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PARTE I. A CIVILIZAÇÃO CÉLTICA NA GÁLIA NOS SÉCULOS II E I A.C

2. A FORMAÇÃO DE ESTADOS CELTAS NA GÁLIA – A CIVILIZAÇÃO DOS OPPIDA

2.2. A incorporação da Gália à esfera romana

2.2.1. A conquista do sudeste da Gália

Uma vez conquistada a Gália Cisalpina, Roma vê-se diante de uma nova empreitada. Além do norte da Itália, os romanos tinham conquistado o sudeste da Espanha, como resultado da vitoriosa campanha nas Guerras Púnicas contra Cartago. Dessa forma, as possessões cartaginesas passaram para o controle romano. Era necessário ligar a Itália à Espanha por terra, para tanto o sul da Gália deveria passar para a esfera romana.

Assim, em 192 a.C. cai Mediolanum (Milão), a capital dos ínsubres. Menos de um século depois, surge o pretexto para uma intervenção na Gália Transalpina,339 a partir de Massalia (Marselha),340 situada no litoral da atual Provença. Esta cidade foi fundada em 600

335 MANN. Op. cit. p.177. 336 Ibidem. p. 182-183. 337 SERVICE. Op. cit. p. 304. 338 Ibidem. p. 305.

339 Ver GOUDINEAU, Christian. La Gaule Transalpine. In: NICOLET, Claude (org.). Rome et la conquête du

Monde Miditerranéen. Genèse d´um empire. Paris: Nouvelle Clio, Puf. 1997, p. 699. O autor analisa as fontes e

os eventos históricos relacionados aos antecedentes da conquista e a fase romana.

a.C. por colonos gregos da Focéia. Massília era uma cidade próspera e considerada uma das maiores colônias gregas no Mediterrâneo Ocidental.341

A colônia mantinha comércio com tribos celto-lígures e celtas do interior. Exportava vinhos e cerâmica, em troca de escravos e de manter livre a rota de outros produtos. Mas é justamente uma tribo instalada a nordeste da cidade frequentemente mais problemática. Tratava-se dos salúvios ou sálios, uma tribo considerada celto-lígure.

Em 154 a.C., os ligures foram os pivôs da justificativa de Roma para traçar uma rota até a Espanha. Em torno do ano 125 a.C., esta tribo estava atacando os mercadores gregos de Massalia, chegando mesmo a ameaçar a segurança da cidade.342 Massalia tinha tratados e uma

relação de amizade para com a República Romana. Com o constante ataque dos salúvios, os massaliotas se viram forçados a pedir a intervenção da cidade latina. Os romanos vencem a tribo celto-ligure, ocupam o seu oppidum, Entremont, e destroem seu santuário, Roquepertuse. Após a derrota, seu rei, Teutomalio (ou Teutomotulo), e parte da nobreza dos salúvios são acolhidos entre os alóbroges. Os romanos exigem a entrega do rei; porém, com a negativa dos alóbroges, os romanos marcham contra eles.343 Ao atacarem os alóbroges, os romanos provocam os arvernos, que nesta época mantém hegemonia sobre boa parte da Gália.344 Uma grande batalha teria ocorrido na confluência do Ródano com o Isère, onde uma coalizão formada por arvernos, rutenos e alóbroges teria sido derrotada. Fontes posteriores teriam dito que o Ródano encheu-se de milhares de cadáveres.345 Após o confronto, o rei dos arvernos, Bituito é derrotado e levado para Roma, juntamente com seu filho Congenato.346

Na parte mais ocidental da nova província, os volcas arecomícios e volcas tectósagos também foram derrotados e integrados à província Narbonense. Em 106 a.C., após participarem na tentativa de conquista dos cimbros e teutões, os volcas tectósagos são definitivamente subjugados. Seu principal oppidum, Tolosa (Toulouse) é destruído. O depósito votivo dos volcas tectosagos caracterizado por um lago sagrado perto de Tolosa é

341 Estudos sobre Massalia e a Gália está presente em GOUDINEAU, Christian. Marseille et la Gaule. In: ___.

Regard sur la Gaule. Op. cit. p. 83-96; e CUNLIFFE, Barry. Greeks, Romans & Barbarians. Op. cit. p. 12-28.

