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2.BREVE HISTÓRIA DO MUSEU EM PORTUGAL

2.1. MUSEUS DO SÉCULO XIX, INÍCIOS DO SÉCULO

Madalena Braz Teixeira considera existirem três grandes períodos da museologia em Portugal, sendo o primeiro das origens à criação do Museu Portuense (1833) e à extinção das Ordens religiosas37; o segundo vai até à instauração da República à Lei da Separação do Estado da Igreja (1910); e o terceiro e último começa a partir de 1910 (1985: 186-239).

A história dos museus em Portugal acompanha a evolução da própria sociedade e cultura portuguesas: ―Tem sido possível documentar a existência de colecções, através de inventários e de testamentos da Casa Real e da Nobreza, assim como dos bens da igreja, em mosteiros, conventos, catedrais, igrejas de peregrinação, paróquias, ermidas e capelas. Provenientes de instituições religiosas, muitos desses bens artísticos, arqueológicos e científicos, considerados um entesouramento sagrado, persistiram até aos nossos dias protegidos pelo apego comunitário das populações, caso dos tesouros das Sés de Braga, Coimbra e Évora‖ (Brigola et al, 2003). Na época da pré-museologia, a partir

37 O Decreto de 5 de Agosto de 1834 proibiu os noviciados em qualquer mosteiro, prevendo a extinção gradual das ordens e

determinou a extinção dos conventos, mosteiros, casas seculares e hospícios com menos de doze religiosas e que as suas propriedades fossem incorporadas nos bens nacionais. A cláusula de extinção apenas após a morte da última freira levou a que o processo culminasse, nalguns casos, já na transição para o século seguinte.

125 do século XVI, na época dos gabinetes de curiosidades, tesouros e galerias de príncipes, nobres e burgueses (mercadores), constituíram-se várias colecções que se mantiveram até ao século XVIII, acessíveis a uma pequena elite, constituída por eruditos, cientistas e viajantes. As mais conhecidas são as do 1º Duque de Bragança, D. Afonso, do infante D. Pedro de Avis, de D. Diogo de Sousa, de André de Resende, de Damião de Góis, de D. João de Castro, de António de Gouveia e de Garcia de Orta. No tempo de D. Manuel, o Paço da Ribeira recebeu uma recolha de naturalia e artificialia provenientes de outros continentes.

Já no século XVII, Gaspar Estaço e D. Rodrigo da Cunha reuniram colecções de moedas, enquanto Severim de Faria, na mesma época, para além de um tesouro de moedas romanas e portuguesas, ―conservou grande número de vasos e outras relíquias da grandeza Romana de que formou um Museu digno de um Príncipe‖ (Nabais, 1993: 72). D. Luís de Menezes, 3º Conde da Ericeira, iniciou, no Palácio da Anunciada, em Lisboa, um Gabinete de curiosidades naturais, bem como uma biblioteca que chegou a possuir mais de quinze mil volumes, para além de instrumentos matemáticos e colecções de antiguidades e de numismática. Foi seguido pelo seu filho, D. Francisco Xavier de Menezes, 4º Conde de Ericeira (Brigola, 1998: 70). No reinado de D. João V, o monarca instituiu, em 1720, a Academia Real de História Portuguesa e, no ano seguinte, através do Alvará de 20 de Agosto sobre a Conservação de Monumentos Antigos, atribuiu aos académicos e aos sócios correspondentes a incumbência de salvaguardar o património edificado e os bens culturais móveis. ― […] examinar os monumentos antigos que havia que se podiam descobrir no reino dos tempos em que nele dominaram os Phenices, Gregos, Persas, Romanos, Godos e Arábidos […] achava-se que muitos edifícios estatuas, mármores, cippos, laminas, chapas, medalhas, moedas, e outros artefactos, por incúria e ignorância do vulgo se tinham consumido, perdendo-se por este modo um meio mais próprio e adequado para verificar muitas noticias da venerável antiguidade assim Sarada como Politica […]‖ (Alvará de 20 de Agosto in Nabais, 1993: 72- 73). Desta acção resultou a recolha de inúmeros objectos arqueológicos em mármore, descobertos em escavações acidentais em distintas partes do país. Com estes objectos organizou-se, no edifício do Paço dos Duques de Bragança, o ―primeiro museu nacional de arqueologia‖, designação atribuída por José Leite de Vasconcelos. Além destes bens culturais e de acordo como o coleccionismo barroco, os interesses da Coroa, nobreza, clérigos e eruditos também s e

126 dirigiram para as obras de arte em geral, numismática, medalhista e para os espécimes da natureza (Brigola, 1998: 51-57). ―Destes objectos armazenados em gabinetes de erudição curiosa e em galerias de arte pouco restou, além da sua memória arquivística, devido à completa devastação ocorrida com o terramoto de 1755 no Paço Real da Ribeira e do Paço dos Duques de Bragança, ao Chiado, bem como de inúmeros palácios e conventos de Lisboa, entre os quais deve ser destacado o citado Palácio da anunciada do 4º Conde da Ericeira‖ (Brigola, Teixeira, Nabais, Pereira, 2003:32-45).

