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3.O CURRICULUM PÓS-MODERNO

3.3. PODER E SABER: QUE RELAÇÃO?

Francis Bacon defendia a máxima de que poder é saber no sentido do homem poder controlar a natureza. Mas Foucault sustenta, pelo contrário, que os grupos e as instituições mais poderosas economicamente determinam muitas vezes o que deve ser ensinado de acordo com os desejos e interesses dos mesmos, como sinónimo de detenção de poder (Efland, Freedman e Stuhr, 2003: 167), apoiando que existe uma relação próxima entre a emergência do saber disciplinário e os sistemas de controlo social. A tese de Foucault sobre as questões do poder incide sobre as ciências sociais que também se pode aplicar à história de arte e à crítica de arte sobre as questões sobre o que deve ser ensinado de modo a que o curriculum seja mais democratizado e representativo, como se classifica as artes ―maiores‖ e ―menores‖ ou arte de ―elite‖, quem resolve essas determinações, quem toma essas decisões, como se deve interpretar o desprezo do poder em relação à cultura popular, quem tem o poder e beneficia para que certos desenvolvimentos artísticos tenham mais poder do que outros.

Se a história de arte se desenvolve e afirma como uma disciplina num período em que se começam a estabelecer as grandes colecções de arte pública e privada e era necessário comprovar as peças de arte originais e as cópias, a crítica de arte desenvolve- se, por outro lado, numa fase de afirmação dos comerciantes de arte em que estes se convertem em importantes divulgadores de novas obras e como tal passam a ser considerados como os filtros de reconhecimento e explicação de obras de arte, pois as suas opiniões passam a ser divulgadas, primeiro em espaços de opinião como jornais, revistas, blogs e depois citadas em livros. Estas convicções irão construir outras opiniões, classificar as obras no seu valor cultural e monetário e muitas vezes contribuir para a enorme diferenciação e classificação das obras europeias e americanas em detrimento das não ocidentais (Efland, Freedman e Stuhr, 2003: 167), ou aumentar o fosso entre a s

84 classificações de arte popular, decorativa e kitsch. Kipnis (1986) refere que um dos efeitos da modernidade terá sido a oposição entre a alta cultura e a cultura de massas, ou o regional, o popular ou até o artesanato. Mas, muitos artistas pós modernos, nomeadamente Andy Warhol e Lichtenstein vão apropriar-se de imagens da cultura popular. A análise da valoração ou rejeição dum artefacto artesanal realizada por comités artísticos, galerias ou outras instituições faz-se vinculada a políticas de arte e ao exercício de poder. O elitismo e a igualdade apresentam-se como uma situação de conflito de validação do saber entre grupos sociais dominantes ou não dominantes. Sendo assim, na crítica de arte, as questões da linguagem tornam-se particularmente sensíveis e o discurso cria significados e valores derivados das obras de arte. As questões da cultura dominante e da cultura dominada levaram Paul Ricoeur a afirmar: ―A descoberta da pluralidade das culturas nunca é uma experiência inócua. Quando descobrimos que existem muitas culturas em vez de uma só, e consequentemente reconhecemos o final de uma espécie de monopólio cultural, seja ilusório ou real, vemo-nos esmagados pela destruição da nossa própria descoberta‖ (in Owens, 1983).

O educador pós moderno, professor ou educador de museus, não se deve limitar às belas artes tradicionais podendo introduzir diferentes questões e orientações estéticas sobre o passado do desenho industrial, da arte, da arquitectura, do folclore num espírito mais igualitário do que no passado, sem recorrer aquilo que defendia os pressupostos do ―bom desenho‖, ainda que, tal como afirma Foucault, o discurso também é uma forma de poder social.

A linguagem como uma arma de poder e saber remete-nos para os fenómenos do controle da população nas sociedades totalitárias, baseados na propaganda e censura ou para as técnicas publicitárias nas economias de mercado, com discursos estratégias subtis, que criam realidades, com classificações de acordo com a etnia, classe económica, preferência sexual, capacidades intelectuais, como iremos analisar a seguir. As práticas discursivas criam realidades sociais em todas as formas de vivência social e também na arte.

A ideia de desconstrução, conceito utilizado pelo filósofo Jacques Derrida, considerada uma das mais importantes características do pós modernismo, foi utilizada como um método de leitura em que os elementos de conflito de um texto são expostos para contradizer qualquer interpretação fixa, ou seja, o texto nunca significa exactamente o

85 que diz, procurando um texto dentro de outro, sugerindo a Collage/montaje. O crítico desconstrutivista tenta descobrir oposições no texto com o objectivo de demonstrar que não há uma análise única, um único ponto de vista, propondo várias combinações. Sendo assim, a análise e a crítica desconstrutivista põem em questão reduzindo a autoridade do artista como fonte principal de significados e também a autoria e a originalidade, uma vez que as obras de arte pertencem a uma atmosfera cultural que fornece símbolos que o autor e o espectador utilizam para estabelecer comunicação. Jonathan Culler (1989) considera que a crítica desconstrutivista está orientada para o leitor, substituindo a crítica orientada para o escritor da modernidade.

O público da pós modernidade está predisposto a alertar sobre os elementos que não ocorreram sequer no pensamento moderno e os significados das obras, que mudam com o tempo, não são atribuídos necessariamente pelos artistas, mas sim construídos socialmente por um esforço de uma comunidade, público e artistas. Os meios tecnológicos adquirem um carácter fundamental neste processo de desconstrução do curriculum pós moderno, especialmente o computador, rompendo com a tradicional separação entre o artista e o espectador, através de programas interactivos em que o artista e o espectador participam na construção de uma linguagem estética quase de forma simultânea. Neste processo, o impacto das imagens, como analisaremos a seguir, tem um poder imenso na forma como educa, distorce, sensibiliza ou não, o espectador para uma certa realidade. Efland refere: ―A desconstrução é um método de leitura que pretende descobrir as oposições inerentes ao texto ou a uma obra de arte. O curriculum, como texto, não está imune a uma leitura desconstrutiva. O interesse da leitura também radica em descobrir oposições, como por exemplo: professor-estudante, moderno-pós moderno, natureza- cultura, forma-conteúdo, masculino-feminino, nós-outros, centro-margens, universal-plural, local-nacional, individual-grupo. As oposições podem enfrentar-se do pequeno relato ao meta relato, ou de um pequeno relato a outro. O propósito da leitura desconstrutivista é localizar focos de conflito e convertê-los em tema de estudo.‖ (Efland, Freedman, Stuhr, 2003: 183).

O objecto pós moderno tem uma dupla significação, códigos ou mensagens que se juntam aos do modernismo e se juntam a outros códigos, podendo incorporar significados alternativos e de mudança ao curriculum moderno. Se certos teóricos pós modernistas rejeitam totalmente o modernismo, outros, como Jencks, revelam que vê na pós- modernidade tanto a preservação da modernidade como a sua transformação (1991) ,

86 dando como exemplo a arquitectura contemporânea que incorpora muitas vezes a arte clássica e uma nova estrutura actual, com tecnologia do século XXI. Se nos anos sessenta, o modelo em espiral era fundamental, a partir dos anos noventa houve que substitui-lo por outro mais ―collage‖ em que se podem encontrar pólos de conflito, mais do que consenso, que não se podem unicamente basear na construção de professor-aluno, mas numa construção social que discute as dicotomias de masculino-feminino, local- global, dominante-marginal, passado-presente.