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2. FUNDAMENTOS TEÓRICOS E DOGMÁTICOS

2.2. A Evolução Histórica da Disciplina dos Negócios com as Próprias Ações

2.2.4. Direito Brasileiro

A proibição de a companhia emitente negociar com as suas próprias ações já constava, em textos mais ou menos lacunosos e vagos, de há muito no direito positivo brasileiro. Mas, contrariamente ao que se pode pensar, essa proibição não surgiu concomitantemente com a positivação da limitação da responsabilidade dos acionistas pelas dívidas sociais. Alguns diplomas antigos, como o próprio alvará de criação do Banco do Brasil de 12 de outubro de 1808, o Código Comercial e a legislação de 1860135, continham disposições acerca da limitação da responsabilidade, mas a proibição da negociação com as próprias ações veio a ser inserida (expressamente) no direito positivo brasileiro apenas com a edição da Lei 3.150/1882 (e a proibição expressa de existência de participações recíprocas como forma indireta desses negócios – muito depois - apenas com a Lei das S.A.).

134 Cf. Luis Felipe Spinelli, Conflito de Interesses na Administração da Sociedade Anônima, Malheiros, São

Paulo, 2012, pp. 55 e ss, com detalhada análise e extensa bibliografia.

O Código Comercial (Lei 556, de 25 de junho de 1850), inspirado no Código Comercial francês de 1807 e no Código Comercial português de 1833, foi o primeiro diploma legal brasileiro a regular as sociedades mercantis136 e dedicava às anônimas apenas cinco artigos, introduzindo, em decorrência do clareamento das ideias jurídicas, alguns princípios basilares da regulação das companhias (como a limitação de sua responsabilidade ao valor das “ações ou do interesse por que se houverem comprometido” – art. 298) que lhe imprimem a sua fisionomia peculiar. As regras sobre o capital social, nesta época, ainda eram, no entanto, escassas e confusas. O artigo 297 do Código Comercial fazia referência à contribuição de cada sócio ao capital da anônima, e o artigo 289 previa que o sócio deveria “entrar para o fundo social” com o dinheiro ou os bens a que se obrigara, respondendo pela mora. O artigo 292 continha importante disposição, que já indicava certa separação patrimonial entre sócio e companhia, ao não permitir ao credor particular de sócio que executasse os “fundos líquidos” que esse sócio tivesse na companhia antes de esgotados os demais bens particulares desse sócio (artigo 292)137. Nenhuma menção à negociação, pela anônima, com ações de sua emissão era feita neste momento histórico, pois a proteção aos credores e a separação formal de esferas jurídicas entre sociedade e sócio ainda estava em fase embrionária de evolução.

Pouco depois disso, com a edição da Lei 1.083, de 22 de agosto de 1860, de iniciativa do então Ministro da Fazenda Angelo Moniz da Silva Ferraz, foram incorporadas algumas poucas novidades e um estrito regime de fiscalização governamental (esta lei foi dedicada em grande parte às companhias que exercessem atividade bancária). Aqui, encontramos, no artigo 1°, §8°, o princípio de que “[s]ó poderão fazer parte dos dividendos dos Bancos e Sociedades Anonymas de qualquer natureza os lucros liquidos provenientes

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Esta informação procede. No entanto, como salientamos um parágrafo acima, o alvará de criação do Banco do Brasil, em 1808, apesar de não ter disciplinado a sociedade por ações, já chamava os sócios daquela instituição de “acionistas” e aquele banco pode, sem dúvida, ser considerado a primeira sociedade anônima brasileira. O artigo 5° dos estatutos do Banco do Brasil previa que “toda e qualquer pessoa que quiser entrar para a formação deste côrpo moral, o poderá fazer sem exclusão alguma, ficando ùnicamente obrigada a responder pela sua entrada”. Cf. Trajano de Miranda Valverde, Sociedades..., cit., p. 17.