As colecções portuguesas do Estado começam a organizar-se no final do século XVIII e, mais tarde, no século XIX, multiplicam-se. Nos finais da centúria de setecentos, como vimos, instala-se a consciência de que a designação ―Museu‖ deveria ser reservada a iniciativas que envolvessem dimensões que ultrapassassem a realidade do vulgar coleccionismo privado de amadores e eruditos. Desde então, o ―Museu‖ aparelha um espaço de exibição fisicamente vasto, dotado de um quadro de profissionais, que assume obrigações permanentes para com o público e, por sua vez, a designação ―gabinete‖ passa apenas a reflectir a realidade de um coleccionismo de particulares que não cumpre, genericamente, o triplo alcance público, permanente e profissional das colecções (Brigola, Teixeira, Nabais, Pereira, 2003: 32-45).

À luz do Absolutismo Esclarecido, as iniciativas do Estado para a criação dos museus de história natural e jardins botânicos da Ajuda (1768) e os da Universidade de Coimbra (1772) ganham folgo. É importante salientar a acção de Domingos Vandelli (1735- 1816), ‖cuja ligação durante mais de quatro décadas à fundação e direcção dos museus de história natural e jardins botânicos da Ajuda (1768-1810) e de Coimbra (1772-1791) faz dele, indiscutivelmente, o mais importante museólogo setecentista do nosso país‖ (Brigola, 1998: 98).―Alargam-se os públicos e abriram-se portas, num dia fixo da semana; sofisticaram-se os equipamentos – livraria, casa do risco, laboratório, salas de preparação, armazém; contrataram-se especialistas estrangeiros e funcionários permanentes; organizaram-se expedições científicas ao território continental e ultramarino (as Viagens Philosophicas) e envolveu-se a nossa diplomacia na rede internacional de aquisições‖ (Brigola, Teixeira, Nabais, Pereira, 2003: 32-45).

Na fase pós-pombalina, o coleccionismo privado adquire uma importante dimensão com as colecções de eclesiásticos (de Caetano do Bem, José Mayne, Manuel d o

127 Cenáculo), os gabinetes de antiguidades e medalhas (de Vidal da Costa e Sousa e o da Livraria Pública) e os gabinetes de aristocratas e eruditos (Marquês de Angeja, Comerciante inglês Gerard de Visme, Visconde de Balsemão (D. Luís Máximo Pinto de Sousa Coutinho) Luís José de Vasconcelos e Sousa (Aristocrata da Casa dos Castelo Melhor), Luís Albuquerque de Mello Pereira Cáceres, (Fidalgo beirão da Casa da ínsua), Marquês de Abrantes, Marquês de Alorna, Marquês de Aveiro).

Relativamente à história da museologia arqueológica, Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas, bispo de Beja e arcebispo de Évora, desempenhou um papel notável ao recolher e organizar variadíssimos materiais arqueológicos. A ele se deve a instalação do primeiro museu em Portugal, o museu Cenáculo Pacense, aberto em Beja no ano de 1791, e as primeiras escavações arqueológicas em Tróia. Para Frei Manuel do Cenáculo, o estudo das ruínas, a observação dos lugares arqueológicos, através das colecções dos objectos achados nas suas escavações era necessário para a intervenção e datação. Cenáculo destaca-se positivamente dos outros estudiosos de arqueologia pelo manifesto cuidado posto na informação (levantam-se plantas, desenham-se artefactos, copiam-se e transcrevem-se epigrafias e os seus suportes). Além da Antiguidade Clássica, Cenáculo deu igualmente importância aos vestígios proto-históricos (Matos, 2002: 44-45). ―É um coleccionador com uma perspectiva de futuro: como homem das Luzes, reuniu todo esse património para o divulgar e colocar à disposição do público, constituindo bibliotecas e museus. Enumeremos apenas as instituições que ficaram a dever-lhe importantes doações de livros: Biblioteca do Convento de S. Francisco de Lisboa, Biblioteca da Real Mesa Censória; Biblioteca dos Paulistas da Serra da Ossa; Real Biblioteca Pública (actual Biblioteca Nacional)‖38

. (Vaz, 2006).

