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Capítulo III Situação sociolinguística de Angola

IV. Grupo de descendentes de Europeus

3.1. As línguas bantas de Angola

As línguas bantas de Angola (LBA) fazem parte de um grupo muito mais vasto que engloba cerca de 600 línguas africanas, pertencentes à subfamília das línguas Benue- Congo, do ramo das línguas Níger-Congo, que faz, por sua vez, parte da grande família das línguas africanas Congo-Cordofânia, partilhando o espaço com línguas de outras famílias faladas neste continente (cf. Mapa 3, no início deste trabalho).

As línguas bantas são faladas numa extensa zona da África subsariana, que vai do sul dos Camarões ao sul do continente, num conjunto de cerca de 22 países: África do Sul, Angola, Botswana, Burundi, Camarões (sul), Comores, Congo, Gabão, Guiné Equatorial, Lesoto, Malawi, Moçambique, Namíbia, Quénia, RCA, RDC, Ruanda, Suazilândia (atualmente, eSwatini), Tanzânia, Uganda, Zâmbia e Zimbábwe (com algumas comunidades na Somália e Sudão). É, portanto, um dos grupos linguísticos mais numerosos, com cerca de 220 a 240 milhões de falantes (Ngunga 2004:29-30; Andrade 2007:21-22; Williamson e Blench 2000:11; Nurse e Philippson 2003:1ss.).

Foi Greenberg, primeiro, na década de 1950, e depois, em 1963, que estabeleceu a relação entre as línguas bantas e a família Níger-Congo (atualmente, Congo-Cordofânia), a partir da classificação genética das referidas línguas. Esta hipótese, à qual estão subjacentes os níveis subsequentes dessa afiliação, como descrito acima, é atualmente aceite por muitos bantuístas (Fernando 2008:9).

A determinação do número de línguas bantas faladas em Angola é também uma questão complexa, marcada por posições divergentes, desde os trabalhos mais antigos até aos mais recentes. Este facto pode ser ilustrado, grosso modo, na discrepância de número de línguas revelada em Huth (1994) e em Kukanda (1992): a primeira autora refere 64 línguas e o segundo fala, apenas, em 9 línguas (Lusakalalu 2005:9-10). As dificuldades

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assentam, sobretudo, na própria definição e distinção de uma língua em relação às suas variedades, pois o que alguns autores consideram como sendo língua, outros consideram- no como “dialeto” e outros ainda, um “grupo de línguas” (Cabral 2005:12).

Face a todas estas polémicas, optámos pela classificação apoiada no trabalho de Redinha (1975), no qual se têm baseado muitos autores contemporâneos, como por exemplo Fernandes e Ntondo (2002) ou Andrade (2007) e tantos outros que se debruçam sobre as línguas de Angola (cf. a Tabela 14, abaixo).

3.1.1. Classificação tipológica das línguas bantas

Tipologicamente, as línguas bantas caracterizam-se como línguas aglutinantes, ao privilegiarem a junção de diferentes elementos morfológicos e lexicais numa única estrutura (nominal ou verbal, ou ainda frásica). Trata-se de uma característica básica dessas línguas que, em alguns casos, se traduz em estruturas bastante complexas, como, por exemplo, as que aqui ilustramos (concretamente, da língua Kimbundu)108:

(2) a. dixita [ ] ‘lixeira’ di-]PN(sg) xit-]RN –a]VF

b. monami [ ] ‘meu filho’ mon-]RN -a]VF u-]PC a-]GEN -ami]POSS

(3) a. ngakuzolu [ ] ‘amo-te’

nga-]PV ku-]OD zol-] RV -u] VF

b. wamukwatekesele [ ] ‘tinha-o ajudado’

u]PV a-]IPF mu-]PC kwatek-]RV -esel]SD -e]VF

A estrutura de (2a) apresenta apenas um processo de prefixação nominal, indicando o singular do nome em questão, com o recurso ao prefixo nominal da classe 3; a de (2b) mostra o processo de restruturação silábica, através de vários processos fonológicos (4.1.2.3), permitindo a aglutinação de diferentes elementos numa única estrutura. Em (3), temos duas estruturas complexas, resultantes da aglutinação de diferentes elementos prefixais, pronominais e sufixais em torno do radical verbal.

