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Direito Europeu (Comunitário e Interno)

2. FUNDAMENTOS TEÓRICOS E DOGMÁTICOS

2.2. A Evolução Histórica da Disciplina dos Negócios com as Próprias Ações

2.2.1. Direito Europeu (Comunitário e Interno)

Atualmente, quase todas as leis de sociedades por ações na Europa partem, no tocante à disciplina jurídica dos negócios com ações de emissão própria, de um preceito proibitivo, sendo esses negócios vedados genericamente, exceto nos casos em que as leis, em maior ou menor medida, excetuam a proibição57. Por lá, o preceito proibitivo surgiu historicamente em decorrência, em parte, de razões dogmático-estruturais (atreladas à impossibilidade teórica, vislumbrada pelos pensadores, de uma companhia tornar-se sócia

54 Princípio da maioria nas deliberações sociais, formalidades para alteração do estatuto, inclusão de

referência à “responsabilidade limitada” na denominação da companhia, dissolução em caso de perda de mais de ¾ do capital social, etc.

55 “De instrumento jurídico ‘excepcional’, a sociedade anônima passou a constituir uma forma jurídica

‘normal’ da empresa econômica e a sua adoção se espalhou pari passu com a industrialização dos vários países”. Cf. Tullio Ascarelli, Problemas..., cit., p. 459. Cf., de maneira entusiasmada, Dídimo Agapito da Veiga Junior, Sociedades Anonymas..., cit., pp. 13 e 14.

56 A possibilidade de uma companhia adquirir ações de outra foi genericamente reconhecida pela primeira

vez nos Estados Unidos no final da década de 1860 e somente veio a ser admitida na Europa continental por decisão jurisprudencial francesa de 1878. Cf. Lamy Filho e Bulhões Pedreira, A Lei das S.A., cit., pp. 77 e ss.

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Seguiremos de perto, no essencial e resumidamente, a exposição de Maria Victória Rodrigues, op. cit., pp. 48 e ss., que, por sua vez, baseou-se em Velasco San Pedro.

de si mesma – sobre o que discorreremos em item específico) e, também, em decorrência dos riscos que as operações trazem consigo, como teremos oportunidade de aprofundar (riscos de redução oculta do capital social, especulação com o valor das ações em mercado, consolidação ou concentração do poder societário, etc.). Na medida em que se desenvolveu o estudo sobre a matéria, alterou-se a fundamentação da proibição, passando um raciocínio de cunho econômico-funcional a prevalecer na discussão doutrinária.

Na origem histórica europeia, a primeira regra proibitiva positivada de que se tem notícia adveio, como se disse, com a lei alemã de 11 de junho de 1870, conhecida como

Erste Aktienrechtsnovelle, que determinava, no seu §215, 3, que a sociedade anônima não

podia adquirir (nem amortizar, salvo autorização estatutária) as próprias ações58. Mas mesmo antes da regra de 1870, as companhias alemãs já se utilizavam da operação, mormente em decorrência da ausência completa de regulação (ou proibição). Conforme relata Alexander Kitanoff, citando Renaud, a razão da recompra de ações próprias era a de possibilitar o aumento de valor das ações remanescentes, já que o patrimônio social ficaria dividido por número menor de ações, assim como o pagamento de dividendos ficaria concentrado em menor número de ações59. A Gesetz über die Aktiengesellschaften für die

Königlich Preussischen Staaten, de 09 de novembro de 1843, proibia genericamente às

sociedades por ações, nos §§ 15 e 17, a devolução pela sociedade das entradas de capital dos sócios, inclusive por meio de pagamentos. “Apesar de, do ponto de vista estritamente conceitual, podermos subsumir a recompra de ações como devolução de capital nos termos dos mencionados dispositivos, era considerada a recompra de ações majoritariamente como permitida”60. Interessantíssimo notarmos que, já antes de 1870, as primeiras companhias da época constituíam as chamadas “reservas de amortização” (amortisationsfonds), não por força legal, mas por previsão estatutária, com recursos oriundos de lucros da companhia e cuja destinação era a recompra de ações. Com isso

58 “A sociedade por ações não pode adquirir suas próprias ações. Ela tampouco pode amortizar as próprias

ações, exceto se o estatuto social original, ou uma deliberação dos acionistas modificativa deste, assim o permitir.” No original: “Die Aktiengesellschaft darf eigene Aktien nicht erwerben. Sie darf eigene Aktien auch nicht amortisiren, sofern dies nicht durch den ursprünglichen Gesellschaftsvertrag oder durch einen, den letzteren abändernden, vor Ausgabe der Aktien gefaßten Beschluß zugelassen ist”. A palavra “amortisiren” consta no texto original do Norddeutsches Bundesgesetzblatt de 1870 com essa grafia, ao contrário da sua atual forma: “amortisieren”.

