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Aprofundamento da caracterização de “empréstimo lexical”

Capítulo II Enquadramento teórico-metodológico de base sociolinguística

N. º Informante Sexo Idade Nível de instrução

2.5. Aprofundamento da caracterização de “empréstimo lexical”

Partindo de Haspelmath (2009:36), quando escreve que uma palavra que em algum momento da história de uma língua entrou no seu léxico como resultado de empréstimo (ou transferência, ou cópia), constitui um empréstimo lexical, damos conta, nos dois tópicos seguintes, de elementos seus caracterizadores com base em vários estudos (cf. Haspelmath 2009, Poplack e Sankoff 1984; Alves 1984 e Freitas, Ramilo e Arim 2010 – estes dois últimos, para o caso particular do português), com realce para alguns critérios de identificação e aspetos taxinómicos.

• Critérios de identificação do empréstimo lexical

Existe um conjunto de critérios que pode ajudar a identificar e definir os empréstimos lexicais, presentes no léxico de uma LA, dos quais se destacam quatro, que a seguir descrevemos sucintamente:

(i) Critério etimológico: este aspeto permite a identificação dos empréstimos pela sua relação formal e semântica com as palavras da(s) língua(s) das quais poderiam ter sido emprestadas, ou seja, dos étimos que lhes deram a origem, excluindo outras explicações. Neste caso, o estudo evolutivo dessas palavras, baseado nos métodos da Linguística histórica e comparativa, ajuda a determinar os seus étimos e até o momento do empréstimo96. Este critério garante que se tenha a certeza de que uma

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palavra é um empréstimo, quando se consegue reconhecer uma outra palavra originária correspondente na LO com a qual se identifica relacionadamente.

(ii) Critério de frequência: tem a ver com a regularidade de uso de um determinado termo de uma língua noutra. Quer dizer que quanto maior for o grau de frequência de uso de uma palavra estrangeira numa língua nativa e por mais falantes, maior será também a sua aceitação ou integração nessa língua e na comunidade de fala. Deste modo, uma palavra nova, introduzida na língua por um locutor bilingue (ou por um grupo) e que inicialmente podia parecer estranha e objeto de rejeição para os outros membros da comunidade, pode propagar-se na comunidade e ser totalmente aceite, com o tempo, se o seu uso se tornar frequente e intenso na língua de acolhimento. A sua disseminação pela comunidade garante a sua vitalidade e consequente aceitação, o que geralmente lhe confere o estatuto de um empréstimo pleno. Este facto pode ser decisivo na fixação ou duração efémera de palavras exógenas: uma palavra nova usada frequentemente pode ser sentida como parte do inventário do vocabulário da LA, enquanto outra, embora mais antiga, mas menos frequente, pode manter-se estranha e marginalizada. Por exemplo, pode haver palavras já antigas no léxico da língua que continuem a ser reconhecidas como estrangeiras (e apareçam como tal registadas nos dicionários, o que não quer dizer que todos os falantes tenham consciência de que se trata de estrangeirismo97), enquanto outras mais recentes já não são facilmente reconhecidas como tal98. A questão de saber que consciência têm os falantes do caráter vernáculo ou exógeno do léxico que utilizam dependerá, decerto, de fatores como o conhecimento das línguas estrangeiras em que os empréstimos têm origem ou com a sua formação académica, entre outros. Este aspeto não pôde ser investigado, no âmbito desta tese.

(iii) Critério da integração: trata-se da integração ortográfica, formal e gramatical das palavras estrangeiras numa língua de acolhimento. Normalmente, quando um termo emprestado já assume as formas gráfica, fonológica, morfológica e sintática

Handbook, editado por Haspelmath e Tadmor (2009), um estudo sobre a “tipologia de empréstimos

lexicais” nas diversas línguas do mundo, a partir de uma perspetiva diacrónica, através do método comparativo, baseado nos termos cognatos.

97 Ver: Dicionário de Estrangeirismos, já referido em 1.3.4, acima (nota 28).

98 Como analisado atrás, este é um dos critérios que têm servido de base para a distinção entre “empréstimo” e “code-switching”, enquanto dois resultados da mudança linguística induzida por contacto.

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típicas da LA, então pode ser considerado um empréstimo bem integrado no sistema dessa língua. Neste caso, estas palavras adaptam-se à ortografia da LA, adquirem traços fonológicos (fonemas, estrutura silábica, acentuação) e morfológicos (afixos) e funcionam como constituintes sintáticos tal como as palavras nativas da nova língua. Este critério conforma um processo em si (cf. Capítulo V), que compreende, pelo menos, três fases: transformações imediatas, transformações progressivas e integração no léxico, “correspondendo a cada fase um determinado conjunto de fenómenos fonológicos, morfológicos, semânticos, semânticos e gráficos específicos” (Freitas, Ramilo e Arim 2010:147-157)99.

