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2 CONTANDO OS FIOS: ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO PARANÁ – 1980 A 01

2.1 OS ANOS 80 NO PARANÁ

Os textos que compõem a coletânea de O texto em sala de aula serviram de material base para um curso de pós-graduação latu senso oferecido a professores de LP da rede pública do Estado do PR, que ocorreu na região Oeste do Estado, mais especificamente na cidade de Cascavel, e tinha como meta ampliar as discussões e formar um grupo de professores capazes de modificar suas práticas em sala de aula, tendo em vista as novas discussões sobre o ensino e a aprendizagem de LP que vinham sendo tecidas em anos anteriores a este curso.

Esses, livro e curso, reforçaram as ações de reformulação nos encaminhamentos do ensino de LP no Paraná e culminaram na reavaliação e no aprofundamento das discussões presentes no documento Língua: Mundo Mundo, Vasto Mundo (MMVM)56,

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O título e os subtítulos do documento são metafóricos, dentre alguns destacamos: “De tudo ficou um pouco...”, “Seria uma rima, não seria uma solução”, “As palavras não nascem amarradas”, “Palavra, palavra, se me desafia, aceito o combate”. Para localizar o leitor, o MMVM apresenta um índice que procura demonstrar os conteúdos e discussões presentes no documento. Nesse índice aparecem indicações de uma possível subdivisão das ideias (“Apresentação e histórico”, “Concepções de linguagem”, “Variação

espécie de diretrizes curriculares que vinham sendo construídas desde 1983 por uma equipe de professores de LP que integravam os departamentos de ensino da SEED/PR. Após o curso57, o referido documento passa a ser discutido e avaliado também por professores da rede. Isso demonstra que se iniciava, na educação pública do PR, um processo de participação democrática como princípio norteador de mudanças, estabelecendo uma interlocução com os professores em torno de questões político-conceituais que defendiam uma nova perspectiva para o ensino de LP (ATHAYDE JÚNIOR, 2006). Esse processo de trabalho culmina com a publicação de MMVM em 1987, sua segunda e definitiva versão58. Especificamente em relação ao ensino de LP, o MMVM é formado por um texto que reúne ideias, citações de produções acadêmicas, sobre linguagem e práticas pedagógicas com a língua materna que estavam sendo desenvolvidas na época, especialmente nas universidades paulistas, intercaladas com textos da equipe responsável pela escrita do documento. Essa forma de constituição do texto do MMVM se aproxima mais de “uma espécie de roteiro de leitura que, dialogando (polemizando) com a tradição, vai propor aos professores a discussão de um ‘novo discurso’ para o ensino de Língua Portuguesa” (ATHAYDE JÚNIOR, 2000, p. 104).´

Nessa direção, este documento procura imprimir uma visão de ensino que leve em consideração os aspectos sociais da linguagem, concebendo a língua como um instrumento de interação entre as pessoas e do uso do texto como objeto para o ensino. Para isso, o foco principal das discussões gira em torno da variação linguística e de como a linguística”, “Língua e gramática”, “Produção de texto”) presentes e discutidas nestes referenciais. Logo após esse (digamos, mais burocrático) índice, o documento traz a seguinte “Observação: Este índice foi organizado apenas para que o leitor tenha uma visão global do trabalho, uma vez que os temas estão citados de uma forma ampla, em função das questões que aparecerem sempre muito ligadas umas às outras, o que torna difícil a compartimentalização dos assuntos um blocos únicos. O título do trabalho e todas as sublegendas (...) foram extraídos de poemas de Carlos Drummond de Andrade, homenagem póstumas a um poeta que, com certeza, não morreu ...” (PARANÁ, 1987, p. 3).

57 O Curso de Especialização coordenado pelo professor João Wanderley Geraldi, que até hoje é lembrado,

especialmente por professores da Região Oeste do Paraná (Cascavel, Toledo, Foz do Iguaçu, Marechal Cândido Rondon, Laranjeiras do Sul, entre outras cidades), como o “Curso do professor Geraldi”.