59 Cf. Alexander Kitanoff, Der Erwerb eigener Aktien – Aktienrückkäufe und Interessen der Gläubiger, Aktionäre und des Kapitalmarkts, Peter Lang, Frankfurt, 2008, p. 16.

60 No original: “Obwohl man rein begrifflich den Rückkauf von Aktien als Rückzahlung unter die genannten

Vorschriften subsumieren könnte, wurde der Rückkauf von Aktien überwiegend für zulässig erachtet”. Cf. Alexander Kitanoff, op. cit., p. 16.

(utilização de lucros na recompra de ações) entendia-se não atingido o preceito proibitivo dos §§15 e 17 anteriormente mencionados61.

Na Itália, a proibição surgiu como direito positivo com o Codice di Commercio del

Regno d’Italia de 1882, no seu artigo 144. A legislação italiana de 1882 é interessante, pois

ela indica não só o preceito proibitivo, como também estipula as condições sob as quais as aquisições seriam permitidas (a legislação alemã de 1870 não continha exceções). A redação dessa norma italiana era a seguinte: “gli amministratori non possono acquistare le

azioni della società per conto di essa, salvo il caso in cui l’acquisto sia stato autorizzato dall’assemblea generale, e sempreché si faccia con somme prelevate dagli utili regolarmente accertati e le azioni siano liberate per intero. In nessun caso essi possono accordare sulle azioni stesse alcuna anticipazione”. Esta configuração normativa era fruto

de anseios da prática comercial, em especial tendo por base decisões das câmaras de comércio de Milão e de Torino62. Segundo a doutrina italiana, essa norma foi positivada justamente em decorrência do receio de que essas operações tivessem consequências negativas para os credores (“avrebbe inciso negativamente sulla garanzia oferta ai

creditori sociali del capitale sociale”) e poderia abrir espaço para uma influência ilegítima

da administração na esfera societária (“avrebbe potuto offrire agli amministratori uno

strumento per influire indebitamente sulle deliberazioni della assemblea e sul corso delle proprie azioni”)63. O descumprimento da regra já era uma sanção penal, pelo artigo 247 do mesmo diploma (apesar de não haver disciplina clara quanto às consequências civis da sua violação).

O Código de Comércio italiano de 1882 estabelecia já os três requisitos básicos que seriam adotados pela legislação italiana posterior na regulação da temática, e que perduram até o direito hoje vigente: (i) autorização pela assembleia geral, (ii) utilização do saldo de lucros (utili regolarmente accertati) e (iii) ações 100% integralizadas, demonstrando certo avanço do pensamento italiano à época.

61

A alteração radical de posicionamento pode ter tido influência na crise da bolsa de Viena de 1869, onde as ações próprias parecem ter tido papel relevante, apesar de, na Alemanha, não haver experiência semelhante no período. Cf. Alexander Kitanoff, op. cit., pp. 16 a 18. Barbara Pozzo relata que a crise do megaempresário das ferrovias prussianas Henry Bethel Strousberg, na primeira metade do século XIX, deveu-se em parte também a negócios com ações das suas companhias. Cf. Barbara Pozzo, L’acquisto di Azioni Proprie – La Storia di um Problema in un’Analisi di Diritto Comparato, Giuffrè, Milano, 2003, p. 5.

62 Cf. Barbara Pozzo, op. cit., p. 24. Para uma exaustiva análise histórica do surgimento do art. 144 em

comento, confira-se o excelente estudo de Scotti Camuzzi, Acquisto delle Proprie Azioni, Utile e Utile d’Esercizio, in Rivista delle Società, Vol. 15, n. ° 3/4, 1970, pp. 617 e ss.

Na Espanha, duas leis de 1856 proibiram que as instituições financeiras concedessem empréstimos tomando como garantia as próprias ações, proibição que parece ter tido origem nos escândalos financeiros de 1845-1846, relatando a doutrina que o banco de Isabel II em determinado momento havia aceitado mais de metade das próprias ações em garantia64. A proibição veio a ser consagrada expressamente no Código de Comércio espanhol de 22 de agosto de 1885, no artigo 16665, que proibia genericamente as aquisições, exceto no caso de amortização.

