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2.BREVE HISTÓRIA DO MUSEU EM PORTUGAL

2.3. ANOS 70-80 – A QUESTÃO MUSEOLÓGICA

Com o regime democrático fundado em 1974, surgem novos discursos sobre a reorganização dos museus. José-Augusto França defende a sua descentralização dentro dos ideais democráticos, devendo ser reformulados e modernizados, aproximados de uma realidade que já se observava na Europa, continuando a contar com o apoio das comunidades locais (França, 1976: 11-19). Em 1975 havia cerca de 121 museus, com cada distrito a ter pelo menos um museu. A década de setenta seria marcada pela abertura de museus com novas temáticas como os Museus Nacionais do Traje e da Ciência e Técnica (1976) e os Museus Nacionais da Literatura (1982) e do Teatro (1982). As novas tipologias, nascidas a partir de experiências museológicas claramente inspiradas das linhas doutrinais da chamada Nova Museologia e marcadas por um conceito mais abrangente de património, associado aos conceitos de cultura material, comunidade, território e identidade, caracterizam as décadas de oitenta e de noventa (Brigola, Teixeira, Nabais, Pereira, 2003: 37-38).

A transformação da mentalidade da estrutura museológica para uma perspectiva democrática foi lenta e nem sempre igual nos vários museus portugueses. Por exemplo, as Casas do Povo e as Casas dos Pescadores só foram abolidas em 1985, quando o organismo que tutelava a sua existência, a Junta Central das Casas do Povo, foi extinto pelo decreto-lei nº 185/85, publicado a 29 de Maio, transferindo as competências sociais para os centros de segurança social. Porém, isto não significou o fim das casas do povo, mas a sua reestruturação porque, de acordo com a legislação, estas eram ―pólos de desenvolvimento cultural, social e desportivo‖ (Decreto-Lei nº 185/85).

No pós 25 de Abril surgiu um renovado interesse pelo património natural e cultural que, por um lado, promoveu a protecção e musealização de numerosos sectores da paisagem portuguesa e, por outro, culminou numa verdadeira explosão museal. Deste movimento resultou a ―municipalização‖ do universo museológico, uma vez que as administrações regionais e locais começaram a tutelar uma fracção significativa de museus em Portugal. O país procurava seguir as influências vindas de França, do modelo do

139 ecomuseu, conceito desenvolvido por Hugues de Varine e George Henri Rivière adaptado à realidade portuguesa. Procurava-se a afirmação de uma nova democracia que ia de encontro aos ideais do ecomuseu, como já tivemos a oportunidade de referenciar no inicio deste capítulo.

H. Rivière refere-se ao ecomuseu como ―um instrumento concebido, moldado e operado conjuntamente por uma autoridade pública e a população local. O envolvimento da autoridade pública é feito através dos peritos, das condições e dos recursos que fornece, o envolvimento da população local depende das suas aspirações, conhecimentos e perspectivas locais‖ (Rivière: 1985, p.182). A implantação do movimento do ecomuseu em Portugal fez-se de uma forma pacífica porque os seus princípios não colidiram com os da estrutura museológica portuguesa. Defendendo o princípio de um museu ao ar livre, sendo os conjuntos de casas e campos recultivados, os espaços de trabalho reconstruídos e o meio envolvente conservado, o Ecomuseu do Homem e da Indústria em Le Creusot- and-Montceau-les Mines é um dos melhores exemplos. Baseado nos modelos dos museus ao ar livre escandinavos, que incluiam várias casas ao ar livre, o equipamento agrícola e o gado alia-se a uma ideia de museu ambiental que sublinhava o impacto do homem no ambiente e as interacções com os animais, minerais e vegetais num sentido ecológico.

Em Portugal, o conceito surge pela primeira vez na década de 1960 aliado ao Ecomuseu do Parque Natural da Serra da Estrela, um projecto com uma ideologia próxima da definição de Varine e Rivière (Pimentel, 2005:183), um museu interdisciplinar de ecologia em que se associava a comunidade e o ambiente. Definia-se como um museu do tempo que conjugava uma unidade museológica central e vários departamentos espalhados pela comunidade, com uma marca profunda dos ecomuseus franceses. Apesar de ter contado com o apoio directo de Rivière e António Nabais, de se terem adquirido edifícios de arquitectura local e reunido uma equipa de investigadores universitários, bem como uma selecção de materiais etnográficos, o museu nunca chegou a abrir. O projecto, para além de estar numa área remota do país, não contou com o apoio institucional, embora, no seguimento da legislação de 1976, se enquadrasse no novo objectivo democrático da descentralização. Procurou ser um projecto de grande impacto nacional, mas não conseguiu reunir a atenção necessária.

