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Capítulo II Enquadramento teórico-metodológico de base sociolinguística

IV. van Coetsem (1988)

2.3. Metodologia sociolinguística: constituição da amostra, recolha de dados e tipos de análise

2.3.4. As opções metodológicas adotadas nesta tese

O nosso trabalho inscreve-se numa abordagem que combina a análise qualitativa com a quantitativa, como na maioria dos trabalhos em Sociolinguística. A abordagem qualitativa aplica-se concretamente à fase da recolha dos dados empíricos, sobretudo na caracterização do perfil dos informantes (2.3.4.3), à interpretação dos dados (2.3.7) e à análise dos aspetos referentes à “integração morfológica dos empréstimos” (Capítulo V). Quanto à abordagem quantitativa, ela incidiu sobre algumas questões relativamente às quais usámos fatores linguísticos, tomados como variáveis (2.4).

A opção pela combinação destes dois tipos de enfoque radica na própria transversalidade metodológica da Linguística de contacto, apoiada em variados métodos, e na natureza da nossa investigação, como já referido. Pensamos, portanto, que o uso deste conjunto de estratégias metodológicas corresponde à especificidade do nosso trabalho, permitindo-nos tratar, de forma coerente, as questões que o tema levanta. Na verdade, tal como sustenta Caws (1989:26, apud Nzau 2011:131), os métodos qualitativos e quantitativos não dividem um território, ambos o cobrem. Significa isto que não constitui perigo algum ou erro metodológico articular diferentes perspetivas metodológicas, numa investigação científica; na ótica de Nzau (2011:131), o acesso ao conhecimento e a sua representação não pode residir numa separação absoluta entre o que se considera ser do âmbito da quantidade e do âmbito da qualidade.

77 Cf. Bijeikienė e Tamošiūnaitė (2013), Labov (1972c; 1984; 2001b), Milroy e Gordon (2003), Moreno- Fernández (1990), Tagliamonte (2006), Tarallo (1986) e Wardhaugh (2006).

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2.3.4.1. Recolha dos dados empíricos

Cientes de que a recolha de dados é uma das fases cruciais de qualquer investigação que se apoie em material empírico, sabemos, por experiência, que é uma tarefa complexa e um desafio obter dados que satisfaçam totalmente as exigências da investigação.

Um grande desafio foi realmente decidir a forma de obter esses mesmos dados, começando pela identificação da comunidade de fala/grupo social, ou seja, a população ou o público-alvo78 a investigar, em geral, e dos informantes, em particular, tomados

como uma parte desta totalidade, e acabando na determinação dos métodos, atendendo ao facto de nos situarmos numa cidade grande e densamente povoada. Face a esta preocupação, seguimos a orientação de Sankoff (1974, apud Tagliamonte 2006:17-18), que aconselha que um investigador deve tomar, pelo menos, três decisões básicas na recolha de “bons dados”: escolher que tipo e que quantidade de dados recolher e como estratificar a amostra79. Tentámos, assim, adequar tanto quanto possível o nosso trabalho

a esses princípios reguladores da qualidade.

No âmbito da nossa tese, optámos apenas por um tipo de dados, orais e captados em áudio, em ambiente de entrevista, seguindo nós um guião previamente preparado, mas deixando os informantes desenvolverem um ou outro tópico, dentro dos limites de um tempo controlado. Conforme o desenho da amostra, estes dados resultam num corpus constituído por 36 entrevistas, feitas em Luanda, em 2012 e 2013. A partir do referido corpus, selecionámos 255 empréstimos lexicais bantos, presentes no POL (cf. o Anexo 1, mais abaixo). São estes dados que constituem o material empírico principal que suporta a abordagem dos factos linguísticos em estudo.

Os referidos dados resultaram, assim, de um conjunto de produções de fala real e espontânea, obtidos em contextos naturais e não formais. Este facto aproxima-os ao vernáculo, o estilo de fala tradicionalmente considerado como referência em análises sociolinguísticas. Como um dos nossos propósitos consistiu em verificar o uso natural dos empréstimos bantos no POL, o recurso à entrevista permitiu-nos conduzir os nossos informantes a esta meta, quer pelo controlo da elicitação dessas unidades lexicais quer pela sua ocorrência espontânea, em diferentes contextos discursivos.

