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3.O CURRICULUM PÓS-MODERNO

3.5. PEDAGOGIA TÓXICA

Como educamos os nossos estudantes do ensino do pré-escolar ao secundário? Serão eles felizes? Serão eles felizes por escolha própria ou serão eles felizes porque nós decidimos como eles deviam ser felizes de acordo com modelos familiares e locais ou modelos globais? As mentiras da linguagem visual preocupam-nos no sentido de estarmos desinformados, bem como os nossos alunos, deseducados em relação à leitura de imagens. Estaremos a educar analfabetos visuais que ao desconhecerem a potência da imagem visual, vai consumi-la sem tréguas. Para que o hiper desenvolvimento da linguagem visual tenha alguma placidez necessita de uma aliada como a educação. Lipovetsky refere as poucas alternativas em refrear o hiperconsumo entre elas é imperioso encontrar novas metodologias de educação e trabalho que permitam ao indivíduo encontrar uma identidade e satisfação que não sejam as dos paraísos passageiros do consumo.

Através da linguagem escrita, oral e especialmente através da linguagem visual, decidimos o que não podemos gritar, mas que expressa quem somos através de símbolos como a nossa roupa, o nosso carro, a nossa casa e muitas vezes é essa informação sobre quem aparentemente somos que decide tudo. Frequentemente, a informação explícita, a que comunicamos de forma consciente, fica em segundo plano. Numa sala de aula, numa visita a um museu, inconscientemente ou não, sempre privilegiamos uns em detrimento de outros, o que muitas vezes acontece por critérios de preferência pessoal. ―Un profesor,

ante un grupo de alumnos y alumnas, imparte simultáneamente muchas lecciones (no sólo de su materia): de sensibilidad, de respeto, de lenguaje, de compostura, de atención al desfavorecido... O de todos sus contrarios‖ (Guerra, 2006). Ter consciência destas

diferenciações e dinâmicas que vamos estabelecendo entre as turmas e dentro de uma mesma turma terá de ser uma luta constante, pois educar classes mais democráticas é tornar explicito o curriculum oculto, o primeiro passo é identificar o ―demónio‖, como refere Acaso (2009: 53). "Todo centro escolar es una organización peculiar con una cultura moral

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propria, en el sentido de que provee a sus miembros de un marco referencial para interpretar y actuar, como conjunto de significados compartidos por los miembros, que va a determinar los valores cívicos y morales que aprenden los alumnos y alumnas, este conjunto de normas, supuestos tácitos, creencias y valores se manifiestan en diversos rituales regularizados, reflejado normalmente en la cara informal de la organización del Centro, contribuyendo a socializar a los sujetos" (Bolívar, 1998). Já sabemos que nada na

escola é neutro, que os alunos aprendem coisas muito para além do que lhes é ensinado pela via institucional, "em virtude da sua experiência diária num cenário organizativo com as características sociais da escola" (Dreeben, 1976). É normal os alunos, por exemplo, adquirirem informações através de jogos vídeo, relativo a conteúdos de estratégia do exército romano ou sobre arte grega e romana ou outras temáticas como os descobrimentos.

―Frente al currículum explícito que se desarrolla en las escuelas, existe otro de carácter oculto que actúa de manera eficaz en el proceso de aprendizaje de los alumnos y de las alumnas y, qué duda cabe, aunque en este aspecto no se ha insistido suficientemente, del profesorado. En efecto, también los profesores y las profesoras aprenden concepciones, actitudes y formas de comportamiento‖ (Torres, 2002; Etkin, 2003;

Guerra, 1994). Por exemplo, no programa da disciplina de História da Cultura e das Artes do ensino secundário português (do qual somos professores) convém analisar que é um programa que valoriza excessivamente os artistas homens e as modelos femininas ou determinados grupos sociais elitista 25 , valoriza de forma pouco significante o multiculturalismo da nossa sociedade actual, num país com raízes colonialistas. As imagens dos manuais referentes a culturas não europeias aparecem em número reduzido, dando uma importância mínima às realidades artísticas, sociais ou culturais desses povos não ocidentais.

O curriculum oculto reflecte diversas características que exigem a nossa atenção. É sub-reptício, isto é, que desempenha um escondido manifesto. É, portanto, menos eficaz. Através da observação, do comportamento de repetição, o uso das línguas, assimilando apenas uma forma de ser e a cultura gerada pela instituição. É omnipresente, porque actua em todos os momentos e em todos os lugares, daí a sua importância e a sua intensidade. A forma de organização do espaço e do tempo é repleto de significado, a natureza das

25 Importa analisar/debater com os alunos porque é que a sociedade ao longo dos séculos se organizou desse forma hierarquizada e

92 relações é marcada pelos papéis que desempenham, as normas são sempre ligadas a uma concepção particular de poder. É absoluta, porque se reveste de diversas formas de influência. Os significados são assimilados através das práticas realizadas, dos comportamentos que são observados, das normas, os discursos que se utilizam estão habituados a viver as contradições dos textos que são lidos, as crenças que assumem. É repetitivo, como são as actividades que se repetem de uma forma quase mecânica e que tem uma prática institucional. É inestimável, pois não se reparam nos efeitos que produz, não se avaliam os resultados de aprendizagem, nem as suas implicações. O currículo explícito é avaliado, na aprendizagem de forma global. Mas não se leva em conta tudo o que vai a caminho de estrutura, função e a relação que constitui a cultura da instituição.

