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PARTE I. A CIVILIZAÇÃO CÉLTICA NA GÁLIA NOS SÉCULOS II E I A.C

2. A FORMAÇÃO DE ESTADOS CELTAS NA GÁLIA – A CIVILIZAÇÃO DOS OPPIDA

2.3. A civilização dos oppida

2.3.4. Arquitetura e traçado das muralhas

Durante o cerco do oppidum de Avaricum (Bourges), César descreve sua impressão das muralhas e as chama de gaulesas (muri Gallici).

Todas as muralhas gaulesas (muri Gallici), de um modo geral, são construídas da seguinte forma. Colocam-se no solo com iguais intervalos, na distância de dois pés, traves no sentido horizontal. Fixam-se traves no sentido transversal junto àquelas e reveste-se com muito aterro; porém, na frente, colocam-se grandes pedras no mesmo intervalo citado. Coloca-se uma outra seqüência de traves acima, para que seja

384 Ibidem. p. 24-25. 385 POLÍBIO. Op. cit. II, 17.

386 TITO LÍVIO. Op. cit. XXXII, 31. ERNOUT et MEILLET. Op. cit. p. 104. Registra castellum como fortaleza,

campo fortificado.

387 TITO LÍVIO. Op. cit. XXXIX, 45.

388 SALAC, Vladimir. The oppida in Bohemia. Wrong step in the Urbanization of the Country? In:

GUICHARD, Vincent et al. (org.). Les processus d´urbanisation à la âge du Fer. Op. cit. p. 152. Este artigo também é relevante para o estudo do fim dos oppida na Europa central, o autor não credita à chegada da tribo germanas dos marcomanos.

389 RALSTON, Ian. Fortification and Defence. In: GREEN, Miranda (org.). The Celtic World. Op. cit. p. 66. 390 FICHTL, Stephan. Op. cit. p. 31.

conservado o mesmo intervalo e para que as traves não se toquem, mas para que cada uma repouse sobre uma pedra que preenche exatamente o vazio igual deixado entre cada linha, Assim se tece, depois, toda a obra, até preencher-se a altura desejada da muralha, que é composta de traves e pedras alternadas. Esta espécie de obra, com pedras e traves regularmente alternadas, que conservam as suas ordens em linhas retas, apresenta uma aparência agradável e uma variedade prática e eficaz para a defesa da cidade, pois a pedra resiste ao fogo e madeira ao aríete, que, com traves contínuas, muitas vezes com quarenta pés, não pode ser roto, nem desmanchado391.

Em linhas gerais, a arqueologia confirma a descrição cesariana. A grande maioria dos oppida foi construída em terrenos elevados, não raro, mais de 700 metros. Quando não estavam em morros, escolhia-se um local cujo ambiente dificultasse o sítio. É o caso do oppidum de Avaricum (Bourges), situado numa planície, mas protegido por ser circundado por um pântano.392

A altura e profundidade das muralhas parecem ter sido relativamente constantes, aproximadamente por volta de cinco a oito metros de altura393 por mais de quatro de

profundidade. Atrás da muralha, era comum a presença de um talude interior que dava consistência à construção. Acima das muralhas, certamente, uma paliçada maciça aumentava a altura, facilitando a defesa. Na frente exterior da muralha, era comum a presença de um fosso, cuja altura não ultrapassaria a de um homem adulto.394 Em muitos casos, como em Bibracte, as muralhas seguiam o traçado do relevo e nem sempre todo o oppidum era murado, mas as muralhas podiam cercar apenas a parte considerada mais vulnerável. O resto podia ser protegido pelos acidentes de relevo.395

O caráter defensivo é defendido por Ferdinand Maier:

De um modo geral, a definição do termo oppidum agora inclui sítios fortificados que sugerem grandes estabelecimentos defensivos, mesmo que eles não tenham sido totalmente escavados, ou se não há muitos conhecimentos detalhados sobre sua origem e se a função não está bem certa. A função primária visava oferecer um refúgio central.396

Os portões397 dos oppida eram construídos em madeira, num recuo do traçado da muralha. Pelos dados arqueológicos, esses portões eram feitos de portas duplas externas e internas sustentadas por fortes troncos. Acima das portas propriamente ditas, havia uma

391 CÉSAR. Op. cit. VII, 23.

392 Ibidem. VII, 15. Ver EYDOUX, Henry-Paul. A ressurreição da Gália. Rio de Janeiro: Otto Pierre Ed. 1979,

p. 155-172.

