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Aquisição das Próprias Ações para Redução de Capital

3. ASPECTOS PATRIMONIAIS: O INTERESSE DOS CREDORES

3.3. Análise Crítica do Artigo 30 da Lei das S.A

3.3.6. Aquisição das Próprias Ações para Redução de Capital

Nos termos do art. 173 da Lei das S.A., a companhia poderá deliberar a redução do seu capital social em decorrência de perdas sociais ou se julgá-lo excessivo relativamente às necessidades de seu objeto social. O artigo 174 do mesmo diploma reza, de maneira complementar, que caso a redução de capital seja realizada com o pagamento aos acionistas de ao menos parte do valor das ações em dinheiro, então os credores quirografários terão 60 dias para oporem-se à redução, em claro dispositivo que corrobora a função de garantia inerente à cifra nominal do capital social.

Neste âmbito se insere outra das exceções à proibição da companhia figurar em negócios com ações de sua emissão, nos termos do art. 30, §1°, “d”, da Lei das S.A., segundo o qual é lícito a ela comprar as ações de sua emissão quando, resolvida a redução do capital mediante restituição, em dinheiro280, de parte do valor das ações (art. 174 da mesma lei), o preço destas em bolsa for inferior ou igual à importância que deve ser restituída. A redação é muito semelhante àquela constante do art. 19 do DL 2.627/40, cabendo mencionar, no entanto, que os diplomas anteriores não faziam referência expressa a esta modalidade de negócio.

280 E apenas em dinheiro; não é toda redução de capital que autoriza a compra das suas ações pela sociedade.

A restrição justifica-se pelo fato de que é necessária uma comparação de preços: entre aquele deliberado para restituição aos acionistas e o das ações em bolsa (este deve ser menor do que aquele). A comparação do valor das ações (cuja cotação é sempre em dinheiro) com o valor de bens poderia levar a fraudes ou dificuldades de avaliação justa. Cf. Philomeno J. da Costa, op. cit., p. 223.

Neste caso, no entanto, pode-se dizer que a companhia não tem pleno domínio sobre a concretização do negócio jurídico. No resgate e na amortização, ela detém, seguindo determinados procedimentos legais, o poder de resgatar ou amortizar as ações de sua emissão; no reembolso, apesar de a iniciativa ser do acionista, pode-se afirmar que a companhia detém o poder de ocasionar o reembolso, já que, inconformado o acionista com certas deliberações, poderá ela sempre rever a sua deliberação ou, caso decida não fazê-lo, pagará ela o valor das ações e partirá em busca de novos subscritores. No caso de que ora tratamos, de outra sorte, “a lei cria uma forma de negociação das próprias ações pela anônima, em que esta não a domina unilateralmente (...). Nas três espécies anteriores [resgate, amortização e reembolso] de negociação de ações pela própria sociedade emissora, esta rege-as. Na sua compra, ela vai até o ponto de obtenção da qualificação de candidata à negociação, como será observado mais adiante”281. A condição de legitimidade a que se refere Philomeno J. da Costa se justifica, pois trata-se, em verdade, de um contrato de compra e venda comum com determinadas condições de legitimidade, dependendo, portanto, do encontro da vontade da companhia de comprar com a do acionista de vender. A sociedade compra ações de sua emissão para possibilitar a diminuição da cifra de seu capital social, utilizando para tanto quaisquer recursos, mesmo que à custa do capital (afinal, o escopo da operação é justamente sua redução). É caso típico de autofagia.

Além das condições de legitimidade discutidas brevemente acima, entende a doutrina que a assembleia que deliberar a redução do capital social deve ser expressa em permitir que tal ocorra por meio da aquisição das ações em bolsa282.