O regime europeu foi sofrendo diversas transformações no decorrer do tempo, especialmente tomando em conta as circunstâncias econômico-sociais de cada época, passando-se gradativamente a adotar uma atitude mais pragmática. Os medos exagerados das épocas originárias foram gradativamente sendo sopesados à luz das potencialidades das operações. Maria Victória Rodrigues discorre sobre três etapas visíveis na evolução teórica europeia e que nós transformaríamos em quatro.

O primeiro período é o da proibição tendencialmente absoluta, que tem seu nascimento no último terço do século XIX com o surgimento das legislações comerciais europeias de cunho liberal, conforme tivemos a oportunidade de apontar nos parágrafos acima. Neste período, a vedação ou era absoluta, como, por exemplo, na

Aktienrechtsnovelle alemã de 1870, que sequer a amortização das ações permitia, ou as

exceções tendem a ser em pequeno número, como nos códigos espanhol e italiano (neste, o sistema não era de “exceções específicas”, mas de “condições de validade” – o que, aliás, nos parece conceito extremamente útil de tratamento da matéria, ainda nos dias de hoje), vimos acima. O único país do período a ter uma legislação mais flexível neste ponto era a Suíça, cujo Código de Obrigações de 1881 pregava um critério mais amplo. O artigo 628 do Schweize Obligationenrecht continha um regime bastante complexo sobre a questão. Esse artigo determinava, primeiramente, que a companhia não poderia adquirir suas próprias ações. No entanto, o mesmo artigo já listava quatro exceções, muitas das quais continuaram sua trajetória até os dias atuais, que eram: (1) para possibilitar uma amortização estabelecida nos estatutos; (2) para possibilitar o reembolso de capital, observados os requisitos para a redução do mesmo; (3) aquisições em via executiva,

64 Cf. Velasco San Pedro, La adquisición por la sociedad emisora de sus proprias acciones, Valladolid,

Editorial Lex Nova, 1985 apud Maria Victória Rodrigues, op. cit., p. 50.

65 O texto do art. 166 era o seguinte “Las compañias anónimas únicamente podrán comprar sus proprias acciones con los beneficios del capital social para el solo efecto de amortizarlas. En caso de reducción del capital, cuando procedirse conforme a las disposiciones de este Código, podrán amortizarlas también con parte del mismo capital, empleando al efecto los medios legales que estimen convenientes.” No artigo 167, proibia-se a elas de receberem as próprias ações em garantia, de maneira absoluta.

quando necessárias para satisfazer um crédito da sociedade; e (iv) aquisições ligadas ao objeto estatutário da sociedade66. Cabe salientar, ainda, que foi a legislação suíça a primeira do mundo a preocupar-se com a criação de mecanismo de controle a posteriori da operação e com a previsão de um regime jurídico diferenciado para as ações assim adquiridas pela sociedade. Dessa forma, o mesmo artigo 628 determinava (i) o cancelamento obrigatório das ações adquiridas para amortização ou reembolso, não sendo possível a sua recolocação no mercado; (ii) a obrigação de revender as ações recebidas em via executiva ou no cumprimento do objeto social o mais rápido possível; (iii) a obrigação de informar todas as aquisições e alienações de ações próprias ocorridas durante o exercício social; (iv) a proibição de que as ações adquiridas pela sociedade fossem representadas em assembleia geral. Todo este regime diferenciado coloca a Suíça, sem dúvidas, entre os países pioneiros a respeito da matéria.

A rigidez do regime neste primeiro período foi contrabalanceada por um período de intensa discussão doutrinária e jurisprudencial, o que levou, se não a nível positivo, ao menos a nível de teoria jurídica, a determinadas flexibilizações que puderam, posteriormente, ser incorporadas por ocasião das reformas dessas primeiras leis. Assim aconteceu, por exemplo, com a promulgação da Zweite Aktienrechtsnovelle alemã de 1884, que incorporou ao seu texto algumas exceções discutidas no período de vigência da legislação de 1870 (como, por exemplo, a permissão jurisprudencial para a aquisição de ações próprias no âmbito de reduções de capital, o que era formalmente proibido pela lex

absoluta consubstanciada na Erste Aktinrechtsnovelle67), no que foi seguido pelo

Handelsgesetzbuch de 1897, que pouco alterou o regime da segunda Aktienrechtsnovelle68.