393 BRUNAUX, Jean-Louis. Les Gaulois. Op. cit. p. 85.

394 KRUTA, Venceslas. Les Celtes. Histoire et dictionnaire. Op. cit. p. 344-345.

395 FICHTL, Stephan. La Ville celtique. Op. cit. p. 41-43. É o caso do oppidum de Bracquemont (Sena-Marítmo).

Este fica situado à beira de uma falésia (corte abrupto do litoral, sem praia). A parte voltada para a falésia dispensa as muralhas.

396 MAIER, Ferdinand. The Oppida of the Second and First Centuries. B. C. In: Venceslas Kruta et al. (org.).

The Celts. Op. cit. p. 323.

espécie de galpão em formato de torre coberta, sem dúvida, com finalidade de observação e defesa, mas poderia ter também o objetivo de controlar a passagem de pessoas e bens no oppidum.398 Os portões acompanham a profundidade da construção; dessa forma, seu traçado interno inclui o recuo em relação à muralha, o restante da muralha e o talude. Forma-se, então, uma espécie de torre mais alta que a muralha e bastante profunda. No oppidum de Chaussée-Tirancourt (Somme, Picardia) o conjunto de portas duplas mede 20 metros de largura e o espaço livre por cada porta é de 7 metros.

Sobre as portas dos oppida afirma Olivier Buchsenschutz:

Na segunda Idade do Ferro se desenvolveram no continente (europeu) entradas monumentais marcadas no solo por uma tripla linha de grossos postes em um eixo e nos flancos de abertura: eles eram destinados a sustentar uma superestrutura em madeira, passarela ou torre, que assegurava a continuidade da circulação sobre a muralha e a proteção da passagem.399

Dois tipos básicos de muralhas são reconhecidos pela pesquisa arqueológica. As muralhas com armação interna e as muralhas de talude maciço. As pesquisas arqueológicas identificam alguns tipos de muralhas nos oppida. As muralhas com armação interna são de dois tipos.400

Muralhas com postes horizontais ou Murus Gallicus, têm traves dispostas horizontalmente. Sua repartição inclui a parte oeste do mundo celta, em particular a Gália, e seu limite oriental é o oppidum de Parrodunum (Manching).401 Compreende, em geral, oppida de grandes e de pequenas dimensões; seu período compreende La Tène final. O oppidum de Bibracte é um exemplo.

Muralhas com postes verticais ou tipo Kelheim402 têm traves dispostas verticalmente. Sua repartição abrange o leste da Gália até a Hungria. Uma parte dessa repartição mantinha uma interseção com o tipo de postes horizontais. A segunda fase do oppidum de Parrodunum (Manching) representa esse exemplo.

Já a muralha de talude maciço possui um único tipo: Fécamp, chamado belga ou da Picardia. Esses nomes indicam um mesmo tipo de muralha, sem a mesma imponência dos tipos descritos anteriormente. Não havia paramento de pedra nem armação de madeira interna. A muralha consistia de um maciço monte de terra e sua repartição restringia-se ao

398 AUDOUZE, Françoise e BUCHSENSCHUTZ, Olivier. Villes, villages et campagnes de l´Europe celtique.

Du début du II millénaire à la fin du I siécle avant. J.-C. Paris: Hachette, 1989, p. 122.

399 Ibidem. p. 122.

400 FICHTL, Stephan. La ville celtique. Op. cit. p. 45-57.

401 Compreende a primeira fase das muralhas desse oppidum. Na segunda fase as muralhas eram do tipo de

postes verticais.

noroeste403 e oeste da Gália, além do sudeste da Britânia. A distribuição desse tipo mantinha interseção com o tipo murus gallicus. Um exemplo é o oppidum de Fécamp (Sena-Marítimo, Alta Normandia).