342 POLÍBIO. Op. cit. XXXIII, 8-10. Os povos ligures eram os deciates e oxibios. 343 TITO LÍVIO. Op. cit. 61, 3.

344 Esta hegemonia é evocada por ESTRABÃO. Op. cit. IV, 2. JULLIAN, Camille. Vercingétorix. Paris:

Hachette, 1963, p. 28-31, postulou que os arvernos no século II a.C. tinham sua hegemonia entre o rio Sena e o Mediterrâneo, logo uma influência sobre toda a Céltica.

345 GOUDINEAU, Christian. Regard sur la Gaule. Op. cit. p. 51-52.

346 TITO LÍVIO. Op. cit. 61, 6. ESTRABÃO. Op. cit. IV, 3. APIANO. História (Céltica). IV, 12. ORÓSIO.

saqueado.347 A conquista da Narbonense termina apesar de várias rebeliões,348 principalmente devido à insurgência dos alóbroges. Com a conquista da Narbonense, Roma conseguiu a tão almejada rota terrestre entre a Itália e a Espanha. A consolidação dessa rota se dá com a construção da Via Domítia.349 Após a conquista do sudeste gaulês, várias rebeliões ocorreram. Estas não são bem documentadas, mas sabe-se que entre os povos mais refratários a Roma estavam os alóbroges.350

2.2.2. As campanhas de César e a conquista da Gália independente351

Alguns anos antes da chegada das legiões de César, éduos e arvernos estiveram em guerra.352 Estes eram aliados dos sequanos e se utilizavam de mercenários germanos contra os

éduos. Foram derrotados, logo, era do interesse desta tribo manter-se contra o avanço dos arvernos. Nos Comentários de César encontramos referências a esta divisão política. Segundo o procônsul, citando o druida éduo Diviciaco, a Gália estava dividida em duas facções, uma liderada pelos éduos outra liderada pelos arvernos. Assim, nas vésperas da chegada de César, os éduos estabelecidos além da fronteira do norte (Borgonha) e os nitiobroges estabelecidos além da fronteira oeste (Lot-et-Garonne) estavam na condição de “amigos” do povo romano. É possível a política romana seguinte ao ato da conquista do sudeste da Gália fechar acordos visando futuras intervenções. As fronteiras da província estavam seladas com alianças fatais para os gauleses, pelo menos no que diz respeito aos éduos. Estes viam na amizade com Roma uma forma de impedir o avanço dos arvernos e dos germanos, liderados pelo rei dos suevos,353 Ariovisto, além de garantir os seus privilégios comerciais. As tribos germanas situadas na margem direita do Reno estavam exercendo pressão para se instalarem na Gália. Os éduos haviam sido derrotados pelos arvernos, sequanos e germanos em Magetobriga.354 A

347 ESTRABÃO. Op. cit. IV, 1. Ver MORET, Pierre. Strabon, Posidonios et le trésor des Tectosages. In: L´or de

Tolosa. Op. cit. p. 17-22. DOMERGUE, Claude. Origine de l´or et de l´argent des Tectosages. In: L´or de Tolosa. Op. cit. p. 23-24. Os autores discutem a origem do ouro saqueado do lago sagrado pelo general romano

Cipião em 106 a.C.

348 CÍCERO. Defesa de Fonteio. IX, 10. Várias rebeliões tiveram lugar da conquista dessa região até a

intervenção de César, devido à insatisfação dos celtas com a conquista e com a forma que Roma estava conduzindo o comércio do vinho através de impostos altos e a política de assentamentos de veteranos romanos.

349 GOUDINEAU. Regard sur la Gaule. Op. cit. p. 53. A Via Domítia se estendia de Torino (Piemonte) até

Narbo Martio (atual Narbone, Languedoc) e penetrava em território espanhol.

350 Pelo menos sete rebeliões ocorreram entre 121 a.C. e a intervenção de César em 58 a.C. A última em 62–61,

liderados por Catugnato. Contudo, essa época é pouco documentada. Ver FERDIÉRE, Alain. Les Gaules. II s.

av. J.-c. – V s. ap. J.-C. Paris: Armand Colin, 2005, p. 63-65.

351 Ver HARMAND, J. La Gaule indépendante et la conquête. In: NICOLET, Claude. Rome et la conquête du

Monde Mediterranéen. Gênese d´um empire. Paris: Nouvelle Clio–Puf, 1997, p. 718-726. O autor faz uma

importante análise das campanhas de César e suas questões de ordem política na Gália.

