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Realização das entrevistas: estratégias e procedimentos

Capítulo II Enquadramento teórico-metodológico de base sociolinguística

N. º Informante Sexo Idade Nível de instrução

2.3.4.4. Técnica de recolha de dados utilizada: a entrevista sociolinguística

2.3.4.4.2. Realização das entrevistas: estratégias e procedimentos

A efetivação das entrevistas foi uma tarefa muito complexa de executar, daí que tenha exigido determinadas estratégias e procedimentos adequados a cada situação. Assim, a nossa atitude inicial pautou-se pela observância de alguns procedimentos básicos orientados para situações de entrevista, em geral (cf. Sousa e Baptista 2011:84- 85), e de entrevista linguística e/ou sociolinguística, particularmente (Margetts e Margetts 2012:14-15, para além das obras citadas nas notas 73 e 74, acima).

As entrevistas realizaram-se numa interação direta, ou seja, numa “interação diádica” (Milroy e Gordon 2003:61-62), por envolver o entrevistador e o entrevistado, cada um com o seu papel bem definido, cabendo ao primeiro fazer as perguntas e suscitar a produção e ao segundo responder a estas mesmas perguntas ou reagir a estímulos do entrevistador, dentro de um “princípio cooperativo”. Como dissemos anteriormente, os locais e as horas das entrevistas foram sempre combinados previamente, com ajuda de pessoas conhecidas do entrevistador e dos informantes.

As entrevistas começaram com questões sobre os dados sociológicos dos informantes e foram progredindo para aspetos mais relevantes do ponto de vista do objetivo linguístico, tal como projetado no guião e conforme é aconselhado (Tagliamonte 2006:39). Tentámos mostrar-nos bem integrados no ambiente onde decorria cada entrevista, visando a criação de uma cooperação entre entrevistado e entrevistador que favorecesse a descontração do entrevistado, salvaguardando, contudo, a sua privacidade. De seguida, adotámos os seguintes os procedimentos com base em Sousa e Baptista (2011:84-85): esclarecimento dos objetivos da entrevista (claro que fora do âmbito linguístico, pondo a tónica em hábitos culturais), garantindo confidencialidade quanto à identificação do entrevistado; sensibilizámos o informante sobre a relevância dessa mesma entrevista, cujos resultados desejados dependiam muito da sua colaboração; procurámos mostrar compreensão e simpatia pelo entrevistado; usámos um tom informal, de conversa, procurando reduzir a carga de formalidade que poderia existir entre pessoas desconhecidas até ao momento.

A condução da entrevista requer muita atenção e habilidade do entrevistador, pois, à medida que se vai avançando, podem ir surgindo dificuldades imprevistas, como, por exemplo, a desatenção, o desinteresse, o desvio dos objetivos, a fadiga dos informantes, ou mesmo a complexidade e a sensibilidade das questões colocadas que podem embaraçar

