gregas. Na Teogonia, Hesíodo refere-se à casa de Nyx:

― Lá também está a melancólica casa da Noite; nuvens pálidas a envolvem na escuridão;

Antes delas, Atlas se porta, ereto, e sobre sua cabeça,