78 O termo “população-alvo”, de acordo com Rasinger (2008:45, apud Bijeikienė e Tamošiūnaitė 2013:45- 46), pode ser definido como um grupo de pessoas que interessam, em geral, numa pesquisa.

79 Ver a noção de “dados bons” (good data), em Sankoff (1974:21-2, apud Tagliamonte 2006:16-17) e Milroy e Gordon (2003:49).

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2.3.4.2. Luanda como comunidade de fala investigada

Naturalmente, a comunidade de fala ou o grupo social selecionado para o estudo condiciona as estratégias e os procedimentos a aplicar; entre eles, a determinação do número dos informantes e a sua seleção. Como já referido, Luanda é o nosso locus de pesquisa, uma comunidade urbana com uma grande estratificação social, marcada pela representação de todos os estratos sociais da população. Esta cidade constitui o centro do poder e das decisões políticas e económicas; concentra o maior número de instituições de ensino e educação formais; concentra também grande parte dos media; constitui o palco de intensas atividades culturais, configurando-se como um ponto de confluência de diferentes povos e culturas (3.3.2).

Como é óbvio, o meio social é bastante determinante para os factos de variação linguística, que são geralmente resultantes da pressão dos falantes sobre a língua. Então, podemos depreender que, “sendo produto de um comportamento social e cultural imbricado, a língua sofre variações de acordo com o meio onde está inserida” (Vanin 2009:147)80. De facto, o POL é um produto da realidade sociocultural luandense,

proporcionando fenómenos interessantes para o estudo sociolinguístico.

Apesar da diversidade etnolinguística e cultural, bastante notória, a comunidade urbana luandense ainda conserva a sua matriz socioantropológica, que se revela através da perpetuação de alguns hábitos e costumes dos axiluandas e do modo de vida urbano das elites negras luandenses, formadas ainda na época colonial e reforçadas com a independência. O conceito de cidade/comunidade urbana não se aplica apenas à zona tradicionalmente urbana, atual município de Luanda, mas abrange também as zonas periféricas, os musseques (cf. a divisão político-administrativa da província de Luanda, apresentada em 3.3.1; e ainda o Mapa 5).

Linguisticamente, o Kimbundu continua a ser a língua banta dessa região, independentemente de a sua vitalidade poder estar em diminuição, juntando-se-lhe o português, falado por quase toda a população dessa cidade (3.3.2.1). Todos esses fatores permitem definir uma identidade coletiva, cujos laços de solidariedade são estabelecidos através de práticas sociolinguísticas e culturais. Este ambiente heterogéneo pode conformar uma macrorrede social, com microrredes diversas, nas quais se compartilham

80 Ver 2.1.1 e 2.1.2, sobre a relevância da “comunidade de fala” na investigação sociolinguística, enquanto espaço de recolha do “vernáculo”.

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atitudes linguísticas comuns, como, por exemplo, o apreço pela presença de empréstimos na subvariedade do português falado nessa urbe.

2.3.4.3. Técnica de amostragem utilizada e o perfil social dos informantes

Para o nosso trabalho, optámos pela técnica de “amostragem aleatória estratificada ou quase-aleatória” (Tagliamonte 2006:23). Resultante da modificação ou evolução da “amostragem aleatória”, tornada inadequada em situações complexas, a amostragem aleatória estratificada passou a constituir um instrumento mais útil para a representatividade da amostra, assegurando a extrapolação dos resultados obtidos na análise da amostra para toda a população81.

Quanto à dimensão da amostra e à estratificação dos informantes, considerámos que 36 informantes, com uma distribuição equilibrada por faixa etária, nível de instrução e sexo, seriam adequados. A nossa amostra é, assim, equilibrada e representativa das variáveis sociais tomadas como principal referência, as que têm sido utilizadas nomeadamente em trabalhos sobre o português falado em África (cf. Brandão e Vieira 2012a; 2012b; Inverno 2009b; Mota 2015, por exemplo), por se revelarem as mais relevantes na análise.

