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3.O CURRICULUM PÓS-MODERNO

3.4. OS PROBLEMAS DO CURRICULUM PÓS MODERNO

Os grandes pilares da Educação Artística são três: a linguagem visual, a pedagogia e as artes e a cultura visual. Na opinião de Acaso (2009:24), a linguagem visual está seriamente ameaçada por um processo interno de hiper desenvolvimento, a pedagogia está ameaçada pela Pedagogia Tóxica, uma metodologia educativa que vive um grande progresso nos tempos actuais, pois as artes sofrem de um sistema de espectáculo sem precedentes. A junção destes três vectores carece de uma análise e uma reavaliação face ao desenvolvimento actual e às influências que sofrem.

A Educação Artística, a Didáctica das Artes e da Cultura Visual é uma área educativa no mundo do conhecimento e da educação que detém uma linguagem específica, a linguagem visual. Gilles Lipovetsky (2007) refere os conceitos Hiper e Mundo-

Imagem, numa sociedade actual que ele classifica de hiperconsumo, a sociedade do

supermercado, da publicidade, do carro e da televisão (2007:8). É esta sociedade, com as suas características, que nos transmite um novo tipo de linguagem visual. Os conceitos mundo-imagem e consumo-mundo utilizados por este autor inserem-se num universo de consumo, de globalização do mercado da oferta e da procura em que sistematicamente somos convidados a consumir uma demanda do hedonismo selvagem, em que todas as experiências são comercializadas e em todas as idades. O desejo é permanente e insinua- se através das representações visuais de carácter comercial.

Acaso refere que se passou de um desenvolvimento da Linguagem Visual para um hiper desenvolvimento da Linguagem Visual e que três factores foram decisivos: o desenvo lvimento d a técnica, a espectacularidade das me nsagens visuais e o

87 desenvolvimento do hiper consumo (Acaso; 2009: 27). Se pensarmos no grande avanço tecnológico criado a partir da Revolução Industrial, as relações humanas, os sistemas de produção e de comercialização transformaram-se grandemente. O aparecimento da fotografia na primeira metade do século XIX e como este invento transforma grandemente as formas de representação, nomeadamente a pintura com o invento do cinema mudo com os irmãos Lumière, o desenvolvimento da Imprensa, o aparecimento da Televisão. Mas se estas são invenções tecnológicas que marcaram um ciclo até às primeiras décadas do século XX, não menos importante será a transformação ocorrida entre os anos setenta e noventa com o desenvolvimento do tratamento das representações visuais. O desenvolvimento dos computadores, software, Photoshop, scanner, câmara digital, telefone móvel e mais tarde, já no século XXI, o desenvolvimento de novas ferramentas da Web com o aparecimento de espaços de comunicação como o youtube, h5, Myspace,

Facebook, Twiter, Photolog, entre outros. O desenvolvimento do software e o retoque das

imagens virá afectar largamente o desenvolvimento da cultura visual. A câmara digital e o

scanner permitem que possamos tirar milhares de fotos sem as utilizarmos posteriormente.

―Caçar a foto‖ passará a ser uma actividade quase espontânea, de prazer imediato, mas a possibilidade de as transformarmos passará ao processo criador de podermos criar ―mentiras visuais‖. Como refere Acaso (2009:29) e Playo (2008), a fronteira entre a realidade e a hiper realidade nunca foi tão difusa. O antes e depois da foto e do retoque visual permite que todos tenhamos corpos esculturais, sem qualquer imperfeição, sem estrias, celulite, pelos no lugar indevido, no fundo, corpos impossíveis, irreais, criando aquilo que José Playo refere como a Tirania da Perfeição. A manipulação das imagens é um recurso aprazível de distorcer a realidade e torná-la mais digestiva.‖Para editorializar el

dia a dia y exorcizar com ingenio. Yo propongo que volvamos a eso, que nos dejemos enamorar outra vez por la antes y no por los despues(…) yo propongo que dejemos de lado esta realidad nomeada, nos sentemos y lo relexionemos. Tenemos que volver a ser librés‖ (Playo, 2008).

A publicidade chega até nós não só pela televisão, mas também através de internet e do telemóvel, do ecrã do multibanco, tornando-se um veículo de hiperexpansão no sentido de nos fazer sempre comprar algo. O hiper desenvolvimento da linguagem visual, incentivado pelas novas tecnologias, produz a multiplicação de imagens de todos os aspectos da nossa vida, como se fosse um ―eco‖ dessa experiência. Se não mostrarmos essas fotos é como se a experiência se tornasse incompleta, não ficasse consolidada e

88 efectivamente vivida. O privado torna-se público, numa necessidade urgente de exibição pública, de compartilhar com todos, tornando esta uma ―sociedade de espectáculo‖ (Debord, 1967). Nesta sociedade de consumo e de espectáculo, a nossa existência torna- se passiva adquirindo a maior parte de produtos possível e a vontade de os exibir imediatamente (Acaso, 2009:32).