Os processos educativos também são manipulados, através do terrorismo visual e da meta narrativas, para obter certos objectivos. As instituições obsoletas são as que não têm tecnologia, nem preocupação para gerar conhecimento, mas têm muita preocupação em classificar, em ratificar, privilegiam as ciências que têm a ver com a inteligência do tipo lógico. A educação é um processo intelectual que tem a ver fundamentalmente com a aquisição de conhecimento. Para o desenvolvimento deste processo, os professores apoiam-se em certas teorias. O grupo de poder institui como legitimo o modelo no contexto educativo, a pedagogia tóxica.

O objectivo é que os estudantes tenham o conhecimento importado, através de meta narrativas e sejam incapazes de gerar conhecimento novo. Utiliza-se a mesma linguagem visual oral e escrita como a televisão, mas quem transmite é o educador/professor e os contextos educativos. A impossibilidade do desenvolvimento da criatividade e a consolidação da repetição. A pedagogia tóxica tem como objectivo converter os estudantes em peões, consumidores, votantes, fiéis. Os estudantes são tratados como um objecto de consumo e simultaneamente ensina-se que se devem converter em sujeitos consumidores. A pedagogia tóxica auxilia somente os alunos determinados, relegando para um segundo plano todos os outros.

A crise do Estado-providência, iniciada em meados dos anos 70 e agravada desde a queda do muro de Berlim, significou que os esforços político-económicos de cada comunidade nacional em atenuar os efeitos negativos do processo de desenvolvimento económico através de mecanismos universais da segurança social, saúde e educação são cada vez menos eficazes à medida que o processo de globalização económica alastra e se

93 aprofunda. Escreve Bauman: «Num planeta que constantemente se mundializa, a política tende a ser cada vez mais, e de forma cada vez mais apaixonada e consciente, local»» (2006: 27). E ainda: «A política está cada vez mais centrada no que é próprio, num mundo cada vez mais estruturado por factos internacionais». (Bauman, 2006: 29). A cidade emerge, na modernidade líquida, como o palco político por excelência dos novos conflitos políticos em que tendências e fenómenos globais se fazem directamente sentir, já sem a mediação dos Estados-nações, a nível local.

As reformas educativas não se mostram eficazes enquanto não fizerem parte da cultura ou do modo de pensar daqueles que as vão aplicar. Por isso, falar de liberdade, respeito mútuo, solidariedade como proposta educativa, pode significar, todavia uma ocorrência singular, quando inexoravelmente estamos imersos numa carreira cuja meta desejada, e difícil, é o exercício de uma profissão para a qual somente nos exigem conhecimentos e habilidades. Na prática, sem dúvida, não é fácil separar as aprendizagens instrutivas das componentes atitude e valor. Em qualquer actuação docente estamos a depurar e a projectar uma determinada concepção de pessoa, promovendo determinados valores, pelo que não podemos renunciar à nossa condição de humanos que vivem e actuam a partir de valores. É impossível, portanto, subtrairmo-nos da condição de emissores de mensagens que chegam aos alunos codificadas e interpretadas a partir da nossa óptica pessoal. A escola não só "molda" o pensamento da criança oferecendo-lhe uma quantidade considerável de conhecimentos. Se isso fosse assim, dir-se-ia que a acção instrutiva-educativa ocorreria fora do tempo e do espaço. Certamente, a experiência do valor será sempre contraditória, quer dizer, existirão sempre experiências de injustiça, intolerância, etc. Por isso, a apropriação do valor representa e exige uma opção-escolha do educando. E o ensino do valor deverá incidir sempre na preparação do educando para que ele possa fazer a melhor escolha. Não faz sentido, portanto, impor os valores num processo educativo. Se não oferecermos, entre muitas outras, as experiências dos valores que desejamos transmitir, a educação nesses valores converte-se numa tarefa impossível. Se não oferecermos a possibilidade de os nossos alunos verem outro tipo de cinema, como romper com os valores incutidos pelo cinema dominante?

Apesar dos problemas e dificuldades de educar através dos princípios do pós- modernismo, entre eles, a própria pedagogia tóxica, somos defensores desta teoria como uma possibilidade de entendimento e ―redescobrimento‖ da arte não só nas escolas como

94 nos museus de arte moderna e contemporânea. Veremos ao longo da tese, especialmente a partir dos capítulos III, IV e V, como através das premissas do pós-modernismo diferentes papéis nas escolas e nos museus podem ser interpretados a diferentes tempos, incluindo outras perspectivas como a da etnia, do género, sexualidade ou religião.

95 CAPITULO II - PERSPECTIVA HISTÓRICA DO MUSEU E DA EDUCAÇÃO ARTISTICA