(iv) Critério de sinonímia: traduz-se na possibilidade de as palavras emprestadas estabelecerem relações de sinonímia com as palavras vernáculas. Considera-se que, se um termo exógeno puder ser usado como equivalente do termo endógeno para o mesmo conceito, pode considerar-se, então, que ele assumiu o papel do último no léxico da LA e, com isso, classifica-se como empréstimo. A sinonímia é descrita como um dos elementos motivadores de empréstimos lexicais.

Convém sublinhar, por último, que o tratamento dos empréstimos em estudo se situa globalmente na sincronia, excluindo os aspetos da diacronia, embora reconheçamos que este material lexical é um produto da evolução histórica da língua (Haugen 1950b:227). Interessa-nos olhar simplesmente para a realidade atual do uso desses itens lexicais, enquadrada num determinado contexto sociolinguístico, depois de um processo gradual até à sua incorporação / nativização plena no POL.

• Taxonomia de empréstimo como produto lexical do contacto linguístico Conforme reconhecido no ponto anterior, um dos aspetos a considerar no estudo do empréstimo lexical tem a ver com a necessidade de determinar a natureza e a especificidade do material emprestado. Devido a divergências que acompanham a própria questão do contacto linguístico, é natural que haja interpretações diversas sobre a classificação e caracterização dos produtos dele resultantes. De facto, o estudo dos empréstimos lexicais requer uma taxonomia, cuja estrutura permita classificar

99 A abordagem desses autores focaliza o percurso de integração dos empréstimos (designados genericamente por “estrangeirismos”) no PE. Ver também Alves (1984), que discute uma série de critérios de “integração dos neologismos por empréstimo ao léxico do PB”.

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convenientemente esse tipo de palavras, evitando a tentação de considerar todo o “material estranho” como empréstimo lexical.

A preocupação de estabelecer um quadro coerente para a classificação dos empréstimos lexicais é antiga, destacando-se os trabalhos de Haugen (1950a, 1950b, 1953), servindo de referência para muitos linguistas. Esta classificação, já referida em 2.2.1, baseia-se na presença ou ausência de elementos linguísticos (fonológicos ou morfológicos) de outra língua, conformados nos processos de “importação” e “substituição”. Importação refere-se à adoção de uma forma exógena e/ou o seu significado, enquanto substituição consiste na troca de sons ou constituintes morfológicos (morfemas, no texto original) nativos pelos do modelo da língua doadora.

Sublinhamos que existem outras classificações, em função da especificidade do material em análise, que depende muito das línguas envolvidas e do foco de abordagem. Vejam-se, por exemplo, a classificação feita em Li e Lee (2006:771), com base em Honna (1995) e Loveday (1996), sobre os sete tipos básicos de padrões de empréstimos do japonês; ou o trabalho de Walter (2006:103-105), que define a tipologia de empréstimos em francês, que depois serve de referência a Karaağaç (2009) para estudar os tipos de empréstimo desta língua no turco.

Tentando analisar o material empírico da tese numa possível taxonomia de empréstimos, partimos da proposta de Winford (2005:42-46), resumida na sua Tabela 2.3, aqui retomada como Tabela 12, uma vez adaptada ao caso concreto do POL, e com exemplos do nosso corpus. É uma taxonomia concebida no âmbito de uma classificação geral do material lexical emprestado, resultante de diversos processos de contacto linguístico, e que o autor designa globalmente como “classificação dos fenómenos de contacto lexical” (classification of lexical contact phenomena, no original100). O autor, seguindo a perspetiva de Haugen, estabelece duas grandes categorias nessa classificação: (i) os empréstimos, no sentido amplo (borrowings) e (ii) as criações nativas (native creations). A primeira categoria abarca o material que envolve a presença de algum elemento ou traço da língua doadora, enquanto a segunda implica elementos inteiramente nativos/da língua destinatária, sem contrapartida na língua doadora, ou à combinação de

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elementos nativos e elementos exógenos. Cada uma dessas categorias subdivide-se ainda em diferentes subcategorias101.

No que se refere aos exemplos que inserimos na tabela, em função das diferentes subcategorias e respetivos processos, apoiamo-nos no pressuposto de que há uma língua doadora, uma das LBA, e uma outra que é destinatária, o português (correspondente à língua nativa, em Winford, e que não é o nosso caso), a partir da qual calculámos os empréstimos. Consideramos, portanto, que os elementos não portugueses são exógenos.

Tabela 12: Classificação dos produtos lexicais do contacto linguístico no POL

Tipos Processos envolvidos Exemplos

I. Empréstimos (borrowings) – modelados na língua doadora A. Empréstimos lexicais (loanwords)