108 As abreviaturas nos exemplos devem ler-se: PN (prefixo nominal); RN (radical nominal); VF (vogal final); PC (prefixo concordante); GN (prefixo genitivo); PV (prefixo verbal); OD (objeto direto); IPF (imperfetivo).

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Etimologicamente, o termo BANTU, que quer dizer “pessoas, indivíduos, povos, gente” (Nzau 2011:57), enfim “humanidade”, é formado pelo prefixo plural ba- e o radical nominal -ntu (singular), cunhado por Wilhelm Bleek, em 1851, mas anteriormente já referido por Johann Krapf, em 1850. Bleek, depois de analisar várias línguas da África Subsaariana, constatou existir um sistema de concordância por meio de prefixos, com destaque para o ba-; então estabeleceu as classes de prefixos nominais e passou a designar esse grupo de idiomas como “Línguas Bantu” (Bantu Sprachen).

Numa perspetiva comparativa, através dos cognatos do termo Bantu, Bleek conseguiu provar essa afinidade entre as diferentes línguas do referido grupo, tal como a seguir demonstramos com exemplos retirados de Andrade (2007:24):

Tabela 13: Cognatos do termo Bantu

Termo Estrutura Língua Termo Estrutura Língua

bantu ba-ntu Congo athu a-thu Kimbundu

abantu a-ba-ntu Cossa bhanu bha-nu Ronga

vantu va-ntu Chope watu wa-thu Suahíli

bato ba-to Lingala bathu ba-thu Tonga

antu a-ntu Kikongo abantu a-ba-ntu Zulu

Com ligeiras variações, tanto no prefixo como no radical, próprias das transformações fonético-fonológicas específicas de cada língua, ao longo do processo evolutivo, as formas dadas nas diferentes línguas revelam uma uniformidade estrutural (PREF+RAD) e semântica, ao remeterem para o mesmo significado e referente. Fonologicamente, assinala-se o facto de, em caso de oscilação, sobretudo ao nível do prefixo, o fonema que substitui não se afastar muito daquele do étimo, com a estrutura segmental original do radical a ser conservada.

Consideremos, por conseguinte, alguns dos critérios estritamente linguísticos que permitem identificar e definir as línguas bantas, diferenciando-as de outras línguas (cf. Andrade 2007:34-35; Guthrie 1967-71:11-12; Ngunga 2004:50-51; Nzau 2011:57-58): (i) afinidades genealógicas e tipológicas, nos aspetos morfológico, sintático e lexical; (ii) presença de prefixos nominais, com funções lexicais, morfossintáticas e semânticas, sendo indispensáveis na estrutura da frase; (iii) verbos que exibem no infinitivo o prefixo verbal, cuja estrutura conjugada (o. m. q., flexionada) pode ser simples ou complexa; (iv) aglutinação de elementos de diferentes classes gramaticais (afixos, radicais, palavras),

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essencialmente ao nível de superfície; (v) ocorrência do SN-Sujeito sempre em posição inicial da frase, encabeçado pelo prefixo nominal; (vi) um vocabulário comum a outras línguas bantas, através de raízes hipotéticas, que remetam para uma possível protolíngua comum; (vii) estrutura silábica básica do tipo -CVC- (consoante, vogal, consoante), sendo mais comum a sílaba CV, ao nível de superfície; (viii) presença de tom, com valor contrastivo e função lexicossemântica e gramatical; (ix) sistema vocálico simétrico, uma herança do protobanto; e x) presença de consoantes complexas, de diferente natureza articulatória, destacando-se as prenasalizadas, por se atestarem em todas essas línguas (veja-se também a abordagem do Capítulo IV, acerca das características do Kimbundu).