137 Como se percebe, no entanto, a separação patrimonial entre sócio e sociedade, apesar de ter sido, de certo

modo, prevista, não considerava ainda a existência de uma esfera jurídica de direitos e deveres autônoma, representada pela pessoa jurídica da sociedade, pois os credores dos sócios, a pesar de terem de observar o benefício de ordem imposto pela lei, tinham direito, ao final, de acessar os “fundos líquidos” desse sócio na companhia, significando, ao que parece, uma perda patrimonial à companhia. Situação diversa ocorreria se o credor particular detivesse prerrogativas de penhora da quota social ou das ações de propriedade do sócio. Existia, sim, uma noção de patrimônio afetado (coletivizado em favor do fim comum a que se associavam as pessoas), mas daí a dizer-se que havia pessoa jurídica é exagerado. Não obstante a letra da lei não indicar expressamente a existência da personalidade jurídica, a doutrina à época já se manifestava no sentido de que “seria absurdo suppôr que o que pertence á sociedade pertença a cada socio, do mesmo modo que seria absurdo suppôr que o que pertença a cada socio pertença á sociedade”. Herculano Marques Inglez de Souza era adepto da teoria da realidade da pessoa jurídica. In Direito..., cit., p. 108 e 109.

de operações effectivamente concluídas no respectivo semestre”, o que, em conjunto com as disposições do Código Comercial, indica uma evolução na disciplina dos interesses dos credores, apesar de não haver indicação clara da forma de cálculo desse lucro líquido. Semelhantemente, a mesma lei, no artigo 2°, §10°, passou a proibir aos bancos (que eram sociedades anônimas) a realização de empréstimos que tivessem como garantia as próprias ações do banco mutuante, uma forma de negociação com as próprias ações que até hoje vigora como princípio proibitivo. De qualquer maneira, a proibição, aqui, ainda não se apresenta com traços claros, mas apenas com indicações de que o regime de proteção ao capital social estava na mente do legislador imperial.

A Lei 3.150, de 4 de novembro de 1882 foi o diploma que, no Brasil, instituiu a fase moderna das sociedades por ações, prevendo diversas normas de regramento da vida societária, incluindo medidas como publicidade dos atos sociais138, normas sobre conflito de interesses entre administração e sociedade, funcionamento da assembleia geral, além, obviamente, de significar a vitória do movimento econômico liberal, garantindo-se a livre constituição de sociedades anônimas pelos particulares (regime das disposições normativas)139. Foi aqui, também, que surgiu pela primeira vez a regulamentação específica aplicável às sociedades em comandita por ações (artigos 35 a 41). A Lei 3.150/1882 foi regulamentada pelo Decreto n.° 8.821, de 30 de dezembro de 1882, em cujos 168 artigos foram detalhadas diversas normas regentes da vida societária.

Esta lei previa expressa limitação de responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais, no artigo 2°, §2°, com idêntica disposição no Decreto n.° 8.821/82. Logo em seguida, no artigo 3°, vem estipulada uma norma atinente à constituição do capital da sociedade: ela não poderia constituir-se sem que subscrito todo o seu “capital social” (e aqui é esta mesma a expressão usada) e sem que tenham sido integralizados ao menos 10% do valor das ações140. Outras regras atinentes à proteção do capital social se fazem

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Importantíssimo mecanismo na sociedade anônima, apto a tornar públicos os atos da vida social, contrapondo-se, de certo modo, à limitação da responsabilidade dos sócios. “Em referencia aos terceiros seria de facto uma verdadeira emboscada [a limitação da responsabilidade dos sócios], si o sigillo presidisse a todos os actos da constituição e do funccionamento das sociedades anonymas”. Cf. Dídimo Agapito da Veiga Junior, Sociedades…, cit., p. 96 e 97.

139 Este regime de livre acesso dos particulares às sociedades anônimas foi, sem dúvida, núcleo fundamental

da promulgação dessa lei, que teve como paradigmas, a Lei Francesa de 1867 e a Lei Belga de 1873. Cf. Dídimo Agapito da Veiga Junior, Sociedades..., cit., p. 17.

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Aqui, permitimo-nos entender, o capital social ainda aparece com a função de produção e não de garantia, ao menos da forma como hoje se a concebe. É de se notar, naturalmente, que a mera subscrição e integralização (real) de capital não é garantia alguma de credores por si só, mas é o tratamento dado às retiradas feitas pelos sócios que garante que esse capital seja afetado à fond perdu. Inclusive, Dídimo Agapito era contrário à adoção deste dispositivo e preferia que fosse necessária subscrição de apenas metade do capital social. Cf. Dídimo Agapito da Veiga Junior, Sociedades..., cit., p . 115 e ss, especialmente em 118.

encontrar: avaliação de bens conferidos ao capital por três “louvados” e com aprovação da assembleia geral (art. 3°, §2°), responsabilidade solidária do cedente de ação não integralizada pela sua integralização (art. 7°, §2°), regras acerca da distribuição de dividendos fictícios (art. 13, cujo parágrafo único repete a dicção do art. 1°, §8° da Lei 1.083/1860 que transcrevemos acima)141.