58 Uma análise política e crítica desse momento de produção, em que se confrontam os discursos presentes

nas duas diferentes versões do MMVM (a primeira mais democrática e procurando aproximar os professores da produção do documento e das mudanças no ensino e a segunda com características discursivas mais impositivas e prescritivas), pode ser encontrada em Athayde Júnior (2006).

linguagem acontece nas diferentes situações de uso, chamando a atenção para as relações de poder que estão envolvidas nos diferentes acontecimentos comunicativos. Sobre isso o MMVM destaca que

a linguagem não é simplesmente uma atividade escolar, está muito ligada a toda atividade humana, histórica e, social e, por conseguinte, aos sistemas de valor dessa mesma sociedade. É por isso que algumas variedades têm prestígio e outras não. O que precisamos entender é que o português padrão é apenas uma variedade do português dentre muitas que existem em todos os lugares onde se fala essa língua e, do ponto de vista linguístico, não é melhor nem pior que as outras. (PARANÁ, 1987, p. 11). A citação acima nos leva a observar que as discussões, ao mesmo tempo, enfocam questões relacionadas à variação linguística, tópico amplamente discutido na educação na época em que se produziu o MMVM, e remetem para a compreensão de uma concepção de linguagem como interação, como acontecimento social. Essa é a tônica das discussões sobre língua e ensino de língua presentes no documento: invocam e enfocam, em 16 das 26 páginas, questões relacionadas à variação linguística, centrando grande ênfase em questões da oralidade e da necessidade de se trabalhar com esse eixo de ensino na escola, e da concepção que subjaz a proposta de ensino que se delineia.

Após toda essa explanação, o MMVM procura discutir questões mais específicas sobre a prática de ensino de língua portuguesa na escola. Neste momento, vem à luz o ensino e aprendizagem da produção escrita, da leitura e da gramática (estruturas e ortografia).

Em relação à primeira, a concepção assumida é de crítica à maneira como a escola desenvolvia o ensino da escrita (“no contexto escolar, a finalidade da redação tem sido aprender a escrever simplesmente, tirando da escrita as suas funções que de fato tem” (PARANÁ, 1987, p. 20)). Ao fazer essa crítica, aponta para a necessidade de que esta atividade vai muito mais além dos “fastidiosos exercícios psicomotores” e que o aluno precisa descobrir e sentir “a ação da escrita sobre as pessoas e o seu meio, percebendo o sentido que há em se fazer isso” (PARANÁ, 1987, p. 16). Assim, assume-se o ensino da produção escrita como uma ação que deverá demonstrar aos alunos que se escreve para um fim específico, que se escreve para alguém, que os atos de linguagem são provocados por

uma necessidade e que “todo texto tem o seu porquê”, demonstrando, portanto, a finalidade social dos textos (PARANÁ, 1987, p. 20).

O tópico que se refere à leitura também segue em tom de crítica às práticas de leitura como decodificação de sinais gráficos que vinham sendo desenvolvidas na escola. Ao fazer essa crítica, o MMVM aponta para a necessidade de novos encaminhamentos para essa prática de ensino e, para isso, tomam a leitura como um processo de construção de significados e de réplica ativa (assumindo, sem mencionar as teorizações bakhtinianas) para o que está sendo lido. Ou seja, “ler é julgar, é tomar uma atitude frente à linguagem e à escrita (...) é não assumir uma postura passiva”. Além disso, aponta que a leitura é uma excelente atividade para a ampliação dos conhecimentos linguísticos e para a criação de ideias para a escrita (PARANÁ, 1987, pp. 22-25).