3.1.2. Classificação geográfico-genealógica das línguas bantas

Essas línguas também costumam ser classificadas de acordo com o critério “geográfico-genealógico”, fixado inicialmente por Guthrie (1967-71), seguindo-se outros trabalhos, principalmente os do SIL – Summer Institute of Linguistics – (Grimes 1996; Grimes e Grimes 1996) e do grupo de Tervuren (Bastin, Coupez e Mann 1999), mas sempre baseados nesse primeiro autor109. Nesse caso, as línguas são codificadas por letras

maiúsculas e agrupadas em zonas, consoante o grau de afinidade linguística (genealógica) e a proximidade ou distanciamento geográfico (Andrade 2007:35-36; Fernando 2008:3; Flores 2009:18-20; Maho 2001:43-44; Nzau 2011:58-59; Ngunga 2004:43).

Essas zonas são definidas como “agregados de línguas que têm uma certa uniformidade ou similaridade de fenómenos linguísticos, mas que não necessitam de ser mutuamente inteligíveis. A divisão em zonas é basicamente geográfica. As zonas são subdivididas em grupos cujas línguas têm traços fonéticos e gramaticais comuns, e são tão similares que chegam a ser em grande medida mutuamente inteligíveis” (Cole 1961:81, apud Ngunga 2004:37-38; ver também Rego 2012:16).

Conforme ilustra o Mapa 4, no início da tese, as línguas bantas estão distribuídas por 16 zonas: A, B, C, D, E, F, G, H, J, K, L, M, N, P, R, S, subdividindo-as em grupos de línguas do Banto Ocidental e línguas do Banto Oriental. Destas zonas, quinze foram apresentadas por Guthrie, às quais mais tarde se acrescentou a zona J pelos linguistas de

109 Este critério é também conhecido como a “classificação de Guthrie (1948)”, já que o trabalho seminal The classification of bantu languages é desse mesmo ano, embora tenha sido continuado nos anos seguintes

e hoje inserido globalmente em Guthrie (1967-1971). No entanto, essa classificação de Guthrie não é a única, mas a mais importante e a mais referida nos trabalhos sobre as línguas bantas.

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Tervuren, anteriormente referidos. Estes pesquisadores reconheceram semelhanças entre as línguas bantas dos Grandes Lagos, que estavam integradas nas zonas D e E, e decidiram agrupá-las numa nova zona, adicional à proposta inicial de Guthrie.

No âmbito da nossa tese, interessa-nos destacar apenas que as LBA se distribuem em três zonas linguísticas, ocupando cada grupo de línguas um determinado espaço geográfico do país:

(i) Zona H: Kikongo e Kimbundu – ocupa as regiões norte e noroeste do país, concretamente as províncias de Cabinda, Zaire, Uíge, Bengo, Cuanza Norte, Cuanza Sul, Luanda e Malange;

(ii) Zona K: Cokwe, Ngangela (grupo Lunda-Cokwe) e as chamadas “línguas do rio Cubango: Kwangali, Gciriku e Thimbukusu – corresponde essencialmente às regiões leste e sudeste, nas províncias do Bié, Cuando Cubango, Lunda Norte, Lunda Sul e Moxico;

(iii) Zona R: Umbundu, Olunyianeka-nkhumbi, Ociherero, Oshikwnayama e Oshindonga – compreende a extensa região centro-sul de Angola, concretamente as províncias do Bié, Benguela, Cuando Cubango, Cuanza Sul, Cunene, Huambo, Huíla Namibe.

A tabela que se segue representa o quadro possível das LBA, incluindo as suas respetivas variedades (designadas por “variantes”, na perspetiva bantuísta). Assim, articulamos o aspeto da identificação dessas línguas, focado na subsecção anterior, com a questão da distribuição geográfica das mesmas, aqui em abordagem.

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Tabela 14: Quadro das línguas bantas de Angola e respetivas variedades.

LÍNGUAS