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2 CONTANDO OS FIOS: ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO PARANÁ – 1980 A 01

2.2 OS ANOS 90 NO PARANÁ

2.2.2 O PCN e o PCNEM

Em um movimento de renovação e na busca de melhorias para as escolas e para a educação do Brasil, na 2ª metade da década de 90, o Ministério da Educação (MEC), considerando a necessidade da construção de um novo currículo, lançou, em 1997-98, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o Ensino Fundamental e, em 2000, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM). Estes documentos representaram um avanço nas discussões sobre educação e procuraram abarcar as especificidades históricas, políticas, sociais e econômicas da realidade do século XXI,

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É importante ressaltar que nos encaminhamentos metodológicos do trabalho com a escrita, o CBPR faz distinção e estabelece diferenças entre a fala e a escrita, afirmando que, por um lado, “na fala, existe uma ampla variedade; a escrita, por outro lado, exige o uso de uma modalidade única: o registro em linguagem padrão” (PARANÁ, 1990, p. 11). O que não funcionaria, por exemplo, na produção de uma narrativa, em que há falas coloquiais de personagens, ou num texto menos formal, como o bilhete.

numa tentativa de formar cidadãos críticos e autônomos aptos ao exercício da cidadania (BRASIL, 1998).

Sobre os PCN, Rojo (2006[2000], p. 27) diz que:

a elaboração e a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental representam, em minha opinião, um avanço considerável nas políticas educacionais brasileiras em geral e, em particular, no que se refere aos PCNs de Língua Portuguesa, nas políticas linguísticas contra o iletrismo e em favor da cidadania crítica e consciente. E isso, em grande parte, porque, ao invés de se constituírem – como tradicionalmente tem sido feito no Brasil – em grades de objetivos e conteúdos curriculares pré-fixados, estes parâmetros, como o nome já indica, constituem-se em “diretrizes que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar uma formação básica comum” (ênfases de autora).

Especificamente em relação ao ensino de LP, os PCN mostram que o objetivo geral do trabalho com a LM nas salas de aula é proporcionar aos alunos a aprendizagem para que utilizem

a linguagem na escuta e produção de textos orais e na leitura e produção de textos escritos de modo a atender a múltiplas demandas sociais, responder a diferentes propósitos comunicativos e expressivos, e considerar as diferentes condições de produção do discurso (BRASIL, 1998, p. 32).

Nesse sentido, os princípios organizadores para o ensino da língua materna estariam diluídos em dois eixos de práticas de linguagem: as práticas de uso e as práticas de reflexão sobre a língua e a linguagem (BRASIL, 1998, p. 35). Para o eixo do uso, são priorizados conteúdos enunciativos que envolvem a historicidade da língua/linguagem, a situação de produção dos enunciados e suas implicações tanto na organização do discurso, quanto no processo de produção de significação desses discursos; e para o eixo da reflexão, são priorizados aspectos que consideram: a variação linguística, a organização da estrutura dos enunciados, a construção da significação, o léxico e as redes semânticas e os modos de organização dos discursos (ROJO, 2006[2000], p. 28-31). Para atender a esses princípios, os PCN se “propõem [a] um trabalho com os gêneros discursivos/textuais, passando estes a serem um dos principais objetos de ensino, enquanto que os textos passem a ser as unidades

de ensino” (ROJO, 2006[2000], p. 30). Tendo isso em vista, pode-se dizer que os PCN propõem um trabalho com a língua materna que priorize uma metodologia com enfoque discursivo-enunciativo, rompendo, assim, com a concepção de ensino de LP apegada ao tradicional, de enfoque conceitual e normativo. Além disso, a metodologia de trabalho, calcada no sociointeracionismo, na linguística textual e na teoria da enunciação, encaminha o ensino de língua/linguagem para o uso e o funcionamento dos discursos contextualizados e sócio-historicamente determinados. Ou seja,

produzir linguagem significa produzir discursos: dizer alguma coisa a alguém, de uma determinada forma, em um determinado contexto histórico e em determinadas circunstâncias de interlocução. Isso significa que as escolhas feitas ao produzir um discurso não são aleatórias – ainda que possam ser inconscientes -, mas decorrentes das condições em que o discurso é realizado (BRASIL, 1998, p. 7).

Diante disso, o trabalho com a língua materna deve se pautar na concepção que vê a língua/linguagem como um organismo vivo, que se constitui e se constrói no discurso realizado pelos interlocutores. Estando, ao mesmo tempo, “condicionada às transformações históricas e sociais, [à] aprendizagem ativa e significativa do conhecimento, vinculada às esferas de inserção social e interpessoal do aprendiz” (MAGALHÃES-ALMEIDA, 2006[2000], p. 128).

