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3 TRANÇAR AS LINHAS E CRUZAR OS FIOS: O TRATAMENTO DIDÁTICO

4.4 FIANDO OS FIOS

4.4.2 Os instrumentos de pesquisa e a geração dos dados

Para nos aproximarmos dos professores e conhecermos como foi para eles a participação no PDE, elegemos a entrevista semiestruturada e o relato de experiência como instrumentos de pesquisa. Estes instrumentos foram utilizados, porque acreditamos que os dados gerados por meio deles, e em comparação com os MD, nos proporcionariam o conhecimento do processo de estudos e de produção do material. Teríamos a análise do produto e do processo que resultou na formação continuada desses professores.

Nesse caso, as entrevistas semiestruturadas nos deram a oportunidade de, no contato direto com os professores, compreender, a partir de suas próprias falas, como eles articulariam uma visão do processo de estudos e de produção de material didático como um espaço de formação continuada. Isso aconteceu porque, segundo Lüdke & André (1994, p.

59), a entrevista nos permitiu compor um quadro com correções, com a (re)articulação de ideias e percursos (retomando, enfatizando, ampliando os questionamentos) discursivos na busca de maiores esclarecimentos sobre um determinado tópico do assunto que estávamos abordando na direção da “obtenção das informações desejadas”. Além disso, é importante destacar que não utilizamos desse instrumento de forma neutra ou como um método de simples coleta de dados, mas como um instrumento que possibilitou a interação entre pesquisador e pesquisado na direção da construção de uma versão do mundo (MONDADA, 1997; BUNZEN, 2005), na qual se assentam os dados relevantes para nosso objetivo de investigação.

As entrevistas, caracterizadas como uma conversa entre pesquisador e participante, a partir de um roteiro de questões102, tiveram como mote de desenvolvimento três grandes tópicos previamente estruturados e foram organizadas em três momentos que chamamos de:

1ª parte: Aquecimento: uma conversa sobre a relação pessoal-profissional, falando sobre a vida profissional, o porquê da escolha pela carreira do Magistério; tempo de atuação; os estudos e a formação geral e, mais especificamente, para se dedicar ao ensino de Língua Portuguesa.

2ª parte: O Magistério: neste momento, relembramos um pouco da história pessoal na carreira profissional, das escolas onde trabalharam, das características dos alunos com que atuaram, dos materiais didáticos e pedagógicos que utilizaram, das orientações recebidas para desenvolver as aulas, das diretrizes curriculares do estado do Paraná, dos PCN e de formação continuada103.

102 As questões utilizadas nas entrevistas encontram-se disponíveis no Anexo 1. Como as entrevistas

aconteceram em forma de um bate-papo descontraído entre pesquisador e pesquisado, nem todas as perguntas que constam no roteiro foram feitas e, a depender do professor e do desdobramento da conversa, outras foram criadas, diferentemente de um participante para outro, no momento da conversa, mas que seguiram coerentes com nossas intenções de pesquisas definidas no projeto de tese.

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Os dados gerados pelas 1ª e 2ª partes da entrevista nos foram úteis para traçarmos o perfil dos professores entrevistados. Esses dados também nos deram subsídios para entender, por exemplo, por meio das diferentes vozes sociais presentes em seus discursos, os motivos que os levaram a escolher determinados temas/conteúdos para transpor em seus MD, bem como nos ajudaram a entender a maneira como eles articularam esses temas/conteúdos nas atividades propostas.

3 parte: A participação no PDE: esta parte da conversa teve um caráter mais direcionador para a experiência de participação no curso de formação continuada – PDE. Neste momento, procuramos encaminhar a conversa para que os participantes falassem e dessem opiniões sobre esse formato de formação continuada (afastar-se da sala de aula, retornar aos estudos, produzir material didático, coordenar trabalhos em rede, sendo tutores na formação continuada de outros professores); os motivos que os levaram a participar do PDE; falou-se sobre o tipo de material didático produzido: a escolha do tema/conteúdo para ser transposto no material, como foi e o que significou para eles a ação de produção de MD. Com os dados dessa parte da entrevista construímos um quadro analítico da significação (as dificuldades, os tropeços, os desafios, a aprendizagem, o enriquecimento teórico e a significativa valorização pessoal e profissional) do processo de formação (estudos e o exercício de transposição didática, modelização e didatização na produção do MD) para esses professores.