A partir do século XVIII, a palavra Museu ―passou a associar-se a um espaço de exibição fisicamente mais vasto, dotado de um quadro de profissionais e assumindo obrigações permanentes para com o público. Ou seja, a designação ―Gabinete‖ passava a reflectir a realidade de um coleccionismo de particulares que não cumpria, genericamente, o alcance público, permanente e profissional das colecções suportadas pelo Real Erário (Ajuda e Coimbra) ou dos casos excepcionais dos ―museus‖ do padre - mestre Mayne (Padre Frei José Mayne foi um dos membros mais prestigiados da primeira fase de existência da Academia Real das Ciências) e do arcebispo Cenáculo, libertos das

38 Outras foram por ele fundadas como a Biblioteca Eclesiástica e Museu de Beja; o Museu e Biblioteca Publica de Évora.

Demonstrou que a cultura e a difusão do saber, constituem um importante pilar do desenvolvimento e eram, por isso, um investimento lucrativo e de futuro.

128 contingências desagregadoras dos patrimónios familiares‖ (Brigola, Teixeira, Nabais, Pereira, 2003: p.32-45). Henrique Coutinho Gouveia refere ―As preocupações sentidas na época (século XVIII) proporcionaria também aos museus um vasto campo de aplicação, servido por uma metodologia e técnicas próprias e uma acentuada repercussão nos planos científico e sócio-económico. Considera-se portanto que o período museológico oitocentista corresponde, no caso português, a uma segunda fase de evolução desse sector institucional (Gouveia, 1997: 31).

Na segunda metade do século XIX, a museologia portuguesa conheceu uma fase importante da sua história. A sociedade liberal estabelece uma ruptura com a acentuada macrocefalia das épocas anteriores, e evidencia uma nova concepção de museu enquanto centro de estudo, de inventário e catalogação de colecções. Os factores históricos, como a implantação do constitucionalismo, a extinção dos conventos e a nacionalização dos bens da igreja, bem como a adopção de novos valores culturais, promovem esta mudança, não só nas novas realizações museológicas como na natureza das colecções.

Nesta altura, os museus em Portugal afirmaram-se como espaços públicos e pedagógicos, cuja oferta cuja oferta museológica só não foi mais generosa devido à instabilidade política e cultural que o país atravessava no final do Antigo Regime. Só na museologia arqueológica e até 1893, data da criação do Museu Nacional de Arqueologia por José Leite de Vasconcelos, foram constituídos vários museus e colecções, entre os quais se destacam a do Paço da Ajuda (numismática e arqueologia), da Academia das Ciências (arqueologia, numismática e antiguidades), da Comissão Geológica (pré-história e antropologia), do Museu Arqueológico da Associação dos Arqueólogos Portugueses ou Museu do Carmo (arqueologia pré-romana, romana, portuguesa e numismática), da Casa das Moedas (numismática), do Museu da Universidade de Coimbra (numismática), do Museu do Instituto de Coimbra (arqueologia), do Museu do Bispo (em Coimbra, arqueologia religiosa), do Museu Municipal do Português, do Museu da Sociedade de Martins de Sarmento de Guimarães, do Museu Arqueológico ou Municipal de Santarém, do Museu Cenáculo em Évora, do Museu Municipal de Elvas, do Museu Arqueológico Municipal de Beja e do Museu Municipal da Figueira da Foz (Nabais, 2003: 73). ―As colecções artísticas assumiram um papel central nas preocupações museológicas d e

129 particulares (galerias de João Allen39, Pedro Daupias, Monteiro de Carvalho, Alfredo Keil, do Rei D. Luís) e do Estado (Museu Real das Belas Artes e Arqueologia, às Janelas Verdes, e Museu da Academia de Belas Artes do Porto‖ (Brigola et al, 20003). Outras importantes iniciativas museológicas de cariz artístico, histórico, arqueológico, etnográfico e científico, cuja influência se prolongou até aos nossos dias, ficaram a dever-se, entre outros, a Santos Rocha, a António Augusto Gonçalves, a Francisco Tavares Proença Júnior, à instituição militar com o Museu de Artilharia, aos Serviços Geológicos, à Sociedade de Geografia de Lisboa e sobretudo à acção teórica e pedagógica de José Leite de Vasconcelos.

No início do século XX, Portugal estava ainda longe de poder acompanhar o dinamismo cultural vivido na maior parte da Europa. Porém, a instauração da Republica em 1910 fortaleceu a intenção política de criar uma rede de museus nacionais e regionais, de acordo com uma visão pedagógica, patrimonial e artística que se queria essencialmente difusora e descentralizadora. Em Maio de 1911 é criado o primeiro decreto (Decreto nº 1 de 26 de Maio de 1911) sobre legislação relativa à institucionalização de três ―circunscrições artísticas‖ – Lisboa, Porto e Coimbra – que eram dirigidas pelos recém criados Conselhos de Arte e Arqueologia, com responsabilidade na guarda dos monumentos e na direcção dos museus nacionais e regionais. O Decreto de 1911 considerou os museus um complemento fundamental do ensino artístico e um elemento essencial do ensino geral.