Os PCNEM, por sua vez, procuram atender aos dispositivos da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) número 9.394 de 1996. Esta Lei, no que se refere ao Ensino Médio (EM), confere nova identidade a esse nível de ensino, determinando que o EM passe a integrar a

etapa do processo educacional que a Nação considera básica para o exercício da cidadania, base para o acesso às atividades produtivas, para o prosseguimento nos níveis mais elevados e complexos de educação e para o desenvolvimento pessoal, referindo à sua interação com a sociedade e sua plena inserção nela (...) (BRASIL, 2000a, p. 9).

Dessa forma, a Lei nº 9.394/96 transforma a concepção de EM estabelecida na LDB anterior (Lei n.º 5.692/71), isto é, o EM deixa de ser 2º Grau, que preparava os alunos para prosseguirem nos estudos ou habilitava-os para exercerem uma profissão técnica e

passa a ser uma etapa na educação escolar voltada tanto para o mundo do trabalho, quanto para a prática social (Art. 1º § 2º da Lei nº 9.394/96). Nesse sentido, o novo EM busca integrar, “numa mesma e única modalidade, finalidades até então dissociadas, para oferecer, de forma articulada, uma educação equilibrada, com funções equivalentes para todos os educandos” (BRASIL, 2000a, p. 11), buscando aprimorá-los como pessoa humana, dando possibilidades para que prossigam nos estudos, garantindo a preparação para o trabalho e também para a cidadania e, especialmente, fornecendo-lhes instrumentos para que continuem a aprender.

Seguindo essa concepção de ensino, os PCNEM procuram implementar uma proposta de ensino e aprendizagem focada em estratégias que desenvolvam nos educandos a capacidade de pesquisar, buscar, selecionar e analisar informações, desenvolvendo capacidades de aprender, de criar e formular hipóteses e que, sobretudo, o ensino fuja das estratégias de exercícios de memorização (VIEIRA, 2008). Ainda segunda essa autora, os PCNEM incorporaram como diretrizes gerais e orientadoras os quatro eixos estruturais da educação na sociedade contemporânea apontadas pela UNESCO, a saber: i) Aprender a conhecer; ii) aprender a fazer; iii) aprender a viver; iv) aprender a ser.

Para atender a esse intento, os PCNEM agruparam as disciplinas do currículo do EM em três grandes áreas, que ficaram assim constituídas: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e Matemática e suas Tecnologias; e Ciências Humanas e suas Tecnologias.

Em relação à linguagem, os PCNEM a consideram como

a capacidade humana de articular significados coletivos em sistemas arbitrários de representação, que são compartilhados e que variam de acordo com as necessidades e experiências da vida em sociedade. A principal razão de qualquer ato de linguagem é a produção de sentido. (BRASIL, 2000b, p. 5).

Compreender a linguagem a partir dessa perspectiva é entender que ela permeia toda e qualquer atividade humana e que “não apenas a representação do mundo, da realidade física e social, mas também a formação da consciência individual, a regulação dos

pensamentos e da ação, próprios ou alheios, ocorre na e pela linguagem” (VIEIRA, 2008, p. 449).

O ensino de LP, especificamente, nos PCNEM está ancorado na concepção sociointeracionista de língua/linguagem, em que a comunicação é vista como o processo social de interação, no qual os significados são construídos. Nesse sentido, toma-se o texto como unidade básica do ensino, superando, dessa forma, o nível da frase. O estudante passa a ser considerado como produtor de textos, que pode ser entendido pelo que produz, enquanto que o resultado dessa produção (o texto) é o indício do diálogo entre interlocutores. Em outras palavras, os conteúdos são textuais ou enunciativos e envolvem aspectos como a historicidade, contexto de produção dos enunciados e suas implicações na organização dos textos/discursos e, também, no processo de significação. A partir disso, os PCNEM defendem a ideia de que

toda e qualquer análise gramatical, estilística, textual deve considerar a dimensão dialógica da linguagem como ponto de partida. O contexto, os interlocutores, gêneros discursivos, recursos utilizados pelos interlocutores para afirmar o dito/escrito, os significados sociais, a função social, os valores e o ponto de vista determinam formas de dizer/escrever (BRASIL, 2000b, p. 44, ênfases adicionadas).

Assim, o estudo da gramática normativa não fará sentido se não estiver a serviço do desempenho linguístico do estudante, aumentando sua capacidade de compreensão e de produção de textos, contribuindo no uso da linguagem nas diferentes práticas sociais comunicativas. Os conteúdos que servem ao ensino e aprendizagem de LP são textuais ou enunciativos e envolvem aspectos como a historicidade, contexto de produção dos enunciados e suas implicações na organização dos textos/discursos e, também, no processo de significação. Para isso, a concepção de língua e linguagem precisa se ancorar numa perspectiva linguístico-enunciativa.