As entrevistas aconteceram entre os meses de fevereiro e junho 2010, como mostra a Quadro 3, abaixo:

DATA PROFESSOR LOCAL DURAÇÃO

19/02/2010 Roberto Sala dos professores da escola onde atua 1h26m

20/02/2010 Olívia Casa da professora 2h04m

17/03/2010 Paula Sala dos professores da escola onde atua 3h15m 13/04/2010 Eloísa Sala dos professores da escola onde atua 1h05m 05/05/2010 Sandra Sala dos professores da escola onde atua 0h50m 10/06/2010 Fernanda Sala dos professores da escola onde atua 1h40m

Quadro 03: Informações sobre as entrevistas

Além da entrevista, os professores também produziram um texto escrito no qual relataram suas experiências de participação no PDE 2007/2008 e de produção de MD. O relato, como instrumento de pesquisa, foi utilizado para obtermos informações mais

descritivas sobre o percurso desenvolvido no processo de formação do PDE. Esse instrumento, um gênero da ordem do relatar, tornou-se representativo para nossas discussões, pois, por meio do discurso, da memorização e da documentação das experiências vividas e situadas em um tempo (DOLZ E SCHNEUWLY, 2004[1996], p. 60) e em um espaço determinados - o PDE 2007/2008 – tanto nos revelou as experiências vividas pelos professores, como nos permitiram captar a significação que esses professores produziram dessa experiência (participação no PDE). Nessa direção, entendemos que o relato nos serviu não apenas para reconstruir e articular o que ficou na memória desses professores,

mas também e sobretudo (re)organizar e (re)situar suas lembranças a partir da referência desse interlocutor outro, ignorante por um lado e sabido por outro, “amigo” e “estranho” ao mesmo tempo, suas supostas crenças, seus supostos valores e seus modelos de ação. (SIGNORINI, 2001, pp. 217-218).

Ou seja, as ações e as intencionalidades desses professores, no momento de relatarem suas experiências no PDE, podem ter sido influenciadas tanto pelas prescrições estabelecidas na comanda que lhes fornecemos para a produção do relato, como também pelas “normas e práticas [sociais] que regulam a forma e o conteúdo do que pode ser narrado”, o que tornou essa atividade um constante trabalho de gerenciamento de tensões e de conflitos tanto no mundo da narrativa, em que deveriam encontrar o “fio” e o “tom” adequado para falar (avaliar, em alguns momentos) sobre um processo do qual eles estavam totalmente imersos, como na maneira que suas identidades pessoais iriam aflorar no texto produzido (SIGNORINI, 2001, p. 217) e seriam importantes para a nossa pesquisa.

Para que os professores produzissem o relato, encaminhamos via correio eletrônico a seguinte instrução:

Relate, com a maior riqueza de detalhes, como foi para você participar do programa de formação continuada PDE - voltar à universidade para estudar, pesquisar e produzir material didático. Neste relato procure destacar: objetivos, o percurso das atividades, os cursos realizados - a grade de disciplinas cursadas -, a produção do material didático, a intervenção escolar, o diálogo com outros professores, as expectativas, frustrações (se houve), pontos positivos e pontos negativos.

Como podemos visualizar na instrução de produção, ao relatar o professor se movimentou entre o traçar informações objetivas e pontuais sobre o processo de formação (cursos, objetivos, as atividades realizadas, a grade curricular, a produção do MD, a intervenção na escola e o contato com os colegas) e apresentar suas impressões (que podem ter sido mais subjetivas) do processo. Esses dados serviram-nos, também, para conhecermos e verificarmos tanto as especificidades dos cursos e leituras realizados pelos professores, como também nos ajudou a inferir os encaminhamentos (cursos, orientações, recepção e acompanhamento dos cursistas) feitos pelas IPES e pela SEED/PR, parceiras na realização do PDE, que resultaram na produção dos MD.

Além das entrevistas e dos relatos com e dos professores, nossas pesquisa também contou com dados documentais. Estes dados se constituíram nos documentos oficiais que regem a formação continuada de professores e o ensino de Língua Portuguesa no Estado do Paraná e nos MD produzidos pelos participantes de nossa pesquisa.

Os primeiros serviram para que conhecêssemos o panorama geral do Programa e as diretrizes dos cursos, dos estudos e da produção didática (explicitados nos capítulos 1 e 2 e retomados ao longo das análises, quando necessário, nos capítulos que seguem). Desses, retiramos as informações necessárias para traçarmos o histórico dos programas de formação continuada no PR de 2003 a 2012, verificando que os professores passaram de expectadores a sujeitos de sua própria formação.

Os segundos, possibilitaram-nos conhecer as estratégias utilizadas pelos professores-produtores na construção das atividades didáticas (transposição, modelização e didatização dos objetos de ensino), nas quais eles poderiam ter (re)significado e (re)organizado seus saberes profissionais – os saberes para ensinar e os saberes a ensinar, caracterizando-se, portanto, essa atividade como um espaço de valorização e de formação continuada dos professores. Nos capítulos de análises que se seguem, descrevemos, num primeiro momento, todo o MD produzido pelos professores, em comparação com trechos das entrevistas e dos relatos; depois nos ocupamos de analisar algumas atividades, algumas

tarefas104 especificamente, de cada um dos MD para verificarmos as “vozes que dialogam” em suas escolhas, estruturas e organizações.