Foi por meio desta lei, também, que ingressou oficialmente no nosso direito positivo a proibição de a companhia negociar com as suas próprias ações e, desde então, já era esse comportamento reprimido com a cominação de uma infração penal ao seu descumprimento. Assim é que o artigo 31 da lei ora em comento, que não constava do projeto original enviado ao Congresso Nacional, mas foi incorporado ao projeto por emenda aditiva das Comissões Reunidas de Fazenda e Justiça do Senado142, previa que “E' prohibido ás sociedades anonymas comprar e vender as suas proprias acções”, exceto nos casos de amortização com “fundos disponíveis” (essa a redação do seu parágrafo único, cópia fiel da Lei belga de 1873) e o artigo 27, I considerava crime a violação desses preceitos. Também era considerada infração penal a distribuição fictícia de lucros (art. 27, II) e a aceitação de penhor das ações de emissão própria em garantia de créditos sociais (art. 27, IV). Todas as regras, em tese, destinadas à proteção do capital social, que, nesta lei, já possui regime jurídico bem delineado143.

No Decreto 8.821/1882, regulamentador da Lei 3.150/1882, o tratamento é semelhante, mas a redação é aprimorada. É assim que o artigo 19, §2°, proíbe a companhia de receber as próprias ações em penhor e o artigo 20, desenvolvendo e aprimorando a redação do artigo 31 da lei (que comentamos acima), afirma: “Não póde a sociedade

141 Falava-se em lucro líquido efetivamente auferido no semestre. A noção de que esses lucros seriam apenas

e tão somente aqueles que superassem a cifra do capital social era clara desde então: “ora, a distribuição de dividendos não consistentes em lucros provenientes de transacções faz-se à custa do capital (...)”. No entanto, as noções de demonstrações financeiras eram embrionárias de modo que, é evidente, pode haver lucro no exercício sem haver lucro no balanço (por conta de prejuízos de exercícios anteriores): neste caso estaria igualmente impedida a distribuição de dividendos. Cf. Dídimo Agapito da Veiga Junior, Sociedades..., cit., p. 378. Para uma análise do normativo sob o ponto de vista dos aumentos de capital, cf. Mauro Rodrigues Penteado, Aumentos..., cit., pp. 47 e ss.

142 Emenda essa assim justificada na sessão do Senado de 17 de abril de 1882: “Há uma fraude muito comum

e de que dão noticia diversos escritores. Consiste essa fraude em comprar o administrador com fundos sociais um grande número de ações da própria companhia, com intuito de provocar altas fictícias e oportunamente revendê-las. A dita fraude pode ter por fim a obtenção de lucros ilícitos para a sociedade, ou mesmo para o administrador, hipótese esta que ocorre quando este possui grande quantidade de ações e quer dispor delas. Os primeiros prejudicados com tal artifício são os compradores. Também sofrem-lhe as consequências os acionistas e os credores da sociedade, por virtude de desvio de parte do capital. As comissões reunidas propõem que uma semelhante pratica seja absolutamente proibida e nesse sentido redigiram o aditivo”. Cf. Dídimo Agapito da Veiga Junior, op. cit., pp. 531 e 532. Interessante notar a justificativa de manipulação de preços usada pela comissão, já nos idos de 1880.

anonyma comprar e vender as suas acções. Nesta prohibição não se comprehende a amortização das acções, uma vez que seja realizada com fundos disponiveis e sem offensa

do capital” – grifos nossos. A redação grifada foi acrescentada pelo Decreto e constitui

inegável indicação de que essas normas visam a tutelar juridicamente os credores sociais, por meio da manutenção de regras rígidas acerca do capital social.

Com a república, surge o Decreto 434, de 4 de julho de 1891, que veio a compilar a legislação relativa às sociedades anônimas no Brasil (consolidação apressada, diria Valverde144) e que se limitou a copiar o regime que a este respeito instituía a Lei 3.150/1882 e seu decreto regulamentador. Neste sentido, enunciava-se nos artigos 39 e 40, que era proibido às sociedades anônimas aceitarem em penhor as próprias ações e, também, a elas era vedado “comprar e vender” as próprias ações. Nesta proibição não se compreendiam as operações de amortização de ações, realizadas sem ofensa ao capital social, e que dependeria de aprovação prévia da assembleia geral com quórum qualificado de aprovação de dois terços do capital total145.

