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Capítulo II Enquadramento teórico-metodológico de base sociolinguística

IV. van Coetsem (1988)

2.3. Metodologia sociolinguística: constituição da amostra, recolha de dados e tipos de análise

2.3.2. Metodologia de recolha de dados linguísticos

A recolha de dados linguísticos é uma das três fases do trabalho sociolinguístico, juntamente com o processamento e análise dos mesmos. Esta tarefa exige a tomada de decisões sobre o tipo de dados a recolher e as ferramentas a aplicar. A qualidade dos dados depende fortemente da forma como são recolhidos e a qualidade da análise que sobre eles é depois feita depende em idêntico grau de decisões prévias quanto àquilo que se pretende estudar. Ou seja, para que o investigador tenha um material adequado aos seus objetivos, precisa de prever que tipo de população selecionar e que tipo de metodologia usar para a obtenção do material linguístico. Assim, é recomendado que o ponto de partida passe pela realização de uma recolha-amostra, a fim de serem refinadas as opções finais (Milroy e Gordon 2003:24; Tagliamonte 2006:17).

A observação direta da língua falada, usada em situações naturais de interação social, face a face, afigura-se como um método transversal, um marco inicial, a partir do qual se concebem, depois, os recursos metodológicos para cada fase do trabalho, em função do tipo de investigação, ou qualitativa ou quantitativa (2.3.3).A opção por um determinado método e respetivas técnicas de aplicação depende muito dos objetivos da investigação e das condições para a sua realização. Conforme afirma Silva-Corvalán (1989, apud Martínez 2008:230):

la investigación sociolingüística se inicia con un proceso previo de observación de la comunidad y formulación de la hipótesis. Y es durante ese proceso durante el cual, a tenor de los resultados mismos de esa observación y en función de la hipótesis que se pretende investigar, deben considerarse aspectos metodológicos como las técnicas empleadas en el

72 Estes elementos constituem as chamadas “variáveis sociais, externas ou não linguísticas”. Sobre este aspeto, ver a subsecção 2.4, mais abaixo, no âmbito da análise dos resultados do nosso corpus.

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estudio, así como considerar qué variables cuentan a priori con incidencia en la hipótesis de trabajo, y cuál ha de ser el tamaño de la muestra.

Os estudos sociolinguísticos podem recorrer a diferentes técnicas de recolha de dados, umas mais ‘clássicas’ e menos específicas da Sociolinguística contemporânea do que outras. Antes de as referir, veja-se um excerto do posicionamento de Labov (1972d) relativamente às diferentes possibilidades:

We might approach the various methods available to linguistics by looking at the activity of the linguists themselves, according to where they can be found. In this search, we would find linguists working in the library, the bush, the closet, the laboratory, and the street, and might so name each sub-division of the discipline.

But (…) we will take a different approach and examine the raw materials gathered by each variety of linguistics, distinguishing each linguist by his product: texts, elicitations,

intuitions, experiments, and observations (p. 99). (…) But the observation of natural speech

is in fact the most difficult of all the methods discussed so far (p. 108).

Vejam-se, então, as diferentes abordagens metodológicas:

(i) A observação participante é uma das técnicas da pesquisa etnográfica que consiste na participação do investigador, envolvendo-se diretamente nas questões da comunidade, no local de recolha de dados.

(ii) A análise documental é uma técnica que envolve a recolha de dados em documentos em papel ou em suporte digital, para informações novas ou para complementar a investigação.

(iii) A entrevista sociolinguística (cf. 2.3.4.4, dada a sua relevância neste trabalho) é uma das técnicas básicas e tradicionais que os sociolinguistas usam na recolha de dados empíricos e traduz-se essencialmente numa interação direta entre o investigador e o informante, num local familiar ao entrevistado e com o mínimo de pressão possível73.

73 Para mais detalhes sobre cada uma dessas técnicas, considerem-se os seguintes trabalhos, sendo as referências metodológicas, nas quais nos apoiámos genericamente: Bijeikienė e Tamošiūnaitė (2013), Briggs (2005), Eckert (1998), Labov (1984, 2001b), Marconi e Lakatos (2003), Martínez (2008), Milroy e Gordon (2003), Nzau (2011), Silveira e Córdova (2009), Sousa e Baptista (2011) e Tagliamonte (2006).

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A entrevista é um instrumento de trabalho no campo das ciências sociais em geral, como na Antropologia, na Dialetologia e na Sociologia, constituindo uma das técnicas tradicionais e mais comuns de recolha de dados sociolinguísticos, sendo uma ferramenta poderosa de recolha de dados em casos de amostras pequenas. Trata-se de um método ou técnica de recolha de informações através de conversas orais entre o entrevistador e o(s) entrevistado(s), sobre um determinado assunto. Para os sociolinguistas, este instrumento permite a recolha de dados da fala natural e espontânea (o vernáculo), considerados o material empírico autêntico ou original, cuja finalidade é a composição de um banco de dados para estudos sociolinguísticos. E cremos que é aqui que radica a própria designação de “entrevista sociolinguística”74.