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o interlocutor. Para debelar tais situações, são aconselhadas estratégias que têm a ver com a necessidade de adequação das perguntas em função da especificidade de cada comunidade de fala ou de cada informante, atendendo a situações socioculturais específicas (Tagliamonte 2006:40). Embora se reconheça a utilidade de temas sensíveis ou tabus, com certa carga emocional, para incentivar os informantes ou tornar a entrevista mais natural (como referido em 2.1.1), aconselha-se maior atenção ou cautela na formulação das questões sobre tais temas ou até evitá-las, segundo Vaux e Cooper (2003:40) e Tagliamonte (2006:42); na prática, podem em geral abordar-se, desde que se conheça o contexto sociocultural, mas nem sempre com sucesso. Por exemplo, no nosso trabalho de campo, deparámo-nos com a seguinte situação: uma informante, moradora da ilha de Luanda, recusou-se a falar de rituais tradicionais daquela comunidade, referentes a kianda (‘sereia’), por não ser da sua competência e por professar a fé cristã. Todavia, a mesma senhora empolgou-se com a conversa sobre o carnaval, os bailes antigos e as mulheres bessanganas, a ponto de pedir que fosse fotografada, uma vez vestida como tal. Perante esse tipo de dificuldades, fomos incentivando os nossos interlocutores, ao longo da entrevista, quer introduzindo algumas questões até certo ponto sensíveis, mas familiares e de interesse dos informantes, quer usando a elicitação, intervindo em algumas respostas para procurar conduzi-los aos resultados preconizados, quer ainda recorrendo a questões de resposta direta. Com efeito, em muitos casos, os empréstimos foram surgindo espontaneamente, ao longo da conversa, enquanto noutros casos, foi preciso redirecionar os informantes para os objetivos. Por exemplo, algumas vezes, tivemos que dar algumas explicações sobre determinado assunto, só para motivar o informante e permitir a progressão da conversa, o que, reconhecemos, resultou em interferência exagerada do entrevistador no discurso do entrevistado. Este é um aspeto negativo em algumas dessas entrevistas; aconselha-se, de facto, que se deve evitar influenciar as respostas dos informantes, mesmo que seja pela entoação ou pelo destaque das palavras produzidas pelo entrevistador (Milroy e Gordon 2003:84).

Um aspeto importante a considerar na entrevista tem a ver com a gestão de tempo. Deve sempre informar-se o entrevistado do tempo previsto para a realização da entrevista (Sousa e Baptista 2011:85), procurando adaptar-se ao tema e aos objetivos da investigação. Para autores como Milroy e Gordon (2003:58) e Bowern (2008:44), por exemplo, dados fonológicos podem ser obtidos num curto espaço de tempo, ao contrário de questões sintáticas, que exigem maiores quantidades de dados e obviamente mais

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tempo. Este aspeto fica evidente no presente trabalho: a obtenção de dados lexicais requerer entrevistas extensas, já que nem sempre é fácil obter dos informantes itens relevantes para o estudo. Existem, nas nossas entrevistas, partes bastante longas sem a produção de nenhum empréstimo e houve entrevistas completas que foram descartadas por não nos terem fornecido um número razoável do material pretendido.

Independentemente das circunstâncias diversas ou das diferentes vicissitudes registadas no decurso das entrevistas, todas terminaram num clima descontraído e de cordialidade. Este aspeto é notório a partir do último tópico do guião, que é a “conclusão” da entrevista, no qual pedíamos que o informante enviasse “uma mensagem final aos luandenses”. Com este procedimento, queríamos também que o nosso entrevistado pudesse dar-nos livremente qualquer outra informação, útil ao trabalho, que não tivesse tido oportunidade de fornecer ao longo da entrevista86.

Quanto à qualidade do material por nós recolhido, cremos que esses dados podem ser considerados, na sua globalidade, como linguisticamente bons, pela sua qualidade e quantidade, satisfazendo os objetivos preconizados, apesar do número reduzido de empréstimos verificado em certas entrevistas. Tecnicamente, apesar de alguns ruídos e interferência de vozes, as entrevistas são de bastante qualidade, no geral. Há que lamentar, contudo, algumas insuficiências técnicas, como a baixa audibilidade de alguns trechos, e o facto de ruídos do exterior e interferência de vozes estranhas nos terem obrigado, por vezes, a desligar o gravador, criando-se um lapso na sequência da conversa. Nota-se também alguma discrepância no tempo das entrevistas, cuja duração foi ditada pela dinâmica da própria conversa, sendo algumas mais longas e outras mais curtas. Algumas dificuldades no contacto com alguns informantes foram também inconvenientes. Esses aspetos devem-se principalmente aos ambientes pouco propícios onde as entrevistas foram realizadas e também a certa inexperiência da nossa parte nesse tipo de atividades de campo, uma dificuldade que fomos superando, à medida que íamos avançando com o trabalho. O investigador tem que refinar ou aprimorar continuamente as técnicas e as estratégias que utiliza, ao longo do processo da recolha de dados, como o nosso desempenho demonstrou.