O Anteprojeto de Código Comercial de Herculano Marques Inglez de Souza, datado de 30 de abril de 1912 (elaborado em cumprimento ao Decreto n.° 2.379, de 4 de janeiro de 1911) não acrescentou nada à matéria (regulada no artigo 107, §§8° e 9°), não tendo sido ela, inclusive, objeto de estudo especifico pelo autor do Anteprojeto, sequer havendo na exposição de motivos alusão especial ao assunto. Neste anteprojeto, a matéria vinha com alusão expressa apenas à proibição de “aquisição”, e não de venda, como o fazia o Decreto 434/1891. Após emendas pela comissão especial do Senado, foi ele submetido ao exame da Câmara dos Deputados, onde (como sói acontecer no Brasil) ficou sem andamento durante anos seguidos, a ponto de ter sido preterido pelo projeto original de Clodomir Cardoso, apresentado em 1928, como veremos.

Após a revolução de 1930, foi constituída Comissão Legislativa para revisitar e consolidar toda a legislação e as normas atinentes às sociedades comerciais ficaram sob responsabilidade da 22ª Subcomissão, cujo relator era Gudesteu Pires146. No seu trabalho

144 In Sociedades…, cit., p. 31. 145

Afirmativamente quanto a ter sido o regime do Decreto 434/1891 uma cópia quase literal da Lei 3.150/1882 e do Decreto 8.821/1882: Philomeno J. da Costa, op. cit., p. 35. Também Gudesteu Pires, falando ao jornal do Brasil em 06 de novembro de 1931, in Gudesteu Pires, Sociedades Anonymas – Subsidios para a Reforma da Lei, Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 1935, p. 15.

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Aqui cumpre corrigir uma pequena impropriedade. Não foi a 3ª Subcomissão, presidida por Gudesteu Pires por nomeação de Decreto de 30 de julho de 1931 e posterior designação da própria Subcomissão, que ficou responsável por analisar as normas atinentes às sociedades comerciais. Essa Subcomissão recebeu tarefa mais ousada, de avaliar a redação de um Código Comercial. Posteriormente, foi proposto ao Governo que desmembrasse a 3ª Subcomissão, criando-se uma destinada exclusivamente às sociedades comerciais, que era tarefa mais realista. Assim, por Decreto de 30 de setembro de 1932, criou-se a 22ª Subcomissão, esta,

final147, entregue ao Ministro da Justiça, Vicente Ráo, em dezembro de 1934, foi estipulada a matéria com a mesma redação e lógica que se lhe vinha atribuindo até então: o artigo 69 proibia à anônima a compra e venda de suas próprias ações, exceto no caso de amortização de ações. Não foi o assunto objeto de análise na justificativa do anteprojeto, o que nos parece uma injustificada falta, considerando que a base declarada do anteprojeto foi a redação original do projeto de Clodomir Cardoso de 1928, que ao tema dedicava extensa análise.

Na sequência cronológica, temos o Projeto Clodomir Cardoso, apresentado ao Senado Federal em 1936148, cujo artigo 87 dispunha sobre as situações nas quais seria lícito ou ilícito à anônima negociar com suas próprias ações (até aqui, em verdade, a palavra utilizada pela legislação era “compra” ou, apenas, “aquisição” pela sociedade de ações de sua emissão).

O texto é bem mais desenvolvido do que as redações anteriores e enfeixa uma série de operações anteriormente não contempladas de maneira expressa (como a possibilidade de compra pela companhia de ações de sua emissão para redução do capital social). Philomeno J. da Costa classificou o texto de Clodomir Cardoso como “prolixo”, mas “organicamente bem concebido”149. Em nossa visão, o texto era bastante inovador com relação ao que até então se vinha praticando no Brasil, e, como dissemos, tratou da matéria de maneira muito mais detalhada: incluíram-se, pela primeira vez na história do Brasil, entre os negócios permitidos à anônima com as próprias ações, as situações de adjudicação sim, com o objetivo de reavaliar as normas atinentes às sociedades comerciais apenas e da qual Gudesteu Pires era relator, mas não presidente (cargo incumbido ao Desembargador Collares Moreira). Ver Gudesteu Pires, Sociedades..., cit., p. 18.

Mais peculiar ainda é notar que, quando Gudesteu Pires foi nomeado presidente da 3ª Subcomissão, nessa função substituiu o professor Waldemar Ferreira. O entendimento histórico do desenvolvimento legislativo nacional dá um tom de poesia ao estudioso do assunto, ao notar que o livro de autoria de Gudesteu Pires consultado possui dedicatória exatamente ao Professor Waldemar Ferreira.

