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Participações Sociais Recíprocas

3. ASPECTOS PATRIMONIAIS: O INTERESSE DOS CREDORES

3.6. Participações Sociais Recíprocas

As participações de uma companhia controlada no capital de sua controladora são chamadas de “recíprocas”, justamente por entender-se que a sociedade controlada estaria negociando, indiretamente, com as suas próprias ações. Esse “paralelismo”, mencionado por Carvalhosa, é recente no Brasil: o DL 2.627/40 não abordou especificamente o tema,

335 “Com efeito – e vale como esclarecimento – no âmbito do direito societário não tem aplicação irrestrita a

teoria das nulidades do direito civil, regida pelo principio ‘quod nullum est, nullum producit effectum’” Cf. Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, A Lei das S.A., cit., p. 545.

336 “O regime comum das nulidades dos atos jurídicos não se ajusta, sem graves desvios, aos organismos que,

sob a denominação de sociedades, associações, corporações, fundações, surgem por obra da energia dos homens e atuam, como sujeitos de direito, na vida social”. Cf. Trajano de Miranda Valverde, Sociedades..., Vol. III, cit., p. 97, item 811.

337 Cf. Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França, Invalidade das Deliberações de Assembleia das S.A.,

Malheiros, São Paulo, 1999, pp. 21 a 27. Referindo-se, embora, à invalidade das assembleias e suas deliberações, o autor assim se manifesta: “Dessa forma, ante a evidente necessidade de estabilidade das deliberações assembleares, concebeu-se um sistema especial de invalidades no direito societário, que se caracteriza pelos seguintes principais tópicos: a) prazos de decadência, curtíssimos, para anulação de assembléia ou das suas deliberações; b) irretroatividade da invalidade, em certos casos; c) ampla possibilidade de sanação do vício, mesmo em se tratando de hipótese de nulidade absoluta, quando possível; d) diverso enfoque da distinção entre atos nulos e anuláveis; e) inatingibilidade, em princípio, de terceiros de boa-fé, salvo os casos de nulidade ostensiva”. In Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França, Temas..., cit., pp. 101 a 103. Ver também, do mesmo autor, Lineamentos da Reforma do Direito Societário Italiano em Matéria de Invalidade das Deliberações Assembleares, in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n.° 134, Malheiros, São Paulo, 2004, pp. 12 a 24.

em parte porque não era comum à época de edição de tal diploma a convivência com a concentração empresarial por meio de complexas estruturas financeiras e de participações acionárias338 - não faziam parte da preocupação do legislador e da doutrina nacional339, naquele momento, os grandes grupos empresariais340. O problema das participações sociais recíprocas, cujas regras vêm inseridas usualmente dentro da disciplina específica dos “grupos de sociedades”, apenas com a edição da Lei das S.A. mereceu tomada de posição do direito brasileiro341, que acolheu, como norma geral, a sua proibição genérica, salvo as exceções mencionadas no artigo 244 e seus parágrafos342. As exceções são exatamente aquelas situações nas quais a lei permite a negociação, pela companhia, com suas próprias ações.

Na Exposição de Motivos da Lei das S.A., vê-se que “o Projeto, depois de regular, até o capítulo XIX, as companhias como unidades empresariais distintas, disciplina, nos capítulos XX a XXII a nova realidade que são as sociedades coligadas e o grupo de sociedades. No seu processo de expansão, a grande empresa levou à criação de constelações de sociedades coligadas, controladoras e controladas, ou grupadas – o que reclama normas específicas que redefinam, no interior desses agrupamentos, os direitos das minorias, as responsabilidades dos administradores e as garantias dos credores”343. Ainda na Exposição de Motivos, quando comentam sobre o artigo 244, os autores do anteprojeto assim o justificam: “Com o objetivo de preservar a integridade do capital social na sua função de garantia dos credores, o artigo 245 – hoje 244 – proíbe a participação recíproca entre sociedades coligadas, salvo se uma delas observa as condições em que a lei

autoriza a aquisição das próprias ações” – grifos nossos. De plano, duas conclusões

338 Modesto Carvalhosa, op.cit., p. 19.

339 Trajano de Miranda Valverde, na introdução a seus comentários ao DL 2.627/40, tratava com vigor da

oposição entre a publicação do novel diploma legal sobre as sociedades por ações e a existência de normas especiais aplicáveis àquelas sociedades anônimas controladas pelo Estado, de modo que se discutia muito sobre a intervenção deste na economia, e seu condão de relativizar as normas que a ele se aplicam. In Sociedades..., Vol. 1, cit., pp. 35 e ss.

340

Daí também ter o professor Philomeno J. da Costa escrito sobre as operações da companhia com ações de seu próprio capital, e ter dedicado apenas um capítulo de sua tese às participações sociais recíprocas.

341 Tal se justifica, como expõe Arnoldo Wald, em consonância com Modesto Carvalhosa, “pelo

desenvolvimento relativamente recente das grandes empresas nacionais em nosso país, que ocorreu no momento em que as sociedades anônimas saíram do regime antigo de empresas familiares fechadas para, sob o efeito catalisador da legislação do mercado de capitais, abrirem as suas portas e receberem ampla contribuição do público”. Arnoldo Wald, Das Participações Recíprocas das Sociedades Comerciais no Direito brasileiro, in Estudos e Pareceres de Direito Comercial, RT, São Paulo, 1972, pp. 3 - 16.

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Outros artigos fazem referência a este, como, por exemplo, o artigo 265, §2°, ao tratar do grupo de sociedades, afirmando que a participação recíproca das sociedades do grupo obedecerá ao disposto no artigo 244.

343 Desde logo, nota-se que a questão da garantia dos credores é tema recorrente das disposições legais

atinentes a esses capítulos, onde se inclui o artigo das participações recíprocas. Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, A Lei das S.A., cit., pp.245 e ss.

importantes podem ser extraídas desses comentários iniciais feitos ao instituto: (i) seu fundamento foi, sem dúvida, o de proteção dos interesses subjacentes dos credores (intangibilidade do capital social); e (ii) as participações recíprocas foram incluídas como modalidade de negociação com as próprias ações.

Limitar-nos-emos, neste momento, apenas a afirmar o quanto precede, indicando que as participações sociais recíprocas são uma forma indireta de negócios com as próprias ações. Não caberá, nesta dissertação, nos delongarmos sobre as características específicas desse intrincado assunto (que, aliás, merece estudo aprofundado e monográfico urgente no Brasil), nem sobre como os interesses dignos de tutela devem merecer acolhida. Para uma introdução acerca dos contundentes, profundos e complexos problemas que as estuturas de participações cruzadas apresentam, referimo-nos à obra de Ulrich Wastl e Franz Wagner, concisa e precisa344.

344

Ulrich Wastl e Franz Wagner, Das Phänomen der Wechselseitigen Beteiligungen aus Juristischer Sicht, Peter Lang, Frankfurt am Main, 1997.

4.

ASPECTOS

ORGANIZATIVOS:

O

INTERESSE

DOS