66 O artigo 628 do Código das Obrigações Suíço de 1881 tinha a seguinte redação: “(1) Die

Aktiengesellschaft darf eigene Aktien nicht erwerben. (2) Von diesem Verbote findet eine Ausnahme statt: 1. Wenn die Erwerbung zum Zwecke einer in den Statuten selbst vorbehaltenen Amortisation vorgenommen wird; 2. Wenn die selbe in Gemässheit des Artikel 670 Absatz 1 und 2 zum Zwecke der teilweisen Rückzahlung des Grundkapitals vorgenommen wird; 3. Wenn dieselbe in Executionswege zur Befriedigung einer Forderung der Gesellschaft erfolgt; 4. Wenn dieselbe mit dem Betriebe eines nach den Statuten zum Gegenstande des Unternehmens gehörigen Geschäftszweiges verbunden ist. (3) In den Fällen 1 und 2 sind die zurückerworbenen Aktien sofort für jede weitere Veräusserung unbrauchbar zu machen. In den Fällen 3 und 4 müssen die erworbenen Aktien mit thunlichster Beschleunigung weiter veräussert und die im Laufe des Jahres erfolgten Erwerbungen und Veräusserungen von eigenen Aktien im Jahresberichte ersichtlich gemacht werden. (4) Die durch die Gesellschaft zurückerworbenen Aktien dürfen in den Generalversammlungen nicht vertreten sein”.

67 Cf. Alexander Kitanoff, op. cit., p. 19.

68 Segundo o §215d da Zweite Aktienrechtsnovelle: “Die Aktiengesellschaft soll eigene Aktien im geschäftlichen Betriebe, sofern nicht eine Kommission zum Einkauf ausgeführt wird, weder erwerben noch zum Pfande nehmen. Sie darf eigene Interimsscheine im geschäftlichen Betriebe auch in Ausführung einer Einkaufskommission weder erwerben noch zum Pfande nehmen. Eine Amortisation der Aktien ist zulässig, sofern sie unter Beobachtung der für die Zurückzahlung oder Herabsetzung des Grundkapitals maßgebenden Vorschriften erfolgt. Ohne Beobachtung derselben darf die Gesellschaft ihre Aktien nur aus dem nach der jährlichen Bilanz sich ergebenden Gewinne und nur in dem Falle amortisiren, daß dies durch den

Nesse sentido, a legislação alemã de 1884 incorporou, influenciada pelo seu próprio pensamento jurídico e pela legislação suíça de 1881, diversos pontos de exceção, como, por exemplo: (i) pondo fim à discussão em torno do diploma anterior, a amortização passou a ser permitida, desde que obedecidas as disposições sobre redução de capital; (ii) permitiu também o uso de lucros acumulados para a realização de amortização de ações, abrindo caminho para o núcleo moderno do regime, que orbita em torno dos saldos contábeis de lucros e reservas de lucros; (iii) além disso, a expressão “im geschäftlichen

Betriebe” que traduzida significa “na exploração dos negócios” é entendida como uma

expressão que autoriza os negócios com as próprias ações de forma gratuita e as aquisições decorrentes de um processo de execução para satisfazer crédito da sociedade, (iv) excetuou-se a aquisição de ações próprias quando realizada em decorrência de um contrato de “comissão de compra” (“Kommission zum Einkauf”69), atendendo-se a pedidos dos bancos para serem permitidas essas operações, (v) alterou-se a consequência jurídica da nulidade da operação para a responsabilidade civil da administração da sociedade, respondendo a clamores de injustiça decorrentes de operações de bolsa, em que o vendedor não teria como saber que sua contraparte era a companhia, e via sua operação submetida à nulidade absoluta70.

O Handelsgsetzbuch (Código Comercial) alemão de 1897 (HGB) seguiu de perto esta regulamentação, com ligeiras variações (alterações estas que visavam mais do que modificar o substrato normativo, apenas adequar a linguagem do texto à do Código Civil Alemão), mas a incompletude do dispositivo acabou por esvaziar o conteúdo da vedação, tendo graves consequências durante a Grande Depressão. Noticia-se que “não existe dispositivo normativo mais conhecido e tão amplamente ignorado como o §226 do HGB”71.

ursprünglichen Gesellschaftsvertrag oder durch einen, den letzteren vor Ausgabe der Aktien abändernden Beschluß zugelassen ist”. Cabe, neste ponto, a mesma observação quanto à grafia da palavra “amortisiren” que já fizemos em momento anterior.