147 Novamente, por amor à precisão acadêmica, precisamos salientar que o trabalho, de verdade, não

constituía uma versão final, eis que alguns capítulos não puderam ser submetidos à revisão dos membros da Subcomissão, por falta de tempo hábil. Revisou-se apenas até o quinto capítulo, inclusive. Ver Gudesteu Pires, Sociedades..., cit., p. 21.

148 Na realidade, o projeto original de Clodomir Cardoso foi entregue em 1928, mas ficou prejudicado pela

eclosão da revolução de 1930. Este projeto foi a quarta versão elaborada por Clodomir Cardoso, ao contrário do que dá a entender a respectiva justificativa, onde menciona-se que essa (a de 1936) seria a segunda versão. Gudesteu Pires, no entanto, esclarece quais foram as três versões anteriores a essa (a original, de 1928, o substitutivo de 1930, prejudicado pela superveniência do movimento revolucionário com a consequente dissolução do Congresso Nacional, e a de 1934, que serviu de base para a 3ª Sub-Comissão, presidida pelo próprio Gudesteu Pires, como vimos, e que foi, inclusive, a responsável pela publicação da justificativa de Clodomir Cardoso ao anteprojeto de sua autoria). Clodomir Cardoso, Sociedades Anonymas – Projecto Organizado, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1932, p. V. Gudesteu Pires, Sociedades..., cit., p. 9. Philomeno J. da Costa, op. cit., p. 31, na nota de rodapé 48.

149 Op. Cit., p. 33. Trajano de Miranda Valverde assim se manifestou sobre o projeto: “entre muitas

disposições úteis e aproveitáveis, (...), há muita coisa inútil e complicada”. Cf. Trajano de Miranda Valverde, Sociedades..., cit., p. 33.

compulsória das próprias ações, resgate, aquisição para redução do capital social150 e reembolso. Em nenhuma hipótese, no entanto, a sociedade poderia revender as próprias ações adquiridas, exceto no caso de adjudicação compulsória. Em todas as demais, reza o artigo 90 do projeto, ficariam sem efeitos e seriam inutilizadas as ações, o que significa que a mecânica das ações em tesouraria ainda não estava aqui presente151.

Por força de pressões sociais e políticas em prol da modernização da legislação sobre sociedades anônimas no Brasil, foi encaminhada pouco depois, em 30 de outubro de 1936, ao plenário da Câmara dos Deputados, pela Comissão de Constituição e Justiça, peça legislativa que viria a ficar conhecida como Substitutivo Waldemar Ferreira, em que este, como presidente da mencionada comissão, apresentou um projeto de Código das Sociedades Comerciais (Projeto de Lei 424), tomando por base, abertamente, o projeto de lei de sociedades anônimas de Gudesteu de Sá Pires152. O artigo 135 daquele diploma vedava à companhia a compra e venda de ações de sua emissão, salvo no caso de venda em bolsa em decorrência da mora de acionista (art. 132, §3°) e permitia a amortização de ações. Também vedava à companhia receber suas ações em penhor, salvo para garantia de gestão de seus administradores. A redação era bem menos abrangente que aquela sugerida por Clodomir Cardoso.

Em junho de 1939, foi incumbido a Trajano de Miranda Valverde, pelo então ministro da justiça Dr. Francisco Campos, a elaboração de um anteprojeto de lei das sociedades por ações, que recebeu abundantes colaborações de juristas e associações de classe. Uma vez promulgado o DL 2.627/40, passou a matéria a ser regulada dentro do capítulo da lei dedicado às ações153, e lia-se, no artigo 15, que “[a] sociedade anônima não pode negociar com as próprias ações”, redação que quebrou a tradição brasileira de limitar a vedação a operações de “compra e venda” ao ampliar o âmbito da proibição para

150 “Outras legislações, é certo, prohibindo, como o decreto n. 434, a amortização, a não ser por meio de

lucros acumulados, declaram, por outro lado, possível a reducção do capital. Declaram-no, porém, expressamente, e são logicas, pois accrescentam: desde que se faça sem prejuízo dos credores; e estabelecem as regras destinadas a acautelar os direitos destes”. In Clodomir Cardoso, Sociedades..., cit., p. 124.

151 “Assim, pois, a revenda das acções que a sociedade adquirir só será possível nas hypotheses previstas pela