A utilização desses documentos (os oficiais e os MD) nos possibilitou não apenas contemplar, comparativamente, as informações obtidas nos outros dados (entrevistas e relatos), mas nos revelou aspectos importantes do processo de formação dos professores quando esses estudam, pesquisam e produzem material. Ou seja, foram fontes de extremo valor que nos forneceram informações sobre um contexto específico de um programa de formação continuada de professores de Língua Portuguesa (ANDRÉ & LÜDKE, 1996).

Assim, como viemos anunciando ao longo dos capítulos e itens anteriores, este estudo ancora-se na contribuição dos seis professores (Paula, Roberto, Olívia, Fernanda, Eloísa e Sandra), participantes do PDE 2007/2008, que escreveram seus relatos de experiência, concederam-nos a entrevista, permitindo que estes dados fossem analisados

104 Estamos utilizando essas noções (“atividade” e “tarefas”) emprestadas dos estudos sobre o ensino e

aprendizagem de Língua Francesa, especialmente do Grupo de Didática de Línguas da Universidade de Genebra. Para esse grupo, considera-se “atividade” tudo o que é realizado pelos alunos em contexto escolar de ensino e de aprendizagem (a leitura, a produção de textos – oral ou escrito -, as reflexões sobre os conhecimentos linguísticos, etc.) e a “tarefa” são as ações encaminhadas aos alunos e que eles devem realizar durante a execução das atividades, por exemplo: na leitura, quando se solicita que os alunos identifiquem a tese e os argumentos presentes no texto, estabeleçam comparação de um texto com outro, relacionem o texto ao contexto de produção; na escrita, quando se solicita aos alunos a produção de uma carta de reclamação, por exemplo, deve-se determinar para eles os elementos da situação de produção (características do gênero – tema, estrutura composicional, estilo -, quem será o produtor, em que contexto está inserido, a quem vai se dirigir, além disso, apresentar os comandos para a produção – planejamento, escrita, avaliação e reescrita e, também, a extensão do texto (CHARTRAND, 2002). Assim, a noção de atividade é mais ampla e abarca as tarefas, uma vez que para realizar a atividade de leitura os alunos necessitam realizar um conjunto de tarefas organizadas para esse fim. Diante disso, a tarefa, segundo Dolz (2002), guarda em si alguns elementos importantes, tais como: i) a ação a ser realizada (identificar, destacar, comparar, justificar, definir); ii) os comandos da ação a ser realizada pelos alunos (leia o texto a seguir, retome o segundo parágrafo e identifique o ponto de vista do autor, produza um artigo e opinião, elabore uma tabela comparativa com os argumentos prós e contras); iii) a construção do passo a passo para que os alunos executem a ação desejada pela atividade. Portanto, a análise das atividades e das tarefas organizadas pelos professores em seus MD podem nos possibilitar a compreensão de como os saberes para ensinar e os saberes a ensinar foram mobilizados (re)significados e (re)organizados na didatização dos objetos de ensino durante o processo de formação continuada no PDE.

nesta tese. Além do material coletado com os participantes, nossas discussões se baseiam em outros dados, tais como: as Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa do estado do Paraná, os documentos que regem e orientam o PDE, informações que coletamos no Portal Dia-a-Dia Educação da SEED/PR, especificamente no site do PDE, nos Planos de Trabalho produzido pelos participantes. No Quadro 04, abaixo, apresentamos a relação entre objetivos, perguntas de pesquisas e os dados a serem analisados:

OBJETIVOS PERGUNTAS DE PESQUISA DADOS

Analisar, no discurso dos professores como a experiência do PDE repercutiu na formação continuada de professores de LP.

Como a experiência da produção de material didático repercutiu na formação do professor de LP?

Relato de experiência e entrevistas.

Analisar as escolhas e a organização dos temas de língua/linguagem

transpostos no material didático produzido pelos professores

O material didático produzido atende às orientações dos documentos parametriza-dores do curso? Se atende, como se manifesta, no material, a relação entre o prescrito e o executado? Se não atende, por que isso ocorre?

Relato de experiência, entrevistas, material didático e diretrizes curriculares de LP.

Investigar que vozes aparecem no enfoque e na organização dos temas de língua/linguagem presente no material produzido

Que vozes aparecem no enfoque e na organização dos temas de língua/linguagem presente no material produzido? Como essas vozes se manifestam?

Material didático, relato de experiência, entrevis- tas e documentos para- metrizadores do curso e diretrizes curriculares de LP.

Quadro 04: Relação entre objetivos, perguntas de pesquisas e dados.

Apresentados os pontos, os passos, os marcos, os traços, os fios e os laços é chegada a hora de conhecermos mais detalhadamente os participantes e os dados de nossa pesquisa. Acompanhemos, então, nos próximos capítulos as descrições e as análises do nosso corpus.