69 O §383, Abs. 1, do Handelsgesetzbuch (Código Comercial Alemão de 1897) atualmente define um

“Komissionsgeschäft” da seguinte forma: “Comissário é aquele que se compromete a adquirir ou vender, em nome próprio, mas no interesse de terceiro (o comitente), mercadorias ou valores mobiliários”. No original: “Kommissionär ist, wer es gewerbsmäßig übernimmt, Waren oder Wertpapiere für Rechnung eines anderen (des Kommittenten) in eigenem Namen zu kaufen oder zu verkaufen”. O contrato equivale, certamente, ao nosso contrato de comissão, cuja definição, no artigo 693 do Código Civil, é substancialmente igual a essa: “Art. 693. O contrato de comissão tem por objeto a aquisição ou a venda de bens pelo comissário, em seu próprio nome, à conta do comitente”.

70 Cf. Maria Victória Rodrigues, op. cit., p. 52, nota de rodapé 107. Ver também Alexander Kitanoff, pp. 19 e

20.

71 No original: “Es gibt keinen Paragraphen, der so allgemein bekannt und so allgemein ignoriert wird, wie § 226 HGB”. Notícia veiculada no Berliner Tageblatt de 1931, citada por Schön apud Alexander Kitanoff, op. cit., p. 20, nota de rodapé 33.

O início da segunda etapa evolutiva pode ser situado em 1931, data em que foi promulgada na Alemanha uma lei alterando o Handelsgesetzbuch de 1897, denominada de pequena reforma acionária (kleine Aktienrechtsreform). A Lei alemã de 19 de setembro de 1931 (Notverordnung do então presidente Hindenburg) foi promulgada em reação aos níveis alarmantes de especulação que os negócios com as ações próprias tomaram durante a crise de 1929/1931, em parte pelo regime jurídico do Handelsgesetzbuch de 1897, o que tornava a sua revisão assunto de pauta urgente na Alemanha. Nesse período, a Alemanha, que já passava por uma grave situação econômica após a perda da Primeira Guerra Mundial, viu-se atingida com brutalidade pela queda dos níveis mundiais de comércio, não só na indústria, como também no setor financeiro. As instituições financeiras alemãs, ainda altamente dependentes de capital estrangeiro, viram-se em meio a uma crise de liquidez que culminou com uma crise bancária no verão de 1931. No período que a antecedeu, muitos bancos utilizaram o instituto com o intuito primordial de alterar a cotação de seus papeis, usando-o em níveis muito maiores do que as companhias industriais72. A nova redação do Handelsgesetzbuch e o novo regime criados por essa lei assentaram os aspectos fundamentais do sistema alemão sobre ações próprias como hoje o conhecemos: apesar de não haver uma volta ao quadro da proibição absoluta de 1870, vê-se claramente que as operações passam a ser submetidas a rigorosos limites e controles. A título de curiosidade, é neste momento que surge o famoso limite de 10% do capital social para as ações em tesouraria, disposição que até hoje vige, não apenas por lá, como no Brasil73.

A segunda fase, portanto, é marcada por um aperfeiçoamento técnico da proibição, ora incorporando ao regime das exceções aqueles casos julgados de menor perigo, ora apertando o controle das operações onde efetivamente o temor se justificava (por exemplo, ao definirem-se melhor as condições sob as quais as ações em tesouraria seriam mantidas, e os direitos que seriam a elas assegurados, além da introdução do regime de participações recíprocas). Cabem aqui, também, menções à Aktiengesetz de 193774, na Alemanha, a

72 Cf. Alexander Kitanoff, op. cit., p. 23. 73

A origem do limite de 10% é controversa, mas entende-se que o legislador tenha se baseado no então projeto de lei das sociedades por ações, que viria a ser promulgado em 1937, o qual continha o dispositivo no §215, Abs. 1, S. 2. No entanto, há outras opiniões. Cf. Alexander Kitanoff, op. cit., pp. 23 e 24, nota de rodapé 52.

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Admite-se, a partir dela, a aquisição para evitar um dano grave à sociedade desde que as ações adquiridas não ultrapassem 10% do capital social; a aquisição pela sociedade, mas em nome de terceiro, desde que as ações estejam totalmente integralizadas; a aquisição para redução de capital; e as aquisições gratuitas de ações integralizadas, entre outras autorizações inovadoras. As ações em tesouraria ficam com todos os seus direitos suspensos. A redação da Aktiengesetz de 1937 é praticamente a mesma introduzida pela reforma de 1931, com pequenas modificações. Ver Alexander Kitanoff, op. cit., p. 24, nota de rodapé 53.

revisão do Código das Obrigações da Suíça de 1936, a promulgação do Codice Civile italiano de 1942 e a Lei de Sociedades Anônimas da Espanha de 1951.

A redação original do Codice Civile de 1942, art. 2.357, não inovou muito em relação ao disposto no Código Comercial de 1882. As modificações que efetivamente