No caso específico da educação pública paranaense, a partir de 1995, houve um “esvaziamento pedagógico” nos encaminhamentos educacionais. Nessa época, a educação ficou ao cargo de equipes externas à educação (as equipes da SEED/PR eram compostas por consultores, quase sempre ligadas aos grupos de administradores da MBA - Master in

Business Administration)63, pois se concebia que na secretaria de educação não se deveria pensar o pedagógico, mas sim o administrativo. Nessa época, surge uma empresa chamada “Paraná Educação”, que durante 8 anos se ocupou de fazer a administração de pessoal – professores e funcionários - que prestava serviço para a educação pública do PR.

É nesse clima que as ideias dos PCN chegam ao Estado. Como numa visão empresarial, as equipes da SEED/PR impuseram aos professores e às escolas as novas diretrizes educacionais presentes nos PCN e nos PCNEM, alterando e fragmentando o trabalho que vinha sendo desenvolvido. Essa atitude é contraditória com a noção de que

nenhum dos documentos oficiais colocados como referências curriculares (...) pode ser transposto diretamente para a sala de aula, o que feriria a natureza desses próprios documentos [PCN e PCNEM] e seria contraditório com alguns princípios orientadores da prática pedagógicas nesses assumidos (...). Dessa forma são necessários outros níveis de concretização, conforme apontados pelo próprio documento introdutório dos PCNs, tais como a re-elaboração de propostas curriculares no âmbito dos municípios e estados; a elaboração do projeto educativo de cada escola e a elaboração da programação de cada professor a ser desenvolvida em sala de aula, que deve estar respaldada por e integrada com os níveis anteriores (BARBOSA, 2006[2000], p. 150).

Além disso, a proposta dos PCN e PCNEM exigia dos órgãos educacionais estaduais e municipais novos projetos voltados à formação inicial e continuada dos professores, uma vez que os enfoques teórico-metodológicos – “linguístico-enunciativo (teoria da enunciação bakhtiniana, teoria dos gêneros do discurso) adotados nos subsídios (...)” encontravam-se, na época, “praticamente ausente dos currículos de graduação em Letras” (ROJO, 2006[2000], p. 31) e, sobretudo, das propostas dos cursos de formação continuada dos professores do PR.

Houve, no ano de 2001, um “mega evento”, chamado “Parâmetros em Ação”, organizado pela SEED/PR em conjunto com o MEC. Esse evento reuniu, em Faxinal do Céu – na Universidade do Professor -, 1500 professores representantes de todas as

63 MBA em Português significa: Mestre em Administração de Negócios. MBA é um curso de formação de

executivos, nas diversas disciplinas da administração, em que se estudam matérias de marketing, finanças, Recursos Humanos, contabilidade, etc.

disciplinas do currículo dos ensinos Fundamental e Médio de todo o estado64. Nesse evento (no qual estivemos presentes como único representante do NRE de Toledo, na disciplina de Língua Portuguesa e Literatura do Ensino Médio65) os participantes receberiam uma capacitação e seriam, ao voltar para seus NRE, de multiplicadores na capacitação dos demais professores. No entanto, o programa de capacitação ficou somente nesse evento. A “multiplicação” não aconteceu e outros cursos de capacitação e encontros de discussões dos novos documentos foram pouco oferecidos aos professores, causando, dessa maneira, um descontrole com o que era ensinado e desenvolvido nas salas de aula. No caso do ensino de LP, especificamente, os novos encaminhamentos, em muitos casos, não chegaram efetivamente ao conhecimento de todos os professores e muitos, entre aqueles que tiveram contato, sentiram-se inseguros para realizar as mudanças sugeridas. Assim, as propostas do trabalho com a linguagem desenvolvida pelos Parâmetros não atingiram seu efetivo acontecimento, pois alguns professores, além de não conhecerem os documentos, também não dominavam as concepções teórico-metodológicas presentes nos PCN e nos PCNEM. Essa falta de direcionamento, de apoio à formação continuada dos professores tornou o ensino de LP “sem parâmetros”: os professores desenvolviam suas aulas da melhor maneira possível e como lhes conviessem. Nessa época, era comum encontrar em determinados estabelecimentos, ou salas de aula, por um lado, o ensino de LP totalmente preso ao trabalho com as estruturas gramaticais sem se preocupar com o ensino da leitura e da escrita; por outro, era também muito comum encontrar escolas que se propunham a abandonar o ensino de LP por meio do repasse de regras e estruturas da língua e se dedicavam aos trabalhos com projetos, descuidando dos conteúdos específicos da disciplina. Ou seja, no Paraná, por quase uma década, nas aulas de língua materna podia-se encontrar diversos e diferentes seguimentos de práticas de ensino na disciplina de LP, o que ainda se reflete no ensino desenvolvido hoje no estado.

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O evento não foi proveitoso devido às suas proporções e também devido à equipe de “consultores/capacitadores”, no caso de Língua Portuguesa, não estar com preparo suficiente para desenvolver o curso, apresentando insegurança em relação ao conteúdo, organização e encaminhamentos teórico-metodológicos presentes nos documentos oficiais nacionais.

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