No universo de diferentes propostas tipológicas, há basicamente três tipos de entrevista: (a) a entrevista não estruturada, também considerada informal, é aquela que não tem um guião e permite muita liberdade tanto nas perguntas do entrevistador como nas respostas do entrevistado, podendo decorrer dentro de uma conversa de estilo informal; (b) a entrevista semiestruturada, que dispõe de um guião, no qual se estruturam os tópicos ou as perguntas; permite certa liberdade do entrevistado, mas não favorece grande distanciamento do guião, dos marcos definidos pelo entrevistador; e (c) a entrevista estruturada, também classificada como formal: dispõe de um guião e centra-se exclusivamente na abordagem de temas ou nas respostas às perguntas previamente definidas, em conformidade com os objetivos traçados.

Apesar de já usada noutras áreas de investigação, foi o próprio Labov o primeiro a aplicar este tipo de entrevista em Sociolinguística, nos seus trabalhos clássicos sobre a variação linguística (Briggs 2005:1053), considerando-a como “uma estratégia bem desenvolvida” em torno de objetivos precisos (Labov 1984:32-33) e como “a base das nossas investigações, já que só através delas controlamos o essencial da fala e as estruturas complexas de que precisamos para o estudo da gramática” (Labov 1972d:115). A entrevista sociolinguística tem, no entanto, algumas desvantagens ou limitações, conforme apontado por vários autores (Milroy e Gordon 2003:67-68; Briggs 2005:1056;

74 Sobre os aspetos aqui referidos, ver, por exemplo, Briggs (2005:1052ss.), Coelho et al. (2012:116), Gerhardt, Ramos, Riquinho e Santos (2009:72), Marconi e Lakatos (2003:195), Martínez (2008:234), Milroy e Gordon (2005:57), Nzau (2011:133), Sousa e Baptista (2011:79) e Tagliamonte (2006:37). Note- se que a entrevista sociolinguística conhece variantes: por exemplo, podem ser feitas entrevistas a múltiplos sujeitos, permitindo a sua interação; também podem envolver-se vários investigadores; e ainda podem fazer-se entrevistas telefonicamente, etc. (Milroy e Gordon 2003:57).

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Martínez 2008:231)75. Interessa destacar a questão do paradoxo do observador, uma vez

que a presença do pesquisador pode diminuir a fluidez da fala espontânea, conduzindo a alguma formalidade do discurso dos entrevistados ou ao evitamento de certas variantes estigmatizadas e assim reduzir a possibilidade de obtenção do vernáculo. Note-se que nem mesmo a entrevista informal é capaz de evitar totalmente certas limitações, mas estas ineficiências podem ser supridas com recurso a outras técnicas complementares, como a observação participante (Milroy e Gordon 2003:68) e outras, numa perspetiva de triangulação metodológica.

(iv) O inquérito, adequado para recolher informações vastas sobre um determinado assunto, através de perguntas orais ou escritas feitas a um conjunto de indivíduos selecionados para o efeito, é uma das técnicas amplamente utilizadas na Dialetologia e pelos investigadores sociais76 . O inquérito pode ser fechado ou

aberto; no primeiro caso, quem o aplica segue rigorosamente um guião preparado; no segundo, segue maioritariamente esse guião, mas deixa o informante muito mais livre, favorecendo assim a produção espontânea e intervindo apenas na exata medida – é claramente este o método que melhor corresponde ao objetivo da obtenção do vernáculo, embora não traduza cabalmente um contexto de fala real.De acordo com alguns autores, o inquérito sociolinguístico constitui uma das técnicas valiosas de recolha de dados para o estudo da variação linguística e de outros fenómenos sociais da linguagem, como, por exemplo, as atitudes linguísticas. O inquérito escrito, com génese nos métodos das investigações antropológicas, dialetológicas e etnográficas, pode ser usado como complemento ou contraparte nos estudos variacionistas centrados nos dados orais.

Por fim, note-se que, para a obtenção do vernáculo, importa que o investigador tenha alguns cuidados – nomeadamente, motivar a produção do informante, guiando-o de forma subtil e dando-lhe a palavra o máximo de tempo; realizar a gravação num ambiente confortável para o informante (em geral, os primeiros minutos de gravação são considerados não muito relevantes, dada a previsão de um natural estado de emoção do informante), tentando não dar um lugar de destaque à aparelhagem de captação sonora.

75 Note-se que, em Briggs (2005), a limitação da entrevista sociolinguística reflete-se essencialmente na abordagem crítica que se faz sobre a questão da interação entre o entrevistador e o entrevistado, considerando-se que há um maior protagonismo de um em relação ao outro.

76 Remete-se para Milroy e Gordon (2003:51ss.), Tagliamonte (2006:20), Sousa e Baptista (2011:89-90) e Bijeikienė e Tamošiūnaitė (2013:48).

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