Diz-se que este tipo de negócio é permitido como um meio de a sociedade reduzir vantajosamente o seu capital. Valverde diria que “a operação, evidentemente, não prejudica os acionistas, e é sempre favorável à companhia”283. São necessárias diversas ressalvas ao pensamento de Valverde. Em primeiro lugar, porque, caso o valor de bolsa for igual ao restituível, então não haverá vantagem nem prejuízo para a companhia; em segundo lugar, e ainda com mais nitidez, esta modalidade de redução pode, ao invés de beneficiar os acionistas, como se propagou na opinião do mestre Valverde, prejudicá-los: se uma das condições de legitimidade da compra de ações para redução de capital é a de que o preço delas em bolsa seja inferior ao valor que seria restituível de acordo com a deliberação da assembleia, então o acionista efetivamente receberá menos do que receberia

281 Cf. Philomeno J. da Costa, op. cit., p. 221. 282

Cf. Philomeno J. da Costa, op. cit., p. 224 e Modesto Carvalhosa, Comentários…, Vol. 1, cit., p. 322.

do modo tradicional284 e, ainda, ficará destituído da sua condição de sócio. Na realidade, o acionista que se vir na situação de decidir entre receber seus haveres da maneira comum, inerente ao processo de redução de capital, ou por meio da venda das suas ações em bolsa à companhia, precisaria tomar uma decisão antieconômica para optar pelo segundo caminho. Nas palavras de Waldemar Ferreira: “para que, todavia, a compra das ações pela sociedade se efetue é indispensável que os acionistas prefiram, contra os seus próprios interesses, o que é inadmissível, em vez de receber o mais, que a assembleia geral lhes mandou restituir, o menos, produzido pela venda das suas ações em bolsa. De outro modo, a compra é impossível”285. Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto diria que, além de uma exceção à proibição de negócios da companhia com as ações de sua emissão, esse dispositivo (o artigo 19 do DL 2.627/40) seria também uma exceção ao princípio de hermenêutica de que não existem artigos inúteis em uma lei286, já que o acionista nunca venderia suas ações nessas condições. Modesto Carvalhosa, enfaticamente, afirma que a manutenção da permissão na Lei das S.A. é fruto da desatenção287.

Finalmente, ainda com relação ao valor da restituição – e aqui temos um ponto de contato com os interesses dos investidores –, é natural que seja vedado à companhia manipular os preços das próprias ações no mercado, forçando sua baixa, para possibilitar a compra a preços menores. Este tipo de criação de condições artificiais de oferta e demanda é considerado ato ilícito pela Instrução CVM 8. A situação inversa, na qual o acionista força a alta das ações para impedir a compra (lembre-se que o valor das ações em bolsa precisa ser inferior ao valor por ação a ser pago aos acionistas, como condição para que possa realizar-se a redução mediante compra), também pode ser cogitada, sendo igualmente vedada nos termos da mesma instrução288.

284

Cf. Philomeno J. da Costa, op. cit., p. 234, nota de rodapé 174.

285 Cf. Waldemar Ferreira, Tratado..., Vol. 4, cit., p. 1081, n. 51. 286 Cf. Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto, Sociedades..., cit., p. 212.

287 “A lesividade no caso é manifesta e inteiramente incompatível, portanto, com os princípios de resguardo

institucional e contratual dos interesses patrimoniais dos acionistas-investidores de companhias abertas. A reiteração dessa faculdade na lei de 1976 somente pode ser fruto de descuido ou da falta de entendimento do seu caráter iníquo e espoliativo dos interesses da massa de acionistas”. Cf. Modesto Carvalhosa, Comentários..., Vol. 1, cit., pp. 322 e 323. Na realidade, não vemos aí um princípio de “resguardo patrimonial”, pois o acionista não é forçado a vender as ações nessas condições.

288 É importante consignar que esta modalidade de negócio difere da possibilidade de cancelamento das ações

que originalmente tenham sido adquiridas para permanência em tesouraria. Na situação em comento neste item (compra predeterminadamente realizada para possibilitar a redução do capital), a aquisição integra o procedimento comum previsto na Lei das S.A. (redução por força de perdas ou se o capital for julgado excessivo, cf. art. 173); na segunda hipótese que listamos, por outro lado, ela o precede. As duas situações possuem consequências diversas: “sono però tendenzialmente contrario, credo cioè che la riduzione di capitale conseguente all’annullamento di azioni proprie già in portafoglio debba essere intesa come genere

a sé, terzo nella aparentemente rígida dicotomia degli artt. 2445 e 2446, c.c., e per più concomitante