O escasso número de museus em Lisboa fez com que se dividisse o Museu de Nacional de Belas Artes e Arqueologia em dois museus, o Museu Nacional de Arte Antiga, expresso no Decreto nº 1 de 26 de Maio de 1911 (o seu primeiro director foi José de Figueiredo, até 1938, sendo então substituído por João Couto), que iria permanecer nas Janelas Verdes, e o Museu Nacional de Arte Contemporânea (o seu primeiro director foi o pintor Carlos Reis), que acolheria as colecções posteriores a 1850 e que voltava ao Convento de S. Francisco, junto da Escola de Belas Artes. Este último abriu as suas portas em 1913, com um catálogo inventário que registava 142 obras. No ano seguinte, o seu director será substituído pelo pintor Columbano Bordalo Pinheiro. A República criou também o Museu Escola João de Deus, o Museu Antoniano, diversas casas-museu e o Museu da Cidade de Lisboa. A ideia de um museu de cidade

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A investigadora Maria Emilia de Oliveira Ferreira, Investigadora do Instituto de História da Arte da Universidade Nova/Casa da Cerca considera que não se deveria considerar uma galeria, mas museu.

130 d a M o n a r q u i a , m a s s e r á a p e n a s c o m a 1 ª R e p ú b l i c a q u e t o m a u m desenvolvimento concreto. A República acarinhou o projecto chegando a nomear uma comissão directiva para a instalação do museu formada por D. José Pessanha da Academia das Belas Artes, Gabriel Pereira da Associação de Arqueólogos Portugueses e Eduardo Freire de Oliveira, autor dos ―Elementos para a História do Município de Lisboa‖.

Em 1914, aquando da Exposição Olisiponense no Museu Arqueológico do Carmo, o projecto volta a ser defendido, mas após oito anos, a intenção de criar um museu de cidade continuava fragilizada pela falta de instalações adequadas. Duas outras tentativas, ocorridas entre 1931 e 1935, irão reviver o projecto. Pensado em 1909, o Museu da Cidade de Lisboa só viria a ser inaugurado em 1942, no Palácio da Mitra, sob a responsabilidade de Mário Tavares Chicó. Além dos museus referidos, a capital contemplava ainda o Museu Etnológico Português e o Museu Nacional dos Coches (criado em 1905, inaugurado a 23 de Maio pela Rainha D. Amélia e elevado à categoria de museu nacional em 1911).

A reforma da 1ª República fez com que a acção cultural e a reforma dos museus acompanhassem a evolução no ensino nos seus diferentes graus, a reestruturação de arquivos e bibliotecas e o fomento do ensino livre. A associação benemérita ―O Vintém Preventivo‖ inaugura o Museu da Revolução, instalado nas dependências do ―suprimido‖ Colégio do Quelhas. As suas colecções ocupavam cinco salas, designadas de Sala da Marinha, Sala do Exército, Sala dos Documentos, Sala do Povo e Sala Buiça e Costa.

No Porto determinava-se a criação do Museu Nacional de Soares de Reis e em Coimbra era fundado o Museu de Machado de Castro (abriu ao público a 11 de Outubro de 1913). Para além da reestruturação e da criação de novos museus, o decreto n.º 1 de 26 de Maio de 1911 ainda assinalava a importância da criação dos museus regionais. Entre 1912 e 1924 inauguram-se treze museus regionais: Aveiro (1912), Évora (1915), Faro (1915), Bragança (1915), Viseu (1916), Lamego (1917), Leiria (1917), Beja (1917), Braga (1918), Tomar (1919), Abrantes (1921), Chaves (1922) e Vila Real (1924), com colecções ligadas às artes, à arqueologia, à história e à numismática (Primo, 2007: 76). A política de descentralização preconizada pelo édito de 1911 incita a uma nova reflexão sobre o que é um museu regional, municipal e nacional. No processo de alteração dos museus, outros dois diplomas republicanos são de salientar: a já citada lei da separação do Estado e da Igreja que decretou sobre a propriedade, encargos e destino dos edifícios e bens eclesiásticos e a lei que regulou as expropriações necessárias para a instrução pública (bibliotecas e museus), bem como a salvaguarda do património artístico (monumentos históricos ou antiguidades nacionais) quando estivessem na poss e

131 de entidades que não cuidassem da sua conservação.