86 Recomenda-se que se “deve terminar a entrevista como se começou, num ambiente de cordialidade, caso seja necessário voltar e obter novos dados” (Sousa e Baptista 2011:85).

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Recolhidos para que servissem de material empírico no tratamento da integração morfológica e fonológica dos empréstimos lexicais bantos na subvariedade do português em estudo, gravámos as entrevistas em áudio, com o recurso de um gravador áudio digital. Na verdade, do ponto de vista técnico, a definição do tipo de gravador e outros equipamentos de suporte a usar, como os microfones, auriculares e os softwares, deve constituir uma das prioridades básicas da agenda do investigador. No nosso trabalho, optámos pelo gravador do tipo já referido como principal instrumento nas gravações. Trata-se de um aparelho de marca Phillips Voice Tracer, gentilmente cedido pelo CLUL. Em termos técnicos, é caracterizado como um “gravador de estado sólido” (solid state recorders) e considerado como um aparelho áudio de alta resolução, aconselhado neste tipo de pesquisa, por poder armazenar na memória interna grandes quantidades de dados (Margetts e Margetts 2012:7-8). Equipado de um microfone interno, de alta precisão, admite também a incorporação de um “microfone de cabeça” (head-mounted microphon) e outro de lapela, ajustável às condições de cada informante. Os auriculares ou fones de ouvido foram o outro equipamento acessório, diretamente incorporados ao gravador, e usados no final de cada entrevista, para aferir a qualidade do material, e nas transcrições.

Para a conservação do material, as gravações foram transferidas para um PC, descarregadas em ficheiros áudio de formato digital DVT. Estes mesmos ficheiros, configurados para passar no sistema de som MP3 player, foram utilizados para a realização das transcrições (em ficheiros do tipo Word).

Por último, interessa referir que, tal como em outros campos de investigação científica que envolvem seres humanos, em Linguística também são observados determinados princípios éticos e procedimentos legais nas gravações. Ou seja, o investigador precisa de respeitar determinados critérios que não atentem contra os interesses da comunidade e/ou dos entrevistados, na recolha de dados sociolinguísticos. Este procedimento resume-se na necessidade de o projeto ser reconhecido ou autorizado por uma instituição competente e que a realização das entrevistas tenha o consentimento dos informantes87. No nosso caso, o projeto é reconhecido pelas instituições às quais estou

87 Para uma abordagem aprofundada das questões éticas nas investigações linguísticas, ver concretamente os trabalhos de Bijeikienė e Tamošiūnaitė (2013), Bowern (2008), Freitas (2010), Labov (1984), Meyerhoff (2006), Milroy e Gordon (2003), Tagliamonte (2006). Ainda a respeito desse aspeto, segundo Milroy e Gordon (2003:79) e Bowern (2008:148), em vários países, muitas instituições universitárias e de investigação dispõem de comissões de ética ou estabelecem diretrizes próprias que orientam os pesquisadores que trabalham em qualquer campo com seres humanos. Nos E.U.A, existe, por exemplo, o IRB – Institutional Review Board (Conselho de Revisão Institucional) –, ao qual se devem subter as

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vinculado, concretamente a FLUL, enquanto estudante, e o ISCED de Luanda, como docente; esta entidade autorizou a frequência do referido curso e a essa condição junta-se o beneplácito das instituições promotoras e financiadoras da formação, respetivamente os Ministérios da Educação e de Ensino Superior de Angola, no âmbito do “Projeto Intersetorial sobre o Acordo Ortográfico”. No terreno, todas as entrevistas tiveram a permissão dos informantes e não nos foi necessário exibir qualquer documento que legitimasse a nossa ação, já que contámos sempre com o apoio de algum intermediário, como explicado acima.