O ensino dos conhecimentos linguísticos, presente no item intitulado por “Língua e Gramática: ‘No meio do caminho tinha uma pedra’”, procura situar a discussão entre as diferenças conceituais e das/nas práticas de ensino quando se parte da concepção de “Gramática Normativa” ou de “Gramática Descritiva” da língua. Nessa direção, o MMVM centra força em mostrar que um possível caminho para o ensino desse eixo é o professor demonstrar para os alunos, por meio de descrições de diferentes exemplos de usos da língua, as melhores construções para os diferentes e diversos contextos de produção das construções linguísticas. Neste momento, interpretamos que os encaminhamentos não são claros e passa a responsabilidade para o professor, dizendo que

cada professor deve ter a sensibilidade suficiente para perceber isso a medida que as situações o exijam, selecionando os procedimentos descritivos e conclusões a que os alunos já chegaram para poder falar com eles sobre a linguagem, antes de se preocupar em tecer todo um aprendizado completo do sistema gramatical (PARANÁ, 1987, p. 19). Pelo que apresentamos acima, é possível afirmar que há no MMVM uma intenção de ensino voltada para concepções teóricas que assumem a linguagem como um processo de interação. Em relação à concepção metodológica, mesmo que não esteja totalmente explicitada, é possível inferir que as práticas de ensino sejam conduzidas por meio de textos (oral e escrito), pois, segundo o documento “as atividades mais produtivas

para a aprendizagem real da língua [são]: a leitura, o debate, a produção de textos [escritos]” (PARANÁ, 1987, p. 19).

Um último ponto a destacar é a maneira de direcionar a metodologia de ensino que o professor poderá assumir para atingir ao proposto. Do início ao fim, não encontramos no MMVM indicações de como o professor poderá desenvolver atividades em sala de aula. Essa intenção é assumida porque pretende-se dar autonomia aos professores, não apresentando propostas “como um receituário” descendente para que seja executado em sala de aula. Isso é visível no documento que, reiteradamente, questiona (questiona-se?) “para que ensinamos o que ensinamos e para que os alunos devem aprender o que aprendem?” Ao fazer (se fazer?) essas perguntas, no nosso entender, por meio do documento, o professor é chamado ao protagonismo em seu programa de aula, pois

alijar o professor da capacidade de fazer a sua aula é também desobriga-lo de uma construção crítica. Isso, assim como ler, escrever e falar, só se aprende exercitando, fazendo. Se recebermos os pacotes prontos, por melhores que sejam os “anjos da guarda”, por mais “aberta” e inovadora que seja a proposta, dificilmente produziremos nosso próprio pensamento, estaremos condenados à eterna reprodução de um saber alienado (PARANÁ, 1987, p. 26).

No entanto, uma manobra política do novo grupo que chega ao Governo do Estado, no final da década de 1980, implanta novo direcionamento à educação pública paranaense. Numa perspectiva política mais diretiva, este grupo determina a implantação de diretrizes curriculares coordenadas e escritas por professores da Universidade Federal do Paraná. Com isso, o documento MMVM, construído a partir de uma concepção mais democrática dos e para os professores, “cai por terra”.

No final do ano de 1988, a SEED/PR lançou o Projeto de Conteúdos Essenciais do Ensino de 2º Grau (CESG). O documento de LP foi produzido pelo professor Carlos Alberto Faraco em colaboração com o professor Paulo Venturelli (responsável pela parte de literatura). Faraco, além de ser consultor e redator final do documento, coordenou as discussões que envolveram os professores da rede que atuavam nesse nível de ensino. Mesmo sendo influenciado pelas discussões presentes no documento anterior, o CESG, polemizando com a tradição e desconstruindo práticas cristalizadas de ensino de LP,

apresenta uma linguagem, diferentemente daquela de MMVM, de tom mais assertivo e prescritivo, assume-se como a “voz oficial” de um novo discurso em torno do ensino e da aprendizagem de LP no estado e assim passa a “ditar” as regras a serem seguidas pelos professores em sala de aula. Esse discurso impositivo, característico do governo da época, é acatado pelos professores e o que está presente e discutido CESG se mostra como uma “proposta de ensino que se assume como o discurso ‘novo’, ‘moderno’, autodenominando- se de um ‘novo programa de Língua Portuguesa do 2º Grau’”, pois se trata da produção de um especialista na área (ATHAYDE JÚNIOR, 2006, p. 124-125 – ênfase no original).