352 CÉSAR. Op. cit. I, 31; VI, 12. 353 Ibidem. VI, 12.

chegada dos suevos de Ariovisto estava causando apreensão na Gália, uma vez que uma tribo, os harudes,355 já estavam instalados possivelmente no território dos sequanos. Esta situação tensa provocou a ida do druida éduo Diviciaco ao senado romano visando pedir ajuda.

A situação era propícia para César, agora nomeado para o proconsulado da Gália Cisalpina, da Gália Transalpina e da Ilíria (litoral da Croácia e Albânia). Enfim, várias condições se somavam para possibilitar a intromissão do procônsul para além da Província. Além disso, os romanos não iriam se defrontar com um povo desconhecido, já havia trezentos e cinqüenta anos que romanos e celtas se enfrentavam. Os romanos já conheciam muito bem o estilo de combate céltico pela experiência na Itália (quando da invasão gaulesa no norte da península) e na conquista e rebeliões da Província.

Em 58 a.C., a justificativa para os romanos levarem suas legiões para além do vale do Ródano surgiu. Várias tribos germanas já haviam entrando em choque com a linha356 dos oppida célticos. Os germanos se chocam com os vindelícios357 que viviam nessa região e estavam fustigando os helvécios. Após forte resistência, os helvécios resolvem abandonar o seu território, incendeiam seus oppida e marcham para o interior da Gália, com a intenção de estabelecerem-se no território da tribo céltica dos santones (Charente e Charente-Maritmo) no sudoeste da Gália.358 Com a justificativa de interceptá-los e de proteger os aliados gauleses, César inicia suas campanhas com a derrota sobre os helvécios e força-os a retornar ao seu território.

Após esse episódio, o procônsul derrota a confederação germânica dos suevos, liderados por Ariovisto, instalando-se no leste da Gália e oprimindo os povos celtas dessa região, particularmente os sequanos (Franco-Condado). César estava obrigando-os a atravessar o Reno de volta à Germânia.359 A partir daí, César vence os belgas, em 57, e os armoricanos, em 56. Faz duas incursões à Britânia em 55 e 54, além de uma à Germânia. Em 53, faz novas incursões contra os belgas, éburões e treveros, em particular. Em 52 a.C., César é derrotado em Gergóvia, oppidum dos arvernos, frente às forças de Vercingetorix. A partir desse momento, os éduos, seus clientes, e os belgas se unem ao chefe arverno, formando a

355 CÉSAR. Op. cit. I, 31. Segundo o relato de Diviciaco, quatro mil harudes estariam estabelecidos na Gália

oriental.

356 Limite aproximado dos oppida na Europa continental. Vai da altura de Bruxelas (Bélgica), atravessa a

Alemanha, declina um pouco para sul, chegando ao sul da Polônia.

357 Sobre os oppida do sul da Alemanha, em particular sobre Parrodunum (Manching), ver SIEVERS, Susanne.

Les attestations d´une aristocratie de la civilization des oppida dans le sud d’Allemagne. In: GUICHARD, Vincent et PERRIN, Franck (org.). Op. cit. p. 167-174. A autora considera que a elite local possa ter participado na Guerra da Gália contra César..

358 CÉSAR. Op. cit. I, 10. 359 Ibidem. I, 43, 44.

maior coalizão até o momento contra César. Vercingetorix é eleito em Bibracte para comandar todas as forças celtas. Contudo, sua cavalaria sofre uma pesada derrota, e Vercingetorix se refugia em Alésia, oppidum dos mandúbios. Após um longo e bem estruturado sítio por parte dos romanos, os sitiados e as forças que vieram em socorro se rendem. Vercingetorix se entrega a César. Em 51 a.C., novas rebeliões tentam reanimar a resistência contra os invasores principalmente por intermédio dos cardúcios (Lot) e dos belovacos (Somme). Os carnutos360 são reprimidos devido à instigação da revolta de Vercingetorix. Nova derrota dos celtas encerra o destino da Gália. César permanece em solo gaulês no ano seguinte, 50 a.C., e dá por encerradas as suas campanhas.

Assim, (após esmagar todas as rebeliões) tratando honrosamente as cidades, e recompensando largamente os principais cidadãos e evitando impor novos tributos ,manteve facilmente a Gália em paz a qual , cansada de tanto reveses, passa a oferecer uma obediência mais fácil361.

Segundo Christian Goudineau, os números do saldo final das campanhas de César não foram unânimes para os autores antigos. Plutarco relata um milhão de cativos, enquanto Veleio Patérculo enumera 400 mil.362