A localização da maior parte dos informantes e o contacto com os mesmos foram feitos através da indicação de pessoas conhecidas, como colegas de trabalho e nossos alunos, a quem pedíamos que nos indicassem pessoas disponíveis para a entrevista. Nalguns casos, foram até esses nossos conhecidos que combinaram o lugar, a hora e as condições das entrevistas, em diferentes pontos da cidade de Luanda. Quando chegávamos, já os nossos interlocutores estavam de acordo para realizar uma conversa, sem saberem, contudo, qual a sua finalidade concreta. Consideremos a tabela seguinte, que traduz o desenho amostral básico concebido para a nossa tese (as siglas em cada célula correspondem à identificação dos informantes, como forma de assegurar o anonimato dos mesmos, um procedimento recomendado em trabalhos desse género), remetendo-se, desde já, para a Tabela 2, abaixo, que completa a informação:

81 Para a compreensão da amostragem aleatória e outros tipos, ver Sankoff (1980a), Milroy e Gordon (2003), Sousa e Baptista (2011) e Bijeikienė e Tamošiūnaitė (2013).

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Tabela 1: A nossa amostra – distribuição dos informantes por variáveis sociais

Faixa etária Nível de instrução 1 analfabeto/primária 2 ensino secundário 3 ensino médio-superior / superior

homem mulher homem mulher homem mulher

A 18-25

E0O AAB A0F FSP ACB AV

DFC I0G JPS MCQ EP ABI

B 26-45

JXM D0F B0S DFA C0T CBT

BMA MEJ SAK MAC M0C M0A

C 46>

AAF CDS G0N AGH C0V EMC

A0E A0J J0C ASM JPM CMS

Embora alguns autores recomendem seis informantes por cada subgrupo (ou seja, seis informantes por faixa etária e por nível de instrução, três de cada sexo), consideramos que quatro integrantes, como acontece em muitos trabalhos que consultámos, são um número adequado aos nossos propósitos. Na verdade, foram efetuadas mais entrevistas, mas algumas delas não puderam ser aproveitadas ou por o informante se limitar a respostas demasiado breves e não responder, assim, aos objetivos, ou por as condições acústicas serem más. Das leituras feitas, podemos inferir que não existem valores rigorosamente definidos para o efeito, dependo da dimensão ou complexidade de cada projeto e dos recursos disponíveis para a execução da tarefa em causa. Na verdade, as amostras para estudos linguísticos tendem a ser muito menores do que as encontradas em outros tipos de pesquisas; as amostras muito grandes parecem não ser mais fiáveis, de acordo com diversos autores, entre os quais o próprio Labov (Labov 1966:180-181; Sankoff 1980a:51-52; Milroy e Gordon 2003:38-39; Tagliamonte 2006:32-33).

O perfil social dos falantes corresponde a um conjunto de traços que ajudam a caracterizá-los de acordo com os fatores sociais definidos no “desenho da amostra”, ilustrado na Tabela 1. Para tal, concebemos uma ficha sociológica, integrada no guião da entrevista (cf. tabela do Anexo 2). A ficha não foi aplicada explicitamente – por exemplo, preenchida previamente pelos informantes ou pelo entrevistador –, mas foi completada por nós a partir das informações obtidas no decurso das entrevistas: procurámos obter, com naturalidade, os dados respetivos a cada item82.

82 Por razões de delimitação do presente trabalho, importa referir que nem todos os elementos constantes desse documento foram explorados, podendo vir a sê-lo em trabalho posterior.

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Na prática, esse instrumento serviu-nos de ponto de partida para a realização da entrevista, fornecendo-nos informações úteis para um conhecimento prévio dos nossos informantes e para, de algum modo, adequar a condução da entrevista. Os resultados da sua aplicação podem ser aferidos resumidamente nos dados da tabela seguinte:

Tabela 2: Perfil dos informantes

N.º Informante Sexo Idade Nível de