O grande desafio é que deixamos de ter prazer em admirar as imagens, passamos unicamente a ter prazer em compartilhá-las. Essa espectacularidade observa-se em grandes acontecimentos como a queda das torres gémeas, em 2001, em Nova York, as fotos da tortura na prisão Abu Ghraib (2006), as fotos do terramoto do Haiti (2010) ou o tsunami do Japão (2011). Rapidamente, o mundo global teve acesso a essas imagens num espaço curto de tempo e essas representações visuais invadiram as nossas casas através, muitas vezes, de câmaras de fotografia digitais, ou dos telemóveis pessoais. Situações de violência, de pedofilia, de bulimia passam a ser parte do processo do espectáculo do hiperdesenvolvimento da linguagem visual, a serem apresentadas, exibidas como se fossem temáticas normais do nosso quotidiano.

Para que o hiper consumo ocorra é necessário ser estimulado visualmente. A hiperpublicidade, a força das imagens cria o conceito das ―marcas estrelas‖ planetárias, como nos refere Lipovetsky (2007: 89), porque afinal o hiperconsumo coincide com o triunfo das marcas como moda. O cidadão passa a consumidor e o desenvolvimento do hiperdesenvolvimento da linguagem visual tem um papel fundamental nesta transformação. A felicidade endeusada passa a ser uma felicidade comercial, como nos sublinha Lipovetsky. As experiências estéticas fazem-se em todas as dimensões da vida, ―compra agora, porque tu o mereces‖. O incentivador do desejo é uma ferramenta colorida que está sempre a sussurrar e cuja linguagem visual nos está sempre a gritar.

Bauman (2007) comenta que o mundo se tornou num espaço de intolerância, desenvolvemos o Síndroma da Impaciência, que Sennet (2006) classifica como uma sociedade amarga, pois as estratégias do capitalismo afectam directamente a nossa personalidade e os nossos estados de ânimo corroendo-os e esvaziando-os. O hiperdesenvolvimento da linguagem visual funciona como um incentivador do desejo. Mas como refere Maria Acaso, ―la capacidad para absorber e interpretar la información visual no

es una capacidad innata en el ser humano, sino que es una habilidad que hay que aprender a desarrollar y, por lo tanto, la educación artística tienne mucho que ver com la

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consolidación sino com la desconsolidación del mundo-imagen‖ (2009: 35).

Robert Beaugrande fala-nos na ―educação da bulimia‖ em que o estudante consome conhecimento, alimenta-se de factos, que despeja no momento dos testes, não o recicla e acaba por deitar fora sem ter realizado uma análise e reflexão. Paulo Freire fala-nos no ―modelo bancário‖, em que o professor tem uma série de respostas certas num depósito e que espera que os seus alunos correspondam a essa definição. Em suma, as ferramentas visíveis são os modelos tradicionais dos processos educativos, as ferramentas invisíveis é o curriculum oculto.

Estudos sobre o consumo verificaram que a maioria das crianças e dos adolescentes preferem filmes de acção e impacientam-se com os filmes que trabalham com grandes planos e com descrições intimistas. É possível afirmar que, ante as dificuldades de saber o que fazer com o passado e com o futuro, as culturas juvenis aclamam o instantâneo. São exemplo dessa cultura do instantâneo, as salas de chat simultâneas na internet, os videoclips e a música com o volume máximo nas discotecas, no interior dos carros, na solidão do walkman. As novas salas de cinema são pequenas, não só para optimizar a mercantilização dos espaços de entretenimento, mas para agregar os espectadores mais perto da tela e tornar mais intensa a violência dos filmes, ampliar a sucessão de momentos em que se atropela a narração.

Outro traço característico desta fase é a chamada cultura de casino, a rejeição do novo é de mau gosto. Temos de estar sempre em forma, rejeitando o que está desactualizado e aberto a mudanças contínuas no nosso vestuário, decoração, vocabulário, gostos e tendências. E, claro, também hoje, como o coração, no desporto, notícias da guerra, filmes. A hiper realidade do instantâneo, a velocidade dos CDs que precisam ser ouvidos cada semana, a celeridade da informação e a comunicação fácil que a audição propícia levara Bauman a afirmar que hoje "a beleza é uma qualidade do acontecimento, não do objecto (...) a cultura é a habilidade para mudar de tema e posição muito rapidamente" (Costa, 2002).

Na mesma direcção se posiciona George Steiner quando afirma que "a nossa, é uma cultura de casino e de azar, onde tudo se aposta e corre perigo; na qual tudo está calculado para gerar um máximo de impacto e uma obsolescência instantânea" (Costa, 2002). Tudo se passa tão rápido que para milhões de jovens de classe média e média

90 baixa, o modelo de triunfo social é ser um ex-big brother. Esta forma de presença não é uma característica peculiar dos jovens, pois é concordante com o modo como as políticas neoliberais reordenam ou "desordenam" as sociedades.