A partir da mesma linha teórica do MMVM, o CESG está embasado em uma concepção de linguagem que a toma como “um conjunto de práticas interacionais, social e historicamente constituídas e se constituindo” (PARANÁ, 1988, p. 5 – ênfase no original) e assumem, a exemplo do documento anterior, o texto e as práticas de leitura, escrita, oralidade e análise linguística como o centro do processo de desenvolvimento das atividades de ensino e de aprendizagem de LP. Além disso, aparece uma seção específica para tratar da avaliação escolar. Nesta, assume-se a avaliação como contínua e cumulativa; o professor teria o papel fundamental para o desenvolvimento da aprendizagem e dos resultados positivos dos alunos.

Como organização, o CESG é constituído por seções que apresentam o histórico de sua construção, um panorama sintético sobre a educação e, especialmente, sobre o ensino de Língua Portuguesa no país a partir da década de 1950, fazendo referências e condenando a maneira como a disciplina vinha sendo ensinada nas escolas. A essa maneira, o documento chama de “arcaísmo” que se “caracteriza principalmente pela sobra arremedada do ensino clássico: a gramática pela gramática (...), quando não a mera gramatiquice (...); e o trato burocrático do ler, do escrever e do falar” (PARANÁ, 1988, p. 4). O documento apresenta também a descrição dos objetivos do ensino de LP, assumindo que esta atividade deve ser vista como um mecanismo para proporcionar aos alunos o direito à educação linguística, vendo-o como uma dimensão da cidadania e, por isso, a língua/linguagem como uma interação social.

Diferentemente do MMVM, o CESG apresenta um programa de trabalho, de conteúdos e as orientações metodológicas com indicação de possíveis exercícios e estratégias para serem seguidos pelos professores para que a proposta se realize em sala de aula.

Para a leitura, são encaminhadas estratégias de leitura de textos diversos, em que se exercitam a compreensão do conteúdo, da estrutura e das opções expressivas presentes nos textos. São encaminhadas, por exemplo, propostas de atividades para a identificação das informações básicas do texto, para a elaboração de sínteses, paráfrases e paródias do que é lido pelos alunos.

A atividade de escrita é apresentada como sendo um exercício de produção de textos que devem levar em consideração o planejamento da atividade (“definição do interlocutor, assunto, objetivo, seleção de ideias, sequenciação e paragrafação”) e encaminha, por exemplo, a produção “em especial de textos dissertativos; redação oficial e comercial59” (PARANÁ, 1988, p. 12 – ênfase adicionada). Incentivam-se, também, a reescrita de textos e o trabalho com o estudo da análise linguística e estrutural dos textos produzidos pelos alunos.

A prática de ensino da oralidade é incentivada e aparece como a produção de debates, relatos e exposição de ideias. Nessas atividades, deve-se dar ênfase ao nível do conteúdo, da estrutura do texto e da adequação às normas linguísticas ao gênero60 produzido.

O ensino dos conhecimentos linguísticos, segundo o CESG prioriza o encaminhamento do estudo da história da língua, enfatizando a história social, variação e mudança linguística.

Como podemos visualizar, por essa topicalização dos conteúdos e encaminhamentos presentes nesses documentos, o ensino de LP segue uma diretriz, em

59 A redação oficial e comercial se refere especialmente ao ensino de LP no curso Técnico em Contabilidade

(curso profissionalizante e integrado, na época, ao ensino de 2º Grau).

60 Não aparece a denominação “gênero”, ela foi, aqui, acrescentada por nós, porque entendemos que as

termos de concepção teórica, semelhante ao MMVM, mas a forma como é apresentado, indicando os conteúdos e os exercícios que podem ser desenvolvidos com os estudantes, torna-se mais prescritivo, mostrando o que e como os professores deveriam desenvolver as atividades em sala de aula.

2.2 OS ANOS 90 NO PARANÁ