140 Ecomuseu do Seixal que incluía vários núcleos espalhados por uma extensa área. Em 1984, o projecto foi nomeado para o Prémio de Museu Europeu do Ano. Em 1985 existiam em Portugal cinco núcleos de ecomuseus: Ecomuseu do Seixal, Museu Rural e da Vinha do Cartaxo, Museu de Benavente, o Museu de Escalhão, o Museu Etnológico de Monte Redondo e as secções museológicas do Museu de Mértola. Estes ecomuseus resultaram de uma colaboração entre as comunidades e as identidades locais, estabelecendo uma relação com a economia local, bem como com a vida cultural.

Mas em 1984, uma iniciativa internacional iria marcar uma nova viragem museológica e ideológica. Teve lugar no Quebec, no Canadá, o primeiro workshop internacional sobre Ecomuseus e a Nova Museologia. Várias declarações, entre elas, a de Pierre Mayrand, formaram um documento dos princípios básicos da Nova Museologia (documento conhecido pela Declaração de Quebec) que aliado aos princípios vinculados na Mesa Redonda de Santiago do Chile de 1972 irão constituir a base ideológica de uma nova organização, o MINOM (Movement Internationale pour la Museologie Nouvélle). Por sua vez, o MINOM associado ao ICOM e ao MNEM (Association Museologie Nouvelle et

Experimentation Sociale) irão contribuir para a difusão a nível mundial do conceito de

ecomuseu.

Apesar de ser uma situação muito particular, os efeitos desse movimento também se sentiram em Portugal, nomeadamente no processo de reestruturação dos museus locais, criando uma nova prática discursiva para os pequenos museus espalhados pelo país. Neste contexto foi fundamental o papel do Departamento de Etnologia do Instituto Português do Património Cultural, constituído por duas secções, etnosociologia e etnografia. Dirigido pelo museólogo Henrique Coutinho Gouveia, este departamento iniciou uma campanha sobre museus etnográficos cujo impacto ―contribuiu decisivamente para fomentar uma ―ideia de museu‖ cuja origem e quadro ideológico estavam fortemente influenciados e condicionados pelos princípios da ecomuseologia‖ (Pimentel, 2005: 191). Pela primeira vez, era dada aos responsáveis pelos museus locais a oportunidade de mostrarem, discutirem e de reflectirem sobre os seus projectos. O impacto desta política de actuação foi grande e conseguiu mudar a percepção em relação a estes museus, como deviam ser organizados e quais deviam ser os seus objectivos, dando-se uma ênfase à etnografia em materiais recolhidos pelos grupos folclóricos, pois as suas colecções incluíam fundamentalmente roupas e objectos tradicionais, muitas veze s

141 relacionados com a música popular. Porém, muitos destes museus não tinham um espaço físico que os acolhesse e as recolhas eram realizadas de forma pouco sistemática. Muitas vezes, não passavam de colecções etnográficas dispersas (Pimentel, 2005: 193), embora alguns contassem com apoio das Câmaras Municipais ou das Juntas de Freguesia.

Mas outras e diversas experiências marcarão os museus portugueses. A partir de 1978, é criado, no âmbito do Conselho da Europa, o Prémio do Museu Europeu do Ano, recebido por alguns museus em Portugal. Novos espaços expositivos e a organização de grandes eventos tornar-se-iam experiências museológicas importantes no território nacional, como a XVII Exposição de Arte, Ciência e Cultura (Conselho da Europa, 1983), Europália (1991), Centro Cultural de Belém (1992), Lisboa Capital Europeia da Cultura (1994), Exposição Mundial de Lisboa (1998), Porto Capital Europeia da Cultura (2001) e a acção da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos (criada pelo Decreto-Lei n.º 391/86, de 22 de Novembro, com términos em 2002). (Brigola, Teixeira, Nabais, Pereira, 2003:32-45).